Prezada comunidade!
Será que houve um engano na escolha deste texto para o domingo de hoje? Geralmente a história da crucificação de Jesus é tema reservado para o tempo da Quaresma. Não, hoje não é a sexta-feira santa. Nós estamos celebrando o último domingo do calendário da igreja. Na próxima semana inicia o tempo de Advento e com ele o início de um novo ano litúrgico. O ano da igreja não coincide com o ano do calendário civil que termina no dia 31 de dezembro e inicia no dia 1º de janeiro. O ano da igreja começa com o Advento para então comemorar as principais estações da vida de Jesus: no natal o seu nascimento, na quaresma a sua paixão e sofrimento, seguido pela páscoa, a festa da ressurreição. Depois de Pentecostes vem o tempo comum, quando usamos os paramentos de cor verde, que nos lembra a planta que cresce e que aponta para nosso crescimento enraizados em Cristo Jesus. Por fim, no último domingo do calendário da igreja, celebramos a tradicional festa do Cristo Rei.
E na festa do Cristo Rei os textos bíblicos nos falam da esperança desde tempos antigos de que Deus reina e como Rei Deus irá julgar as injustiças humanas e remover o sofrimento causado pelo pecado. O profeta Jeremias, por exemplo, faz uma dura crítica às autoridades que dispersam o rebanho de Deus, e oprimem o povo com injustiças e corrupção. Inspirado pelo Espírito de Deus, o profeta fala de um descendente de Davi, um rei de quem as pessoas vão dizer, “SENHOR, nossa salvação”. Ou como se diz noutra tradução no português, “SENHOR, justiça nossa”.
E se alguém pensa que é somente no AT que religião e política se misturam, o NT vem justamente anunciar o cumprimento desta promessa na pessoa de Jesus. Ele é o Cristo, o Messias, o Salvador que reina com uma nova justiça. E um dos textos bíblicos que revelam Jesus como Rei é o texto de sua crucificação que ouvimos hoje. É loucura. Sim, o apóstolo Paulo já afirmava que a cruz é loucura para o entendimento humano, mas é poder de Deus para a salvação. Por mais paradoxal, por mais contrário à razão humana, é na cruz, em fraqueza e sofrimento, que Jesus se revela como o Cristo Rei.
Mas antes de prosseguir com o texto, vamos nos perguntar o que é um ‘rei’? Qual a imagem que vem à mente quando nós pensamos na palavra ‘rei’? Certamente já ouvimos estórias de contos de fada de belas princesas aprisionadas e príncipes corajosos que após derrotarem o inimigo, se casam e vivem felizes para sempre, rei e rainha governando seu povo. Também é possível visitar castelos e palácios de reis e rainhas da vida real e se encantar com a beleza e luxo destes lugares. Inclusive no Brasil, na cidade de Petrópolis no Rio de Janeiro, existe a magnífica casa imperial de Dom Pedro II, aberto à visitação.
No entanto, para quem conhece história, seja a história no Brasil ou a história noutras partes do mundo, sabemos que as pessoas lutaram para derrubar a monarquia e instituir outras formas de governo. Em muitas épocas e lugares reis não eram populares, pelo contrário, eram encarados com desconfiança e receio. Portanto, quando nós, cristãos, celebramos Jesus como Rei que tipo de rei nós estamos festejando e anunciando?
Na leitura do evangelho, Jesus é submetido a uma morte cruel e vergonhosamente colocado na cruz. Pilatos, a autoridade romana maior daquele dia e local, manda colocar uma placa na cruz, “Este é o Rei dos Judeus”, como que para zombar de Jesus e de seu povo. O povo em silêncio observa a cruz, enquanto as autoridades judaicas caçoam e ofendem Jesus, “Ele salvou os outros. Que salve a si mesmo, se é, de fato, o Messias que Deus escolheu!”. Os soldados igualmente dizem, “Se você é o rei dos judeus, salve a você mesmo!”. Até mesmo um dos criminosos crucificado juntamente com Jesus, zomba de Jesus dizendo, “Você não é o Messias? Então salve a você mesmo e a nós também!”.
Nessas circunstâncias, Jesus está sendo tentado a usar seu poder para sair da cruz e mostrar ao mundo que de fato ele é o Cristo, o salvador prometido por Deus. Assim como ele foi tentado pelo diabo no deserto para usar seu poder para benefício próprio, na cruz Jesus é tentado a fugir do sofrimento, a correr longe da zombaria, a abandonar o propósito de Deus para sua vida. A cruz, como lugar de tentação para Jesus é lugar de trevas e escuridão, de sofrimento e fraqueza.
Mas há uma pessoa que consegue enxergar através da escuridão daquele momento. Ele não zomba tampouco insulta Jesus. Ele inclusive repreende ao outro criminoso, ‘Você não teme a Deus? Você está debaixo da mesma condenação que ele recebeu”. E então, numa breve confissão de sua própria culpa - “nós estamos recebendo o castigo que nós merecemos por causa das coisas que fizemos; mas ele não fez nada de mau” – nesta breve confissão, o outro criminoso reconhece a inocência de Jesus e pede para que este se lembre dele quando o reino de Deus vier, “Jesus, lembre-se de mim quando o senhor vier como Rei!” (v 42).
Diferente dos líderes religiosos, diferente dos soldados, e do outro criminoso, este homem enxerga a cruz com outra perspectiva, com um novo olhar. As outras pessoas enxergam na cruz um homem culpado; ele enxerga um homem fiel. As outras pessoas enxergam na cruz a derrota; ele enxerga a vitória. As outras pessoas enxergam na cruz o fim; ele enxerga o começo, “Jesus, lembre-se de mim quando o senhor vier como Rei!”.
A resposta de Jesus é reveladora e impressionante, “Eu afirmo a você que isto é verdade: hoje você estará comigo no paraíso” (v 43). Da cruz e diante de sua própria morte Jesus tem a liberdade e ousadia de prometer ao homem crucificado ao seu lado a vida e salvação que vem de Deus, “Hoje você estará comigo no Paraíso”. A promessa de Jesus nos faz lembrar do Paraíso, também chamado Jardim do Éden, que encontramos no livro de Gênesis. Ou seja, Jesus é a porta do Paraíso que antes estava fechada. Quando Adão e Eva foram expulsos do Paraíso, a porta foi fechada para que ninguém chegasse perto da árvore da vida. Jesus, entretanto, é a porta aberta que conduz as pessoas de volta para Deus, que dá acesso à vida verdadeira, à vida que permanece.
“Hoje você estará comigo no paraíso”. Importa aqui esclarecer muito bem o que Jesus quer nos dizer com esta promessa. Porque muitas vezes, por causa do comodismo humano, por causa da indiferença e preguiça das pessoas, esta promessa de Jesus se torna uma desculpa para dizer, “vou viver a minha vida do jeito que eu quero e por fim vou pedir para Jesus me acolher que nem ele acolheu aquele criminoso na cruz”. Muitas vezes, nossa tendência como ser humano é corromper e deturpar a palavra de Jesus para nossa própria conveniência.
Entretanto, o centro desta promessa não é o ser humano. O centro desta promessa é o próprio Jesus que na cruz anuncia o seu poder e a sua liberdade para decidir o destino das pessoas e o destino do mundo. Na cruz Jesus revela quem ele é, o Rei soberano. O poder do império romano ou de qualquer outro império, o poder das autoridades judaicas ou de qualquer outra autoridade e o poder da morte não se igualam ao poder de Jesus. Ele é Rei, livre para decidir, poderoso para pronunciar seu julgamento. Portanto, que ninguém menospreze ou faça pouco caso do Rei Jesus.
Pelo contrário, na cruz Jesus nos chama para confiar em seu julgamento. Se por um lado, a cruz de Jesus denuncia o pecado humano, as injustiças e corrupção que existem neste mundo, por outro lado é na cruz que Jesus oferece a reconciliação, “Pai, perdoa esta gente! Eles não sabem o que estão fazendo” (v 34). O perdão de Jesus tem como fundamento o seu poder em favor da vida. Diferente dos reinos e governos que exploram o povo, cobrando impostos e desviando recursos para enriquecer o próprio bolso, Jesus compartilha as mais ricas bênçãos de Deus. Diferente dos reinos e governos que fazem uso de força militar e econômica para construir muros ou eliminar os concorrentes, Jesus usa o poder do amor para servir e aproximar as pessoas. Ao invés da violência da espada e da bala, Jesus oferece a paz que se coloca ao lado das pessoas oprimidas, das pessoas que sofrem com o peso do seu próprio pecado, ou que sofrem com as injustiças que outras pessoas cometem. Como Rei, traz um novo sentido para o poder. E o reinado de Jesus é o critério que julga todos os reinos e governos deste mundo. Os poderes deste mundo estão sob o poder de Jesus e não o contrário. Jesus é rei, livre e poderoso que não vem para servir a si mesmo, mas para nos conduzir ao Reino de Deus, um reino da reconciliação, de justiça, um reino de valorização do próximo, de solidariedade para com as pessoas que sofrem.
Um reino que não é deste mundo porque é de uma qualidade diferente dos reinos deste mundo. Um reino que não é deste mundo, mas que se faz presente neste mundo. Queira Jesus, nosso rei, fortalecer nossa fé e orientar nosso testemunho. Que a Palavra de Jesus reine em nós e que, pelo seu poder, nossas ações e palavras sejam sinal de paz e de graça neste mundo que ainda é de Deus. Amém.
Texto de apoio: Jeremias 23.1-6
Hino depois da prédica: HPD1 165 Há sinais de paz e de graça neste mundo que ainda é de Deus
Obs.: a introdução é baseada na prédica de P. Dr. Gottfried Brakemeier disponível em
http://www.theologie.uzh.ch/predigten/predigt.php?id=2549&kennung=20101121pt