Qual caminho leva ao céu?

18/07/2003

Qual caminho leva ao céu?
 

P. João Carlos Müller *

Sê fiel até a morte e dar-te-ei a coroa da vida (Ap 2.10).

Há alguns dias fui ao Rio. Levantei cedo, tomei o ônibus e bem antes do sol nascer já tinha descido a serra. O fluxo estava tranqüilo - pouco trânsito! - de sorte que às 7:30 hs já estava descendo no Castelo, bem no centro da cidade. Procurei um lugar para comer algo e ali, enquanto saboreava um gostoso café e um salgado, presenciei o despertar de um mendigo na praça.

Ele estava junto com outros. Havia vários carrinhos de supermercado, cheios de trouxas. Assim que ele levantou, os dois cães - que haviam dormido no carrinho - vieram ao seu encontro! Foi algo emocionante! Beijos, carinhos, lambidas, palavras... durante três minutos, homem e cães saudaram-se numa profusão de afagos!

Enquanto os cobertores eram dobrados e guardados pelo mendigo no carrinho, veio-me à mente a passagem do Apocalipse: Sê fiel até a morte e dar-te-ei a coroa da vida. Havia lido esta passagem em um grupo de estudo e ela ficara martelando em minha mente. Como pastor, expliquei o texto a partir da época em que fora escrita - a perseguição aos primeiros cristãos encetada pelo Imperador Romano e a resistência deles, ainda que tivessem que pagar com a vida! Outros falaram que ser fiel significa sempre escutar a Palavra de Deus, orar sem cessar, não desejar o mal...!! Será que é só isso? Que tipo de fidelidade nos levará ao encontro do Senhor?

Confesso que a pergunta é difícil! Como falar em fidelidade se todos os vínculos se desfazem, dia após dia? Vivemos relações fragilizadas, interesseiras, de momento. A vida está centrada em nós e perdemos a percepção da pessoa que está ao nosso lado. Em nossas comunidades cada vez mais pessoas vêm em busca de algo diferente e, assim como elas vêm, elas também vão. Tudo que é sólido desmancha no ar!, já dizia um filósofo. Nem a política, a economia, a igreja, a escola, a família escapam disso. São os tempos globalizados, modernos, dizem uns! Outros dizem: é a evolução!

Independente do nome do tempo em que vivemos, a verdade é que tornamo-nos escravos da liberdade - liberdade que todos diziam ser a tábua de salvação para os nossos problemas! Liberdade de vender, consumir, gostar, ouvir, amar, sentir prazer, crer, pensar, educar, fazer guerra...! Sim, somos livres para tudo e não sabemos para onde vamos e nem para onde queremos ir. Estamos perplexos como o salmista: Ora, destruídos os fundamentos, que poderá fazer o justo? (Sl 11.3)

Enquanto meditava nestas coisas e tomava mais um gole de café, voltou-me novamente à mente a cena do mendigo despertando. Eis aí, pensei, uma imagem bonita! Um momento de entrega, um sentimento de ser alguém, de não sentir-se rejeitado. Certamente o mendigo estava com fome, ansioso por um café quente, um banho, uma escova. Certamente havia sentido no dia anterior todo o desprezo daqueles a quem pedira um prato de comida. Ainda assim, não negou seu amor e seu carinho aos únicos que, em nenhum momento, lhe negaram fidelidade: os dois cães!

De certa forma, todos nós nos sentimos, em muitos momentos, como mendigos! Talvez não estejamos mendigando um prato de comida e nem uma peça de roupa, mas sim, um pouco de carinho, de fidelidade, de atenção, de orientação. Talvez estejamos em busca de alguém que, em meio a esta multidão, não nos abandone mais tarde! Ah, se os homens pudessem, pelo menos em alguns momentos do dia, serem como este mendigo com seus cães! Dizer um bom-dia sincero, sorrir sem falsidade para o vizinho, importar-se com alguém...serem honestos consigo mesmos! Até porque tudo passa na vida e nada levamos dela senão nossas relações de amor e fidelidade, porque o amor jamais acaba.

Dei uma última olhada para a rua e lá ao longe ainda pude ver o mendigo. Um dos cães havia se acomodado sobre os cobertores, dentro do carrinho. O outro caminhava ao lado. A cada momento um transeunte era interpelado, mas ninguém parava.

Olhei para o relógio, que marcava 8:30hs. Puxa, como passou o tempo! Estava totalmente atrasado para o meu compromisso! Rapidamente arrumei minhas coisas, paguei a conta, saí para a rua, mas aí detive-me ainda um último momento: será que este mendigo com seus cães receberá a coroa da vida? Antes que pudesse refletir sobre a pergunta, levei um esbarrão e saí rua afora, pensando nas coisas que tinha por fazer durante o dia.


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* João Carlos Müller
é pastor na Comunidade de Petrópolis
 


Autor(a): João Carlos Müller
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste
Testamento: Novo / Livro: Apocalipse / Capitulo: 2 / Versículo Inicial: 10
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Meditação
ID: 21628
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