Gálatas 6.2: Levai as cargas uns dos outros e, assim, cumprireis a lei de Cristo.
Irmãos e irmãs em Cristo!
Há poucos dias, alguém ligou por engano para o escritório do Sínodo, pensando se tratar da secretaria de uma das comunidades locais, e perguntou como poderia deixar de receber o boleto de contribuições, já que os tempos estão difíceis e, na hora de cortar gastos, 'a gente precisa eliminar o que não é essencial e urgente'.
Bem diferente pensavam nossos antepassados, quando enfrentaram todo tipo de dificuldades, porém, não mediram esforços e sacrifícios para construir o seu templo, ter um pastor, uma pastora, e fazer funcionar os serviços da comunidade. E olha que muitos vieram com uma mão na frente e a outra atrás. A vida deles não era fácil. No entanto, consideravam a comunidade essencial, fundamental para a sua sobrevivência, um espaço para vivenciar a fé, um porto seguro, um espaço para compartilhamento e prática de solidariedade. Ali, de fato, levavam a cargas uns dos outros.
O que mudou? O mundo mudou. A cabeça das pessoas mudou. Neste tempo de Globalização, de Pós-Modernismo, de Neoliberalismo, como nossa época costuma ser descrita, nós vivemos uma grande crise de valores, que atinge cada um de nós individualmente, mas que também afeta profundamente a comunhão familiar e a vivência em comunidade. Parece cada vez mais difícil e estranho ser solidário, viver em comunidade, carregar os fardos uns dos outros, conforme o mandamento de Jesus.
Contínua e agressivamente, nós somos bombardeados pela propaganda que tenta nos convencer, e muitas vezes convence, a consumir e comprar cada vez mais e com maior intensidade, transformando-nos em pessoas insaciáveis, individualistas e egoístas, dependentes e endividadas. Nossa sociedade é caracterizada como:
HEDONISTA: Hedonismo = Dedicação ao prazer como estilo de vida, prazer como bem supremo, finalidade e fundamento da vida moral - um happy hour contínuo.
CONSUMISTA: Somos tentados a comprar sempre o último lançamento, o modelo mais completo e atual (celular, TV, automóvel) - na verdade, o que muda é somente a casca. O miolo sempre é o mesmo.
RELATIVISTA: Cada um de nós é o juiz daquilo que é e daquilo que não é, Nada mais é absoluto, inclusive a fé e a religião. A verdade é subjetiva (a minha verdade) (cada um na sua).
CÉTICA: Não se tem nenhuma certeza da verdade. Descrença e incredulidade.
EFÊMERO: É o que dura um dia, que é passageiro, temporário, transitório.
Vive-se de impressões, de impactos sensoriais ou emocionais (muitos não se satisfazem mais com o Culto da Palavra - querem sentir fortes emoções, se possível, sem precisar pensar, mas poder esquecer os problemas do dia-a-dia, sentir-se no paraíso, sem precisar se preocupar com trabalho e com problemas familiares, um lugar onde os frangos já caem assados do céu. A Pós-Modernidade é definida por muitos como a época das incertezas, da fragmentação, das desconstruções, da troca de valores. A notícia que mais vende, e por isso priorizada, é aquela que dá destaque à violência, ao crime hediondo, ao desastre, à corrupção. Há uma verdadeira ditadura da Mídia - o assim chamado Quarto Poder. Valores éticos e religiosos são jogados no lixo. Essa história de passar o país a limpo é o que a Mídia menos quer. Ela trabalha para os problemas perdurarem infinitamente, ter um fato novo a cada dia, para que possa vender e lucrar cada vez mais. A miséria, a exclusão, a opressão e a exploração continuam. A pirâmide social, a diferença entre ricos cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres tende a achatar cada vez mais.
O que a nossa Comunidade tem a ver com isso? Ou melhor, como a nossa Comunidade pode fazer frente a tudo isso no sentido de fazer a diferença, de ser uma voz profética e transformadora, de ser sal da terra e luz do mundo? (Mateus 5.13-16).
Com isto, retornamos ao tema de levarmos as cargas uns dos outros!
Se todos os que vieram antes de nós enfrentaram suas próprias dificuldades e os sacrifícios de sua época e, mesmo assim, conseguiram levantar o patrimônio e manter os serviços da Comunidade, por que nós não teríamos condições de levar esta obra adiante, independente e apesar das dificuldades e incertezas de nossa época? Qual foi o segredo do sucesso, qual foi a fórmula mágica aplicada por aqueles que vieram antes de nós conseguindo edificar a Comunidade? Eu respondo dizendo que foi exatamente o cumprimento do mandamento de Jesus Cristo, que lhes deu forças e condições para tanto: O amor ao próximo como resultado do amor de Deus, a solidariedade, a disposição de carregar os fardos uns dos outros como expressão da fé. Esta é a diferença. Embora fossem outros, os problemas, as crises, a falta de dinheiro, as dificuldades também existiram antes de nós. Mas existia algo que era maior do que todas as dificuldades: A GRATIDÃO A DEUS! O reconhecimento de que tudo o que nós somos e temos vem do profundo e infinito amor que Deus nos presenteia por meio de Jesus Cristo. Isso faz de nós pessoas profundamente agradecidas e confiantes. Saber-se amparado e carregado pelo amor de Deus, sobretudo nas situações mais difíceis e incertas da vida, faz com que tenhamos um comportamento diferente do que é comum neste mundo repleto de um individualismo egoísta.
Se nós nos sentimos amados e amparados por Deus, DISPOMO-NOS A AMAR TAMBÉM UNS AOS OUTROS: amamos, porque Deus nos amou primeiro (I João 4.19). Só tem condições de viver uma vida compartilhada e solidária, uma vida em comunhão, uma vivência em comunidade, quem crê e confia no profundo amor de Deus, quem vive em estreita comunhão com Cristo. A gratidão é reflexo disso. Só assim sentimo-nos livres para contribuir e ajudar na manutenção de nossa Comunidade e, através da Comunidade, socorrer as pessoas em dificuldades (Diaconia), ou seja, a carregar os fardos uns dos outros. É justamente isto que a Sociedade Pós Moderna tenta relativizar. (Para que depender de Deus, para que manter uma comunidade, para que ajudar os outros?)
Para manter viva a nossa fé e o espírito comunitário de solidariedade é preciso alimentá-los continuamente através da Palavra de Deus. É entender a Comunidade como uma obra do amor de Deus. Comunidade é o encontro e a convivência de pessoas dispostas a viverem solidariamente a partir da fé em Deus, o seu discipulado em Cristo, a partir de uma profunda gratidão e confiança. É enxergar a Missão e a Diaconia como prioridades da Comunidade e estar disposto a arregaçar as mangas por essa causa e contribuir para que tenha sustentabilidade.
Para tanto, é preciso abrir os olhos à luz da Palavra de Deus e não se deixar iludir e desviar pelas tantas ofertas, inclusive de pseudo-igrejas, que prometem emoções fortes, prazer a qualquer custo e prosperidade. É preciso estar consciente de que Igreja não é lugar para só receber, mas é espaço para compartilhar, para servir. Também resistir contra a idéia de que Comunidade não é essencial e pode ser descartada.
Originalmente, conforme o testemunho do Antigo Testamento, a contribuição (na época em forma de dízimos) foi instituída como expressão de gratidão a Deus para duas finalidades fundamentais:
1. Garantir a manutenção do serviço religioso (Pregação, comunhão, evangelização, missão).
2. Partilhar com os necessitados (Diaconia)
Alguns textos bíblicos apontam para isso: Gn. 4.4; Gn. 14.18-20; Dt. 26.12-13; II Co. 9.6-8, entre outros.
Uma das formas de fazermos frente ao individualismo escravizante de nossa época é intensificarmos nossos encontros comunitários (contra toda a desculpa de falta de tempo, de engarrafamento de trânsito, de stress - coisas que não existem quando vamos à festa), seja em culto, em estudos bíblicos em participação nos grupos constituídos da Comunidade. É preciso reconhecer-se dependente do gracioso amor de Deus e, em consequência disso, manter um forte vínculo de comunhão e de solidariedade uns com os outros na Comunidade.
É preciso interagir e falar sobre os desafios, sobre os problemas, sobre as seduções de nossa época, que tentam nos escravizar e nos afastar uns dos outros, da família e da Comunidade para uma solidão e uma dependência cada vez maior do consumismo desenfreado. Diz um ditado que a gente tem domínio sobre aqui que expressa pelas palavras (se eu consigo falar sobre os meus medos, eu tenho domínio sobre eles - se eu identifico o que tenta me escravizar, eu resisto). É preciso falar mais sobre o que está acontecendo ao nosso redor e nos afetando diretamente, prejudicando nossa comunhão matrimonial, familiar e comunitária. E descobrir juntos, a partir do evangelho, jeitos de resistir, de fazer frente aos desafios, tornando-nos cada vez mais o fermento que leveda a massa.
É preciso resistir à ideia de que Igreja é assuntos secundário, descartável, de que contribuição (oferta) não é prioridade, de que solidariedade é para os ingênuos. Quem pensa e age assim é levado cada vez mais para uma vida de solidão, de vazio existencial, de dependência do consumismo - pois tenta compensar o vazio com coisas materiais. Talvez isso explique a existência de tantas separações, de tantas crises familiares e de tanta indiferença na vida de fé. Pois a vida só tem sentido quando vivida em comunhão. Seja no matrimônio, na vida familiar, na Comunidade - só seremos felizes se fizermos outros felizes. Por isso, a vida solidária e compartilhada é tão importante. É nisso que precisamos investir.
Sobretudo, precisamos sentir-nos carregados pelo amor de Deus - em qualquer situação - mesmo nos momentos mais difíceis. Isso faz de nós pessoas profundamente agradecidas e dispostas a contribuir para que nossa Comunidade seja nosso porto seguro e para que ela seja nossa expressão de amor ao próximo.
Que o amor e a bondade de Deus nos cativem e façam de nós um corpo unido e confiante - o corpo de Cristo. Amém.
P. Geraldo Graf
31.07.2015
g.graf@uol.com.br