Ressurreição - 2 Timóteo 2.8

Prédica

02/04/1972

RESSURREIÇÃO

Lembra-te de Jesus Cristo; ressuscitado de entre os mortos.
(2 Timóteo 2.8) 

A fé dos cristãos consiste unicamente na ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos. E na ressurreição de Cristo já teve início nossa própria ressurreição, já foi antecipada, anunciada, garantida. Tudo o que os cristãos antes de nós viveram, experimentaram, creram, amaram e sofreram jorrou dessa única fonte: a ressurreição de Cristo. Toda a vida cristã — e isso significa: toda a ação cristã — é faísca desse um fogo, é reflexo que parte desse um centro: a ressurreição de Cristo. E a vida só é mesmo vida na medida em que crermos na ressurreição. Acreditar, pode-se acreditar em muitas coisas. Coisas que até podem ser bonitas e interessantes. Mas ninguém consegue viver apenas com crenças fascinantes e empolgantes. Nem é preciso ter grande experiência na vida para saber disso. O fato é que, se não crermos a ressurreição, nossa vida será apenas uma existência aparente. A vida sem ressurreição é um nada. É provavelmente essa sensação de vazio que faz com que todos procurem um principio, uma base, um ponto de apoio que permita o surgimento de uma nova esperança. O que todos procuram, hoje em dia, é uma esperança que não seja ilusória, que não se torne mais um equívoco, mais um engano. O que todos procuram é uma esperança legítima, que permita atitudes realistas. A pergunta que resta e que sempre de novo retorna é apenas uma: Será que a humanidade tem o direito de alimentar a esperança de um futuro pacífico e satisfatório, depois de tudo o que fez até agora? Por outro lado, uma fé na ressurreição que não inspirasse tal esperança, seria uma fé triada, inútil. Como é que se sai de tal dilema? Talvez só haja uma saída. E essa é: enfrentar de rijo a outra questão, a questão espinhosa e insistente, da qual inutilmente procuramos escapar: Qual é o significado da ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos? Qual o sentido desse fato esquisito da ressurreição? 

Para inicio de conversa: a verdade e autenticidade da ressurreição não dependem da possibilidade de imaginarmos um acontecimento fora do comum. E ainda por cima acreditarmos nele. 

A ressurreição não é apenas essa maravilha que possibilitará aos piedosos, carolas e espíritos superiores festejarem uma espécie de festa de ex-alunos no além. Se a ressurreição fosse apenas isso, seria, no máximo, uma piada agradável, de bom gosto. Uma anedota de salão. Mas não. A legitimidade da ressurreição revela-se nos efeitos que desencadeia neste mundo e em nossa vida. Vamos por partes. 

A ressurreição de Cristo é a Gloria de Deus para nós. É bem verdade que a glória de Deus nos faz falta. Nós não a vemos. Não a merecemos, de jeito nenhum. Não a conseguimos alcançar, procurar ou encontrar. Todo mundo sabe que nossa vida é tudo, menos gloriosa. Nossa vida é difícil, é fraca, é feia. Mas para nós que não passamos bem e que não somos bons, para nós está destinada a glória de Deus. A glória de Deus nos está destinada, preparada, oferecida e até dada, porque Cristo ressurgiu dentre os mortos. Esta nossa pobre vida, vida sofrida e pecaminosa já está envolta pela glória de Deus. E essa glória envolve inclusive os campos de batalha que se encontram em pleno funcionamento. Ela envolve até a nossa crise - e as prisões, e os hospitais, e os asilos. E todo o resto. 

Mas a ressurreição de Cristo, a glória de Deus para nós ainda é mais. A ressurreição é resposta às nossas perguntas. Perguntas como estas: Onde está Deus neste nosso mundo de enigmas, onde encontramos de tudo - menos Deus? Onde está Deus, em meio a todos os poderes e poderosos? Onde está Deus em minha curta vida, que me oferece tão pouco e que passa tão ligeiro? Onde está Deus, em meio a todos os horrores que acontecem dia após dia? A rigor, nos nem teríamos o direito de fazer tais perguntas. Porque não é Deus quem desapareceu. Nós é que não contamos com ele. Mas Deus não despreza nossas perguntas. Deus não recusa audiência. Deus não tem medo de entrevistas coletivas. A ressurreição é ainda mais do que a vitória sobre a morte física. A ressurreição implica numa aceitação de quem não merece mais nem ser olhado. A ressurreição reanima todos os confusos e atarantados e culpados a recomeçarem tudo de novo. E quem não gostaria de recomeçar da estaca zero, depois de uma falência? Pois então, vejamos. Quem é que foi condenado, crucificado, morto e sepultado na sexta-feira santa? Não só Jesus, mas com ele e em sua pessoa, todos nós. Nós fomos aniquilados naquela cruz. E por isso, na páscoa, com Cristo, em sua pessoa, ressuscitamos todos nós. Depois de tudo arrasado, começou tudo de novo para nós. Tudo. Mas tudo, de maneira inteiramente nova. Considere-se a diferença: tem muita gente por aí, querendo fazer tudo diferente, tudo melhor, tudo bem novinho. O mal deles é que procuram renegar e tapar os males do passado. E quem começa a arrumação com mentiras não vai fazer coisa melhor não. A força da esperança que se funda na ressurreição, reside na verdade. Na verdade a nosso respeito — ou seja: um verdadeiro retrato sem retoque - na verdade a respeito de Deus. Do Deus que faz tudo, aproveitando o material como ele é. Esse material que somos nós. 

Mas que é que Deus exige desse material ressuscitado, renovado, ao qual ele concede a sua glória? Bem, só existe uma coisa que realmente compromete pessoas. Que faz qualquer pessoa engajar-se, dedicar-se, entregar-se de corpo e alma. E essa coisa que consegue mais do que leis, decretos, ameaças e brutalidades, chama-se gratidão. Deus quer que esqueçamos o medo, as preocupações e a fome pelo poder e pelo renome - porque tudo isso já foi crucificado, morto e sepultado. E Deus quer que aceitemos a alegria e a paz que nos foram presenteadas, por ocasião daquela ressurreição. Ele quer, em si, uma coisa muito evidente, clara, sem segundas intenções: que passemos a trilhar o seu caminho porque todos os outros são becos sem saída.

A pequena frase da carta a Timóteo dizia: Lembra-te de Jesus Cristo, ressuscitado dentre os mortos. Lembra-te! Mantém na lembrança, no caderninho de notas, pensa nisso, não esqueças. Existem muitas coisas que podemos e até devemos esquecer, nesta vida. Não é preciso recordar tudo. Um dia virá o momento em que esqueceremos tudo. Mas tratemos de não esquecer duas palavras: Ele ressuscitou! Todos os erros, e equívocos, e maldades, e parcialidades, e medos, e agitações com que nos torturamos e com os quais amarguramos a vida dos outros têm ligação com o fato de não lembrarmos que ele ressuscitou. 

E tu dirás: Mas tudo isso é demais, é difícil demais. Eu não consigo crer nisso. É preciso levar em conta que a fé não se produz nem se comanda. Mas a fé que fundamenta a única esperança válida e honesta neste mundo, é algo que se pode pedir. É preciso considerar que um dia teremos de morrer. Porém, mais do que isso, nós já podemos viver! Nós e todo o mundo. Por isso a humanidade tem o direito de alimentar uma esperança. Deus lhe deu esse direito. Na Páscoa.

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Veja mais - Breno Schumann


Esta prédica também foi publicada em:

Auxílios para a Prática Pastoral - Seleção póstuma de prédicas e meditações do Pastor Breno Schumann. Editora Sinodal, 1974.


Autor(a): Breno Arno Schumann
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste / Paróquia: Juiz de Fora (MG)
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Natureza do Domingo: Páscoa

Testamento: Novo / Livro: Timóteo II / Capitulo: 2 / Versículo Inicial: 8
Título da publicação: Ressurreição - Centro Ecumênico de Informações / Editora: Tempo e Presença Editora Ltda. / Ano: 1973 / Volume: Suplemento Número 4
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 22269
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