Prédica para Quinta Feira da Paixão Jo 13. 1-8, 12-17

João 13 autoria P; Me. Alexander Busch

06/04/2023

Estimada comunidade,
A ocasião era a celebração da Páscoa Judaica. Conforme o livro de êxodo, o povo Judeu celebrava a páscoa para relembrar, perpetuar e comemorar o gesto de Deus. Pois num gesto incomum, um gesto de trangressão do curso normal da história, Deus ouviu o clamor de um grupo de escravos e de escravas no Egito. Deus ouviu o seu clamor e atendeu ao seu pedido de socorro. Conduzindo da terra da escravidão para a terra da liberdade, Deus restaurou a sorte deste povo, dando-lhes uma nova identidade. A Páscoa Judaica comemorava a libertação da escravidão no Egito, e conseqüentemente, o nascimento de um povo.
Jesus e seus discípulos, como bons Judeus, se reuniram para comemorar a páscoa. Naquela noite, entretanto, Jesus, como Deus na história da páscoa Judaica, também realizou um gesto incomum, um gesto que transgredia o curso normal da história. Levantando-se, Jesus pegou uma toalha e amarrou na cintura. Encheu de água uma bacia, se ajoelhou diante dos discípulos e começou a lhes lavar os pés.
Na época de Jesus, o lava-pés era uma cortesia aos hóspedes de uma casa. Era um ritual importante anterior à refeição. Não era somente importante porque os pés ficavam sujos de andar em estradas de chão. O ritual também tinha um significado simbólico de purificar as pessoas e prepará-las para compartilhar o alimento. Normalmente esta tarefa estava reservada ao escravo da casa. Mas não. Era Jesus, mestre e Senhor, quem tomou a iniciativa de lavar os pés dos participantes desta festa. Para os discípulos de Jesus, foi um choque ver o seu mestre se ajoelhar e realizar a tarefa de um escravo doméstico. Para eles, foi um gesto incomum, um ato subversivo, um gesto de transgressão dos costumes daquele tempo e local.
Ao ajoelhar-se diante de Pedro, Pedro relutou em ter seus pés lavados por Jesus. Pedro tentou impedir Jesus. Jesus, porém, lhe respondeu, “agora você não entende o que estou fazendo, porém mais tarde vai entender. Se eu não te lavar, você não será meu discípulo!”. Em outras palavras, o gesto de Jesus, o lava-pés era um sinal que apontava para outro gesto de Jesus, um gesto que iria transgredir de modo maior as expectativas de seus discípulos. Pois, após esta celebração de páscoa, Jesus foi preso, humilhado, espancado, e condenado a morrer na cruz.
As seguidoras e seguidores de Jesus não esperavam que seu mestre fosse terminar desta maneira, pregado na cruz. Para nós, que estamos do outro lado da história, é difícil imaginar a frustração e decepção das pessoas que seguiam Jesus, tendo de lidar com sua morte da cruz. A cruz era um instrumento de tortura comum usado pelo império romano para sufocar qualquer movimento popular. O império romano não tolerava líderes entre o povo que questionavam o império e sua ideologia. Jesus, com sua mensagem do Reino de Deus, com seus gestos de acolhida entre as pessoas mais vulneráveis, muitas delas vítimas do sistema econômico imperial, incomodava. Incomodava a tal ponto de ser pregado na cruz. Assim como muitas outras pessoas que também foram pregadas e mortas na cruz pelo exército romano, Jesus, com pregos rasgando-lhe a carne, foi crucificado.
A grande novidade, entretanto, é que nas mãos de Deus a cruz se torna instrumento de salvação. Transgredindo as expectativas humanas, a cruz – antes objeto de tortura e morte – se transforma em fonte de perdão e reconciliação. Na cruz Deus transgride o curso normal da história, ao expressar solidariedade para com o sofrimento neste mundo. Na cruz, Deus transgride o curso normal da história, ao se colocar ao lado das vítimas de injustiça. Na cruz Deus transgride o curso normal da história, ao se identificar com as pessoas pecadoras. Na cruz Deus transgride o curso normal da história, ao reafirmar seu compromisso e serviço em favor das pessoas e do mundo.
Assim é a história Deus na bíblia. Deus indo além das expectativas humanas. Transgredindo o curso normal deste mundo onde os poderosos tem vez. Oferecendo uma nova proposta e convite para que as pessoas participem na construção de um novo tempo e um novo mundo . . . um novo tempo e lugar, onde a pessoa que trabalha exerce seu trabalho com compromisso ético, sem se deixar levar pela corrupção e pela desonestidade. Um novo tempo e lugar, onde um sorriso e gesto de perdão predominam sobre o rancor. Um novo tempo e lugar, onde a pessoa sem esperança vê uma luz no final do tunel. Um novo tempo e lugar, onde uma pessoa, independente de sua origem, posição social, ou religião, é acolhida na comunidade cristã com respeito e consideração. Um novo tempo e lugar, onde a solidariedade se faz presente em meio ao sofrimento sem explicação, fruto da loucura humana. Estes e tantos outros exemplos nós podemos mencionar.
Para concluir esta reflexão, entretanto, quero compartilhar uma história real, contada por um colega (Cláudio Carvalhães), brasileiro, hoje professor numa Faculdade de Teologia em Chicago, EUA. É uma história que acontece noutra parte do mundo, tempo e lugar, mas que exemplifica gestos fora do comum, gestos que transgridem o curso normal da história.
Eis que um jovem Norte-americano em visita ao México para aprender Espanhol decide tomar um lanche num restaurante local. Enquanto aguardava a chegada do seu pedido, abriu seu livro de gramática para estudar. Uma menina, talvez com nove anos de idade, se aproximou oferencendo-lhe balas para comprar. “Não, obrigado, mas posso lhe oferecer algo do restaurante?”, perguntou o jovem estudante. “Sim, refrigerante”, respondeu a menina.
Após a menina partir, cerca de dez minutos mais tarde outra criança vendendo balas apareceu e a mesma conversa se desenrolou. Eventualmente o jovem americano estava rodeado por três meninos e quatro meninas, que ajudavam na renda familiar vendendo balas nas ruas da cidade de México.
O dono do restaurante, nervoso, queria mandar as crianças embora. Mas o jovem estudante lhe tranquilizou, dizendo que elas estavam com ele e que o dono não precisava se preocupar. Melhor ainda, o jovem comprou para cada uma das crianças um lanche.
Era um banquete que se abria diante dos olhos e estômagos famintos daquelas crianças. Comiam depressa. Mas uma delas pegou metade de seu lanche e tentou guardá-lo no bolso. “Porque colocas comida no teu bolso?” perguntou o estudante. “Para minha mama e meu irmanito”, respondeu a inocente criança.
O estudante disse que isto não era necessário. Solicitou que o garçom trouxesse mais alguns lanches; desta vez, embrulhados para viagem. Para finalizar oraram juntos “o Pai nosso”. Naquele dia, algo fora do comum havia acontecido. Um estrangeiro e um grupo crianças famintas, num gesto que transgride o curso normal da história, compartilharam alimento, sorrisos, palavras, compartilharam uma oração de petição e gratidão. Era Deus se fazendo presente neste mundo, transgredindo o curso normal da história. Amém.
 


Autor(a): P. Me. Alexander Busch
Âmbito: IECLB / Sinodo: Rio Paraná / Paróquia: Maripá (PR)
Testamento: Novo / Livro: João / Capitulo: 13 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 17
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 70652
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