Ritos de passagem e alcoolismo entre crianças e adolescentes

Estudo

10/04/2005

Nas comunidades luteranas, a confirmação marca a passagem da infância para a adolescência. Em muitas delas, o rapaz ou a menina, com esta marca, pode ir a festas, por exemplo. Ou pode tomar um pouco de cerveja. Ou escutar algumas conversas de adultos e, até mesmo, começar a namorar. A data de aniversário também é um rito de passagem. Casamento, batizado, atos fúnebres e até mesmo a despedida de solteiro. Estes são os ritos sociais, culturais e comunitários. Temos também ritos psíquicos do indíviduo consigo mesmo: quando um bebê carrega o paninho pra lá e pra cá. Ou o ursinho... Dorme com eles... Não os larga...

Os exemplos mostram que um rito de passagem serve para marcar que um passado ficou e um presente pode ser conquistado. Revelam a passagem do tempo. Que as coisas acabam e começam. No rito fica marcada uma perda e uma conquista. E nisto estão dois elementos importantes: o primeiro é que na vida sempre estamos mudando, ou melhor, que ganhamos e perdemos simultaneamente. E mais ainda: que não podemos tudo.

O segundo é que os ritos podem funcionar como pontes que favorecem o caminhar de uma margem à outra do rio. As pontes ajudam a enfrentar as passagens com menos sofrimento. Elas ajudam na confecção das memórias de amparo e de cuidado. Trazem um sentimento de pertença e de liberdade para seguir adiante. A antiga expressão “bênção pai” era um rito que autorizava uma ação e ao mesmo tempo invocava uma proteção e presença. Veja: guarda-se uma palavra-ponte (que pode ser um gesto, um olhar, uma fala, ou qualquer outra expressão significativa) que a pessoa levará pelos caminhos da vida. E quando dos conflitos, dos problemas, das dificuldades, estas palavras-pontes, estes gestos familiares e comunitários, estas memórias de pertença e de passagem são recuperadas e trazem tranqüilidade para se pensar e encontrar soluções. As pontes ajudam para que os medos normais da vida e do viver, do ganhar e do perder sejam menos intensos. Ou melhor, que não irão paralisar o pensamento ou a criatividade por um longo tempo.

Quando a vida de uma pessoa não fica suficientemente protegida pelas pontes, algumas confusões começam a surgir. Sem as pontes a vida mental necessita proteger-se com muitos artifícios ou defesas. Tudo fica perigoso ou assustador em excesso. Criam-se mecanismos mentais que chamamos de onipotentes. A vida torna-se mais agressiva e com menos esperança. O sentimento de sem saída aumenta em muito. Por exemplo: por medo ou sensação de não conseguir mudar a vida, uma pessoa começa a usar remédios para dormir ou para depressão. Nada contra os remédios. Muitas vezes são absolutamente necessários. Mas num aspecto eles não são suficientes. Eles não mudam formas de viver e até podem estabilizar o humor. Mas não curam o medo de mudar ou a falta de esperança na palavra e na ação. Não curam a culpa.

Aliás, uma pessoa onipotente não quer mudar. Justamente porque ela acha que existem somente perdas na mudança. Para ela, a vida está correta no sofrimento. E quando uma casa ensina aos seus filhos que remédio (ou o copo de cachaça ou uísque) é melhor companhia do que uma conversa, ela está dizendo que se deve viver alterado quimicamente. E pior: está dizendo que dialogar, pensar soluções e falar a verdade não funcionam. Perde-se a palavra como mediação e o olhar de uma interação. As contingências da vida ficam intoleráveis e tornam-se brutas pela ausência de pontes.

Se estas pontes não foram suficientemente construídas, a onipotência aparece como remendo e trará como alternativa a aspereza, a palavra dura, o sentimento de desesperança. Um verdadeiro coquetel explosivo que encontram no álcool e drogas substitutos perigosos. A partir daí confunde-se o ser homem ou macho com a própria onipotência. O que era para ser conquista, expansão, acaba se tornando violência ou agressão. Um jovem que não enxerga saída mental em sua vida fica sempre estacionado num canto do bar olhando para uma moça. Ao invés de tomar a ação de homem que é a de enfrentar os desafios da sedução e conversar com ela do seu jeito, sente-se incapaz e toma todos os copos. Troca a delicadeza do olhar e da sedução pelos tropeços e arrogância invasiva, imaginando que a moça irá se orgulhar do quanto ele é homem e agüenta dez copos de cerveja. As coisas se invertem: por medo de exercitar a conquista, ou o risco de ganhar ou de perder inerentes ao viver, este jovem confunde o masculino com a onipotência. Passa a acreditar que o químico, e não a palavra com o seu jeito, irá resolver a sua vida. E mais: que a força bruta sem o pensamento é o melhor remédio
para se sentir homem. E destas confusões vive a nossa sociedade. E o pior é que são senso comum.

Os desafios das famílias, escolas e igrejas são grandes e intensos em nossos dias. Mas quero destacar um que considero fundamental: os adultos têm a tarefa intransferível de serem cuidadores. E um dos elementos do cuidar é o de ajudar as crianças a construírem pontes mentais, para que a vida possa ser mais amorosa e prazerosa e que possam, ao longo do tempo, descobrir/aceitar mais facilmente que onipotência não é masculinidade, feminilidade ou grandeza.

 

Atividade

- Qual a diferença entre educar e cuidar de uma criança?
- Como a família lida com os ritos de passagem que as crianças desenvolvem durante o seu crescimento?
- Como a sua casa resolve e dimensiona os problemas? Com palavras verdadeiras ou com aditivos químicos?
- O que seria uma escola ou igreja cuidadora? Pense em sugestões para a sua comunidade.

Sugestão de leitura: WALZ, Julio. Aprendendo a Lidar com os Medos. Editora Sinodal, 107 p., 2004.

Julio Walz, psicólogo clínico. Doutorando em Ciências Médicas - Psiquiatria – UFRGS

Dia Nacional da Diaconia - 10 de abril de 2005
 

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