O Reino de Deus | João 18.33-37

Domingo Cristo Rei

21/11/2021

 

Amados irmãos, amadas irmãs,

o Reino de Jesus não é construído, mas recebido. Jesus foi preso e estava sendo humilhado pelos soldados romanos. Jesus era “tão perigoso” que acharam necessário amarrá-lo (cf. João 18.12). Em seguida, as autoridades de seu tempo começam um longo interrogatório sobre aquilo que Jesus estava ensinando ao povo. O interrogatório é seguido de torturas e humilhações, pois Jesus foi esbofeteado por um dos guardas (cf. João 18.22). Este seria apenas o início da longa caminhada de Cristo que foi torturado, humilhado e pregado em uma cruz.

Após passar por Caifás – que era o Sumo Sacerdote daquele ano (cf. João 18.13) –, Jesus é levado para o lugar chamado Pretório onde ficava o Governador da Judeia, Pôncio Pilatos. Primeiro, Jesus é interrogado por um religioso; depois, por um político. De um lado estava Caifás, um teólogo; de outro estava Pilatos, um humanista: no meio deles, Jesus Cristo, o Deus-homem1. Pilatos não é um nome qualquer. Mal sabia o próprio Pilatos que seu nome seria notoriamente lembrado na História da Igreja, pois em todos os cultos nós mesmos dizemos “... padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos.” O governador da Judeia tem seu nome mais lembrado que o do próprio apóstolo Paulo ou que de qualquer político de qualquer época.

Mas, quem foi Pôncio Pilatos? Ele governou a Judeia por dez anos, sendo chefe da administração financeira e chefe dos militares. Sua residência oficial se encontrava na Cesareia. Porém, anualmente, por ocasião da festa da Páscoa que gerava muita movimentação de pessoas vindas de todos os lugares, Pilatos mudava-se para Jerusalém. Na história, Pilatos é lembrado como um homem duro, violento e cruel. No ano 36 d. C., Pilatos é denunciado pelos samaritanos por ter mandado crucificar alguns cidadãos nobres daquele povo. Essa denúncia o fez ser demitido e enviado para prestar contas em Roma. É diante deste político que está o próprio Deus-homem Jesus Cristo.

Quando Jesus está diante de Pilatos, os reinos se chocam, mas não se confundem. O longo diálogo de Pilatos com Jesus (a qual lemos apenas um pequeno trecho) demonstra claramente que o Reino de Deus não é “do jeito deste mundo”. As diferenças entre o Reino de Deus e o reino dos seres humanos se tornam claras quando Jesus e Pilatos debatem sobre a verdade. Por trás de tudo isso estava a própria mão de Deus agindo na história para que seu próprio Filho seja entregue na cruz para que, ao morrer, vença a morte.

Para compreendermos claramente as diferenças entre o “reino de Pilatos” e o “Reino de Jesus”, teremos três pontos fundamentais na pregação de hoje:

1    A FUNDAÇÃO DO REINO DE DEUS

Os fundamentos do Reino de Deus não são os mesmos fundamentos dos reinos humanos. Desta forma, o fundamento do Reino de Jesus não é o mesmo fundamento presente no reino de Pilatos. Ambos são completamente diferentes entre si, por mais que hoje haja quem queira unir ambos ao ponto de se confundir um com o outro.

Charles Swindoll, um importante escritor de livros cristãos, diz:

Os reinos da terra são fundados sobre o poder — poderio militar, destreza intelectual, perspicácia política, abundância financeira e vantagem social. O reino do céu é fundado sobre a verdade, e a chegada do Messias em uma solitária noite em Belém foi uma invasão.2

Os reinos da terra não são nada comparados ao Reino de Jesus. Os fundamentos são completamente outros. Jesus não veio à terra ser um libertador político, mas o Salvador da humanidade caída na desgraça do pecado. Enquanto os reinos do mundo são fundados na cobiça por poder e notoriedade, o Reino de Jesus está fundado no próprio Messias que nasceu de maneira pobre em um coxo de animais em um paiol na cidade de Belém. Os reinos do mundo pregam que “o fim justifica os meios” e que vale tudo – inclusive derrubar outros – para assumir o poder. O reino do mundo é dominado por egos inflamados de humanos que acham que são alguma coisa, quando não passam de pó; o reino de Deus, porém, está fundamentado na humildade da pessoa do Filho de Deus que andou com aqueles com quem ninguém andava e escolheu aqueles que nunca eram escolhidos, mas excluídos.

Hernandes Dias Lopes, um pastor presbiteriano brasileiro, diz que a realeza de Cristo é “uma realeza não política, mas espiritual”3. É preciso tomar cuidado! Há muita gente usando o nome de Jesus para fundamentar seu poder político aqui em nosso mundo. Porém, Jesus não fundou nenhum partido político e o próprio mestre disse: “O meu Reino não é deste mundo”. (João 18.36). O Reino de Jesus não é um reino político, mas espiritual, que já foi inaugurado na sua morte de cruz e que durará para todo o sempre. Por isso, Hernandes Dias Lopes diz também:

Mesmo ultrajado e cheio de hematomas, pela crueldade como foi tratado pelo Sinédrio na noite anterior, Jesus é o rei do reis, alguém maior do que César, cujo reino é eterno e cujos limites extrapolam o Império Romano.4

Portanto, o reino de Jesus não é do jeito deste mundo. Jesus não desceu dos céus com anjos vestidos de soldados. Jesus não entrou em Jerusalém em um Rolls-royce, tanque de guerra ou em cima de uma moto, mas montado em um jumentinho, cria de jumenta. Assim, não confundamos os fundamentos dos reinos humanos com os fundamentos do Reino de Deus, principalmente quando os reinos humanos nos iludem falando de Deus.

2    OS VALORES DO REINO DE DEUS

Enquanto o mundo cria seus próprios valores a partir da cobiça e do egoísmo, o reino de Deus propõe novos valores que não brotam do coração do ser humano, mas da própria vida do Senhor Jesus Cristo aqui na terra. Carlos Musskopf, um falecido pastor da IECLB, diz: “O Reino é tudo aquilo que salienta os valores vividos e pregados por Jesus Cristo, em oposição aos valores dominantes”5. Os valores do Reino de Jesus não combinam com os valores do reino do mundo. Ao contrário, os valores do Reino de Jesus, inclusive, confrontam os valores vigentes no mundo. É por isso que mais tarde o apóstolo Paulo irá dizer em Romanos 12.2: “E não vivam conforme os padrões deste mundo, mas deixem que Deus os transforme pela renovação da mente, para que possam experimentar qual é a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.”

Porém, quais são os valores do Reino de Deus? Nós encontramos uma lista deles em Mateus 5.3-10. Faço questão de mencionar um por um:

a) Humildade: “Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos céus.” (Mateus 5.3);
b) Sensibilidade/Humanidade: “Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados.” (Mateus 5.4);
c) Autocontrole: “Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra.” (Mateus 5.5);
d) Verdade: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados.” (Mateus 5.6);
e) Misericórdia: “Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.” (Mateus 5.7);
f) Pureza: “Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus.” (Mateus 5.8);
g) Paz: “Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus.” (Mateus 5.9);
h) Coragem: “Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus.” (Mateus 5.10).

Esses são os valores do Reino de Deus. Musskopf diz: “Nos últimos 4 mil anos, parece que os seres humanos não mudaram muito. Continua a haver pessoas vaidosas e humildes; ambiciosas e conformadas; inescrupulosas e com escrúpulos; egoístas e solidárias”6. Parece que avançamos muito em vários pontos, principalmente em ciência e tecnologia; porém, parece que avançamos pouco em humanidade e nos valores do Reino de Deus. Já pisamos na lua, mas ainda não aprendemos a amar como Jesus amou!

Contudo, a proposta de Jesus permanece de pé. Logo após a Ascensão de Jesus, as primeiras comunidades cristãs estavam completamente fundamentadas nos valores do Reino de Deus. Basta lermos Atos 2.42-47 para compreendermos isso. “O Reino do qual Jesus é Rei organiza-se na comunidade que vive nesse mundo, mas não é desse mundo”7, diz Musskopf. A Igreja Cristã é o próprio Corpo de Cristo. Por isso, não há como viver os valores do Reino de Deus senão na comunidade cristã que é a reunião dos que creem.

Assim, é dever da comunidade cristã conhecer os valores do Reino de Deus e – a partir destes valores – ler e questionar os valores presentes no mundo. O teólogo alemão Wolfhart Pannenberg diz:

A noção do Reino de Deus futuro e presente torna provisórias todas as formas e conceitos humanos. Não menos válidos e importantes, pois frutos da busca humana por tornar o mundo melhor, mas sempre abertos para serem questionados e transformados.8

Assim sendo, os valores provisórios do mundo presente são a todo tempo questionados pelos valores eternos do próprio Reino de Deus.

3    O SENHOR DO REINO DE DEUS

Martin Volkmann, teólogo e pastor da IECLB, diz: “Jesus é o Deus encarnado (1.14). Nele, o Reino de Deus irrompe na realidade humana. Por isso o seu reino não é deste mundo; é o reino de Deus”9. Assim, não é possível falar do Reino de Deus sem o seu Rei: Jesus Cristo crucificado e ressuscitado.

Entretanto, Jesus não é Rei conforme os fundamentos e os valores deste mundo. A realeza e o senhorio de Cristo não são políticos, mas espirituais. Diferente das autoridades deste mundo, a autoridade de Jesus não lhe é confiada pelos seus seguidores, mas pelo próprio Deus. Além disso, enquanto as autoridades deste mundo passam, a autoridade de Jesus permanece para sempre, pois sua autoridade subjugou a própria morte e foi instituída pelo próprio Deus. O ser humano pode procurar nublar o senhorio de Jesus de muitas formas. Todavia, seu senhorio permanecerá para sempre como um sol radiante que ilumina a humanidade, produz a vida e doa o calor.

O teólogo e missionário Claus Schwambach traz um bom resumo sobre o reinado de Jesus. Ele diz:

a) Ele nasceu para ser Rei – esse é o propósito de sua encarnação; b) Ele veio ao mundo para ser Rei – esse dado pressupõe que, antes de vir ao mundo, ele existia eternamente; c) Ele veio para testemunhar a verdade – seu Reino não é um reino de poder terreno e nem de ambições de poder político, mas um Reino da verdade; d) Ele possui súditos, isto é, um povo, aqueles que ouvem a sua voz e são da verdade.10

Aqui é preciso tomar cuidado. Apenas Jesus é o Messias e somente Cristo é o Ungido de Deus. Nenhum outro ser humano pode ser chamado de Ungido de Deus senão Jesus. Todo aquele que se coloca como Ungido de Deus está se colocando no lugar de Cristo e é, portanto, o próprio anticristo. Jesus é o Rei dos reis e o Senhor dos Senhores. Nós somos o seu povo – judeus ou gentios – por sabermos e vivermos da verdade. Jesus é Rei, mas não da mesma forma que Pilatos ou qualquer outra autoridade do passado ou do presente.

Jesus é Rei e Senhor. Seu trono não foi um palácio cheio de pompa e luxo, mas a rude cruz; em sua cabeça não foi colocada uma coroa de ouro, mas de espinhos; embora tivesse criado todas as coisas, o Rei Jesus pede na cruz: “Tenho sede”. (João 19.28). Ele criou a água, mas tem sede! Esse é o nosso Rei.

Amados irmãos, amadas irmãs,

o Reino de Jesus não é construído, mas recebido. O Reino de Deus não é obra humana, mas dado pela graça de Deus. Por trás do julgamento de Jesus estava a própria mão de Deus agindo na história para que ele viesse a morrer na cruz e ser o nosso Salvador.
Tenhamos consciência do Reino de Deus entre nós e de que os fundamentos e os valores do Reino de Deus não são os mesmos fundamentos e valores do reino deste mundo. Da mesma forma, seu Rei não é outro senão Jesus.

A regra do Reino de Deus é ser ao contrário:

  • o reino do mundo é para os fortes; o Reino de Deus é para os fracos;
  • o reino do mundo é para os orgulhosos; o Reino de Deus é para os humildes;
  • o reino do mundo é para os que tem sucesso; o Reino de Deus é para os fracassados;
  • o reino do mundo é político; o Reino de Deus é espiritual;
  • o reino do mundo é excludente; o Reino de Deus é inclusivo;
  • o reino do mundo é para os que merecem; o Reino de Deus é para os imerecidos;
  • o reino do mundo é para os grandes; o Reino de Deus é para os pequenos;
  • o reino do mundo é para benefício próprio; o Reino de Deus é para o próximo;
  • o reino do mundo é fechado em si; o Reino de Deus é missionário;
  • o reino do mundo derruba para construir; o Reino de Deus planta para colher;
  • o reino do mundo edifica para se exibir; o Reino de Deus derruba para humilhar;
  • o reino do mundo vive para agradar; o Reino de Deus vive arrependimento;

 

E assim, recebamos gratuitamente o Reino de Deus e vivamos já aguardando o dia em que o viveremos plenamente na glória dos céus. Afinal de contas, “Jesus Cristo é Rei e Senhor, seu é o Reino e o louvor. É Senhor potente hoje e eternamente”11.

E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os nossos corações e as nossas mentes em Cristo Jesus, amém.


DOMINGO CRISTO REI | DOURADO | TEMPO COMUM | ANO B

21 de Novembro de 2021


P. William Felipe Zacarias


1 Cf. frase proferida pelo Missionário Prof. Dr. Werner Wiese em uma pregação no Devocional da Faculdade Luterana de Teologia – FLT – no dia 01 de Abril de 2015. Pregação em áudio disponível para ser ouvida em: <https://drive.google.com/file/d/1pOxUoy2Nld2Jpfs_JtiugPgnqeXrffKY/view?usp =sharing>. Acesso em: 19. nov. 2021.

2 SWINDOLL, Charles. Comentário bíblico Swindoll: João. São Paulo: Hagnos, 2017. Locais do Kindle: 6747-6748.

3 DIAS LOPES, Hernandes. João: as glórias do Filho de Deus. São Paulo: Hagnos, 2015. p. 464.

4 DIAS LOPES, 2015. p. 465.

5 MUSSKOPF, Carlos. “Último Domingo do Ano Eclesiástico (Cristo Rei)”. in: STRECK, Edson Edílio; KILPP, Nelson (Coords.). Proclamar Libertação. Auxílios homiléticos. v. 19. São Leopoldo: Sinodal: 1993, p. 300.

6 MUSSKOPF. 1993. p. 300.

7 MUSKKOPF, 1993. p. 300.

8 PANNENBERG, Wolfhart. Teologia y Reino de Dios. Salamanca: Sígueme, 1974. apud: MUSSKOPF, 1993. p. 301.

9 VOLKMANN, Martin. “Domingo Cristo Rei”. in: HOEFELMANN, Verner. Proclamar Libertação. Auxílios para o anúncio do evangelho. v. 45. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2020. p. 347.

10 SCHWAMBACH, Claus. “Quem é, afinal, Jesus? O interrogatório de Pilatos”. in: WIESE, Werner (ed.). Caminho e Testemunho: João 12-21. v. XIV, n. 2. São Bento do Sul: União Cristã, 2017. p. 67.

11 LÖRCHER, Richard. “Jesus Cristo é Rei e Senhor.” in: IECLB. Hinos do Povo de Deus. São Leopoldo: Sinodal, 1984. Hino nº 95


Autor(a): P. William Felipe Zacarias
Âmbito: IECLB / Sinodo: Rio dos Sinos / Paróquia: Sapiranga - Ferrabraz
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Testamento: Novo / Livro: João / Capitulo: 18 / Versículo Inicial: 33 / Versículo Final: 37
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 65248
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