EVANGELHO É PODER DE DEUS
Romanos 1.16-17 (Leitura: Salmo 14)
Por que será que o homem tem vergonha? Animal não sabe o que é envergonhar-se, assim como animal não sabe rir nem chorar. Então, como rir e chorar, a vergonha será algo de característico do ser humano. Todos nós, por sermos criaturas humanas, sabemos, portanto, o que é vergonha. Não é preciso explicá-lo a ninguém. Todos sabemos como é, quando o sangue nos sobe ao rosto, quando baixamos o olhar, em vista de uma situação embaraçosa. Sabemos que vergonha não é só um sentimento. O corpo participa das coisas da alma. Participa de tal forma que a vergonha é capaz de fazer uma pessoa perder o sono, e até de fazê-la ficar doente.
A vergonha será coisa boa, ou será coisa ruim? Como resposta quero citar um pregador bem original de Hamburgo que (naqueles tempos em que os pregadores costumavam ser mais rudes do que agora .. . ) dividiu um sermão sobre o tema «vergonha» em três partes: Primeiro: Vocês se envergonham de muitas coisas, das quais não se deveriam envergonhar. Segundo: Vocês não se envergonham de muitas coisas, das quais se deveriam envergonhar. Terceiro: Tenham vergonha! — Não queremos seguir este esquema do pastor, porque não nos compete fazê-lo. Mas aquela disposição original nos servirá para demonstrar que há vários tipos de vergonha. Há vergonha errada e há vergonha justificada. Há falta de vergonha e há sem-vergonhice mesmo.
Vejamos a falsa vergonha, em nossa vida diária: O menino pobre, que se envergonha por não ter sapatos, por ter que ir à escola com chinelos de dedo. A mulher, que fica com vergonha, quando vem visita inesperada, no tempo do almoço, por só poder oferecer aquela carne de segunda e há muitos casos mais de vergonha semelhante. Esta vergonha é falsa, é injustificada. Muitas vezes tal vergonha falsa deixa de ser um problema só nosso, deixa de ser «complexo pessoal». Muitas vezes a vergonha falsa se torna culposa. Por exemplo, quando o filho se envergonha do pai simples, daquele colono que trabalhou duro para custear os estudos do menino. É uma vergonha pecaminosa, pela qual o filho deverá responder no dia do juízo. Ou — a vergonha que os parentes passam por causa de um membro da família que bebe e que os faz olhar para o outro lado da rua, quando o encontram. Esta vergonha falsa e pecaminosa é irmã do medo e da covardia. O cristão aprende a combatê-la e a livrar-se dela.
Mas não queremos defender nenhum «sem-vergonhismo». Talvez a falta de vergonha sã, o sem-vergonhismo, seja um mal específico de nosso tempo. Pensamos na sem-vergonhice de uma vida dedicada ao luxo, vida que não liga a luta dura das pessoas que ganham pouco mais que o salário mínimo. Ou a semvergonhice dos exploradores dos instintos humanos — editores de revistas pornográficas, de filmes e de livros sujos mesmo, coisas que estragam a fantasia e a vida dos jovens, tudo com a finalidade de fazer dinheiro, sem produzir nenhum valor material ou espiritual. O amor ao dinheiro pode tornar uma pessoa sem-vergonha. Todos nós o sabemos, em nosso país. O funcionário corrupto que se deixa comprar pelo comerciante astuto, Ambos não têm a vergonha que deveriam ter, vergonha diante de Deus, diante dos homens, diante de si mesmos.
E existe, também, é evidente, a sem-vergonhice religiosa. Pessoas que usam o nome de Deus, como se ele fosse o moço de recado deles. Pessoas que querem impor a doutrina de sua seita, que não respeitam a intimidade do indivíduo, que falam, impingem, empurram: Aquilo será testemunho autêntico — ou não passará de sem-vergonhismo religioso? E nem poderemos apontar o dedo para outros, neste caso — para Testemunhas de Jeová, Mórmons e outros: Nós mesmos precisamos examinar-nos, se não temos usado o nome de Deus «sem vergonha» se não temos abusado dele, portanto.
Como em todos os casos de dúvida, consultemos a palavra de Deus sobre as origens da vergonha. A Bíblia diz que a vergonha tem sua raiz na culpa. Adão descobre que está nu ,— e fica com vergonha, só depois de ele ter desobedecido o mandamento de Deus. Pois temos aí a origem de toda vergonha. O homem se tornou culpado, e uma voz bem dentro dele o passa a acusar. Esta vergonha não está errada. O homem, se perder esta vergonha, perde tudo. Deus até protege este sentimento de vergonha. No Gênesis diz que Deus fez vestes de pele ao primeiro casal humano — talvez um pequeno aviso para nós, para desconfiarmos de algumas sem-vergonhices da moda, seja com muita, seja com pouca roupa!
Então se a vergonha realmente for um sinal de honestidade perante Deus e os homens, nós vamos ter bastante cuidado ao dizermos: Eu não tenho vergonha de nada. Os jovens que hoje dizem: Vamos pôr toda vergonha de lado, deveriam pensar duas vezes. Isto vale também para o terreno da religião. Não consigo esquecer o comentário de um cidadão da Índia que viajou pela Europa e que disse, ao fim da viagem, depois de ter visitado várias comunidades cristãs: «Eles falam de Deus com tão pouca vergonha.» Há realmente um tipo de «strip-tease» (despir-se) religioso, que quer mostrar tudo o que acontece dentro da alma. Isto está errado. A Bíblia não encoraja este tipo de exibicionismo. Ela nos manda ser sóbrios e vigilantes. E a vergonha sã é parte desta sociedade.
Se o evangelho fosse um ideal humano, um sonho, um sistema de pensar e de viver inventado pelos homens, seria uma sem-vergonhice, anunciá-lo a outras pessoas. Que direito tenho eu de impor meus sonhos, meu sistema de pensar? Não há grande diferença entre os diversos sonhos humanos. Os ideais de meu vizinho poderão ser tão bons quanto os meus. Mas é neste ponto que precisamos deixar bem clara uma coisa fundamental: O evangelho não é sonho humano, Ele é manifestação de Deus neste mundo. E quando Deus está chamando e agindo, Adão não tem mais nenhum motivo para alegar vergonha e para tirar o corpo fora.
Paulo, apóstolo de Jesus Cristo, escreve aos Romanos que julga estar devendo a eles o evangelho: «Sou devedor tanto a gregos como a bárbaros, tanto a sábios como a ignorantes. Estou pronto para anunciar o evangelho a vocês, em Roma.» E depois continua: «Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê seja judeu, seja grego.» Por que Paulo não se envergonha do evangelho? — «Porque é poder de Deus que salva», ele responde. Com outras palavras: Eu não me envergonho de Deus, porque Deus não se envergonhou de mim. Quando vivi na desobediência, na revolta, desencaminhado, desprezando-me a mim mesmo, tendo vergonha de mim mesmo, Deus se colocou a meu lado. Não para me xingar, mas para me salvar. Cristo entrou na fila dos pecadores, ao se deixar batizar. Entrou na minha fila, Foi crucificado entre dois ladrões. Se é verdade que Cristo não se envergonhou de nos chamar de irmãos (Hebreus 2), como eu vou envergonhar-me dele? Não seria a maior das sem-vergonhices, se eu quisesse aparentar que ele não merece a minha companhia, meu testemunho? Não. Eu não me envergonho dele. Eu creio. Eu depositei a falsa vergonha ao pé da cruz de Cristo. Quem se envergonha do evangelho, que pare neste ponto para pensar. Ele não se envergonha de tradições religiosas humanas. Esta vergonha se poderia compreender. Ele se envergonha de Deus mesmo. Do Deus que não se envergonhou dele. Do Deus que no evangelho mostrou-lhe o seu coração paterno, um coração cheio de amor e compaixão. O evangelho: Não é ele uma carta de amor, escrita por Deus aos seus filhos desencaminhados e perdidos? Envergonhar-se desta carta de amor — isto será rejeitar a mão de Deus estendida a nosso encontro para nos tirar de nossa miséria. Que possamos realmente dizer com Paulo: Eu não me envergonho do evangelho, porque é poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê.
Agora chegamos ao ponto em que poderemos confiadamente esquecer nossa vergonha — ou nossa falta de vergonha -- e olhar somente para o evangelho. Porque esta carta de amor de Deus tem um conteúdo tão bom e felicitante, que envolve aquele que o aceita, que ilumina e transforma a sua vida, Ajuda-lhe, entre outras coisas, a vencer toda a falsa vergonha. Paulo diz que no evangelho se revela a justiça de Deus, de fé em fé, como está escrito: O justo viverá por fé. — Isto é: O evangelho revela alguma coisa que nós não sabemos. É uma carta dirigida a você e a mim, na qual há uma comunicação do remetente ao destinatário. Esta carta pede fé. Seu primeiro ato de fé é abrir a carta e tomar conhecimento do conteúdo dela. Muitos argumentam sobre o evangelho, mas não o conhecem; nunca tomaram conhecimento dele. Nunca em sua vida leram sequer um dos quatro evangelhos, do começo até o fim. Nunca ouviram uma pregação da boa mensagem, de coração aberto, de alma sedenta mesmo. Então o primeiro passo é tomar conhecimento. Você verifica que há uma carta e que você é o destinatário. Toma conhecimento do conteúdo. Nota que tal conteúdo é um convite, uma oferta sem par. Descobre que Deus lhe oferece perdão — e, mais ainda, que lhe oferece justiça. A sua própria justiça, tão diferente da pobre justiça humana. Tão diferente da justiça de você e de mim, E você acaba aceitando a oferta de Deus, grato e feliz.
É como no Paraíso, após a queda do homem. As primeiras criaturas humanas descobrem que são nuas e tratam de cobrir a sua nudez com folhas de figueira. Deus se compadece delas e lhes faz vestes verdadeiras. Assim é o evangelho. Assim é a justiça de Deus, que não dá para separar de seu amor. Justiça que não diz: «Olho por olho e dente por dente», mas que perdoa, aceita e que dá vida. Ela se revela «de fé em fé», diz Paulo -- e «o justo viverá por fé». Isto quer dizer que Deus não guarda sua justiça para si. Não guarda sua felicidade para si. Não guarda sua riqueza para si. Ele procura você para deixá-lo participar. «De fé em fé»: O coração de você, em sintonia com o coração de Deus. Como num receptor de rádio, que está sintonizado para uma estação que irradia um programa que lhe diz respeito mesmo. Viver nesta sintonia, existir nesta comunhão, orando, servindo, seguindo o caminho da obediência — isto é evangelho. E Deus diz: É para você. De graça. Eu não quero nada em troca, a não ser você mesmo. E quero você como meu filho. Não se envergonhe de sua culpa, não se envergonhe de nada: aceite, entregue-se e viva em comunhão comigo!
Oremos: Senhor e Salvador: Tu nos deste o evangelho da salvação. Acendeste a luz da esperança em nossa vida. Perdoa-nos por vivermos tão envergonhados, tão medrosos, tão pouco confiantes em teu poder. Sabemos que alguma coisa em nossa vida deverá mudar. Dá-nos fé, dá-nos coragem para vivermos uma vida iluminada pela luz de tua palavra. Reveste-nos com tua justiça e fortalece-nos no caminho da obediência. Amém.
Veja:
Lindolfo Weingärtner
Lançarei as redes - Sermonário para o lar cristão
Editora Sinodal
São Leopoldo - RS