Posicionamento sobre o Ministério Compartilhado

25/11/1994

 

1 - Análise da Realidade
1.1 - A realidade geral do nosso País está caracterizada por mudanças muito profundas. O movimento de migração interna sinaliza a procura por condições de vida mais dignas. A urbanização está alcançando proporções gigantescas e descontroladas. Ela tem expectativas, necessidades e demandas variadas.
Como Igreja, ainda temos muitas dificuldades em diversificar frentes de trabalho e ofertas de serviço.

Grande parte da população sofre desenraizamento e perda da força de tradição. O processo de empobrecimento está aumentando o número de pobres e miseráveis. Ao mesmo tempo, a máquina de propaganda está induzindo o povo a consumir cada vez mais produtos, inclusive religião. É natural que essa realidade geral também afeta a nossa Igreja.

1.2 - Muitas das Comunidades da IECLB ainda se caracterizam pela mentalidade “clubista”. Ela se criou no meio rural dos imigrantes alemães. Paga-se para ter direitos de atendimento.

1.3 - O pastor é tido como “mestre de cerimônias”. Ele é o centro da vida da Comunidade. Sem ele, Comunidade não existe. Esse “pastorcentrismo” dificulta o trabalho em equipe com outros colegas e demais ministros, tais como catequistas, diáconas/os e diaconisas. O mesmo “pastorcentrismo” inibe ou até impede a atuação de leigos.

1.4 - A vida comunitária, em muitos casos, parece fechada, fria, acabada e pronta. A comunicação torna-se unilateral, ou seja, de via única. Alegrias são pouco compartilhadas e dores pouco repartidas. Falta maior solidariedade.

1.5 - Por isso, tal vivência exerce pouca força missionária. Não atrai muitas pessoas. Pouco “sai de casa”. Tem dificuldade em ultrapassar barreiras culturais e sociais para fazer missão fora de seus limites.
A missão ainda é dificultada pela estrutura paroquial.

2 - Visão Bíblico-Confessional de Comunidade, Ministério e Ministérios
2.1 - Mateus descreve a missão de Jesus como uma missão dinâmica, ao dizer que Jesus “percorria toda a Galiléia”. Resume o seu ministério no tripé do ensinar, pregar e curar (Mt 4.23; Mt 9.35).

2.2 - Do serviço de Jesus, Mateus deriva a missão de sua Igreja. Ela consiste no ser sal e luz do mundo.
Fazer missão pela vivência em comunidade (cf. Mt 5.13-16). Ao mesmo tempo, fazer missão pelo “sair de casa”, ultrapassando fronteiras e barreiras (cf. Mt 28.18-20). Ao falar nos dois tipos de missão, Mateus usa sempre o plural. Deixa claro assim que a missão não é tarefa de apenas alguns especialistas, mas incumbência de toda comunidade.

2.3 - Fazemos parte da comunidade desde o Batismo. Por meio dele, Cristo nos incorpora na grande família de Deus (Ef 2.19), no Corpo de Cristo (1 Co 12.12-13). Nele temos acesso direto a Deus. Não precisamos de outro mediador (1 Tm 2.5). Pois somos povo santo, sacerdócio real, para proclamarmos os grandes feitos de Deus (1 Pe 2.9).

2.4 - Como Corpo de Cristo, família de Deus, povo da propriedade de Deus, a comunidade vive na “doutrina dos apóstolos (Sagradas Escrituras), na comunhão, no partir do pão e nas orações”( At 2.42).
Toda a vivência da comunidade emana do culto e nele desemboca. Nesse sentido, todos os grupos e frentes de trabalho convergem na comunidade reunida em culto. No culto, a comunidade deixa servir-se por Deus; ao mesmo tempo celebra sinais da antecipação do Reino de Deus. Assim a comunidade é fortificada para prestar culto a Deus, com toda a sua vida, no mundo em que vive (Rm 12.1).

2.5 - Este culto a Deus no mundo em que se vive também é chamado de “ministério” (serviço). Paulo fala em “ministério da reconciliação” (2 Co 5.18). Este serviço não é confiado apenas a alguns especialistas, mas sim a toda a comunidade. Observe-se novamente o plural “nos deu o ministério”.

2.6 - Com o intuito de ajudar, para a comunidade melhor reconhecer, abraçar e executar seu ministério (serviço), Deus convoca pessoas com tarefas específicas (apóstolos, profetas, evangelistas...), “com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço..”(Ef 4.11-12). Tais pessoas, portanto, ocupam “ministérios específicos”. Na IECLB, atualmente, temos três ministérios específicos : o catequética-educativo, o diaconal e o pastoral.
2.7 - O número de ministérios específicos depende das possibilidades e necessidades da Igreja. Por isso pode ser criado um novo ministério, se a situação o exigir e possibilitar. Um exemplo disso temos na comunidade de Jerusalém que criou o ministério diaconal (At 6). Justamente nesse exemplo evidencia-se que o ministério não é outra coisa do que o desdobramento do ministério geral, do testemunhar o amor de Deus, em palavra e ação. Além disso, nota-se que o ministério diaconal, p. ex., não pode ser distinguido radicalmente do ministério da pregação. De uma ou de forma, há uma interligação. No entanto, é conveniente diferenciar entre ambos, para identificar o específico de cada um.
Caso contrário, todos fariam a mesma coisa e nenhum faria a sua tarefa específica.

2.8 - Estamos percebendo que a nossa estrutura paroquial não facilita a missão fora de seus limites. Por isso surge, com ênfase crescente, a necessidade de criarmos, na IECLB, o “ministério missionário”. Ele teria mobilidade e flexibilidade suficientes para “sair de casa” e criar nova comunidade.

2.9 - A multiformidade de ministérios específicos está aí para servir melhor às necessidades diferentes no corpo e para melhor desenvolver os diferentes dons. Ministérios específicos não têm sentido em si mesmo. Todos eles têm caráter funcional e instrumental. Estão aí para servir no Corpo de Cristo. Cristo é o cabeça do corpo (Ef 5.23; Cl 1.18). Assim não pode ser que o pastor seja o “chefe” da equipe de ministros/obreiros, mas apenas um entre outros.

À medida em que todos se sujeitarem sob o senhorio de Cristo, poderá surgir cooperação fraterna (Ef 5.21).

2.10 - Nenhum ministério específico está aí para fazer o serviço em lugar da comunidade. Os 4 ministérios não teriam tanto a sua tarefa primordial no fazer catequese, diaconia, missão ou serviço pastoral; mas sobretudo, na capacitação de obreiros leigos para eles atuarem nos respectivos serviços.
Os 4 ministérios, portanto, investem na formação de lideranças leigas, cada um em seu âmbito respectivo. Todos eles visam a instrumentalização da comunidade com vistas à missão de Deus no mundo. Necessitamos de uma comunidade multiatuante, através do maior número possível de grupos e pessoas colaboradoras. Para tanto é fundamental a colaboração e liderança do membro leigo.

2.11 - Na prática poderão surgir, a nível local, ministros leigos, para liderarem os seguintes serviços e grupos: JE, OASE, visitação, apoio a enlutados, viúvas, música, administração, casais, ensino confirmatório, ensino religioso nas escolas, zeladoria, equipe litúrgica, etc.

2.12 - Já no Batismo, Deus ordena, através da Igreja, todo cristão para testemunhar o amor de Deus em família, lugar de trabalho e sociedade. Para exercer um ministério específico de liderança, em âmbito público, com ou sem vínculo empregatício, é necessário que a pessoa seja legitimamente ordenada por Deus, através da Igreja (cf Confissão de Augsburgo XIV). Poderá ser ordenada a pessoa que for vocacionada interna e externamente e tiver recebida a devida formação e legitimação. A Igreja ordena, em nome de Deus, para serviços a nível de Igreja (cf. os 4 ministérios). A comunidade ordena, em nome de Deus e da Igreja, para serviços a nível local (cf. p. ex. item 2.11).

2.13 - Todos esses ministérios têm seu objetivo no facilitar o surgimento de uma comunidade mais acolhedora, solidária, terapêutica, participativa, aberta, integradora, enfim, missionária. Tal comunidade está aí para o louvor e a glória de Deus, a bênção do mundo e para a sua própria alegria.

3 - Como chegar mais perto da tal Comunidade?
3.1 - Os três ministérios existentes na IECLB precisam de uma redefinição. Além disso, o “ministério missionário” deve ser criado. No caso ideal, os quatro ministros trabalham juntos em equipe e parceria. A equipe é coordenada por quem tiver os dons para tal, independente do ministério que ocupa. Qualquer um dos quatro pode ser coordenador. Para o bom funcionamento da equipe é indispensável que cada um se sujeite ao senhorio de Cristo e que cada um dos quatro ministérios esteja definido em sua interrelação e distinção, a partir do ministério geral e único, confiado por Cristo à Igreja.

A seguir tentaremos definir os quatro ministérios neste sentido.

3.1.1 - Cabe aos/às catequistas responsabilidade especial pelo ensino religioso em escola e comunidade, bem como em outros contextos educacionais. Sua tarefa primordial não é tanto dar ensino religioso, mas investir na capacitação e no acompanhamento de professores e outros educadores. Seu trabalho é planejado em coordenação com os demais ministros e os presbíteros.

3.1.2 - Cabe aos/às pastores/as responsabilidade especial pelos cultos e os ofícios, o aconselhamento (poimênica) e a disciplina fraternal. Pastores/as deverão ser exigidos especialmente na área teológica, enquanto nas demais deveriam buscar o assessoramento. Considerando que o/a pastor/a se defronta e coopera com muitos grupos da comunidade é necessário que ele/a seja hábil em trabalhar conflitos, unir diferenças e despertar lideranças. Importa diminuir a carga executiva do/a pastor/a para que possa investir, primordialmente, na capacitação e no acompanhamento de ministros leigos (cf. item 2.11). Seu trabalho é planejado em coordenação com os demais ministros e os presbíteros.

3.1.3 - Cabe aos/às obreiros/as diaconais responsabilidade especial no atendimento às necessidades materiais, embora não possam ignorar as demais. Também neste caso, vale frisar que os/as titulares desse ministério, primordialmente, não são “executivos”, mas muito antes motivadores/as e multiplicadores/as. O ministério diaconal tem em vista a comunidade terapêutica. Ela tem olhos e ouvidos para o sofrimento. Ela se empenha por cura e prevenção e tenta eliminar as causas dos males. Seu trabalho é planejado em sintonia com os demais ministros e os presbíteros.

3.1.4 - Cabe aos/às missionários/as responsabilidade especial pela ação missionária “para fora” dos limites da vida comunitário-paroquial e seus trabalhos regulares. Sua ação pode abarcar evangelização, criação de novas comunidades além das fronteiras paroquiais. Sua tarefa primordial não consiste tanto em fazer missão, mas muito antes em preparar e acompanhar ministros leigos para esta missão. Onde geograficamente for possível, também eles/as planejam o seu trabalho em sintonia com os demais ministros e os presbíteros.

Obs.: Os quatro ministérios, portanto, investem na formação de ministros leigos (lideranças leigas), cada um em seu âmbito respectivo, visando a instrumentalização da comunidade, com vistas à sua missão.

3.2 - Da definição instrumental e multiplicadora dos quatro ministérios decorre a necessidade de reavaliar a política de formação na IECLB. Ela deverá adequar-se à nova concepção de ministérios. Desse processo deverão participar as instituições de formação, bem como representações das comunidades.
Esse exercício também servirá de ensaio para um futuro intercâmbio regular entre as casa de formação da IECLB.

3.3 - Urge estudar a possibilidade, a viabilidade e a conveniência do regime de dedicação parcial no exercício de todos os quatro ministérios. Isso não é motivado tão somente por questões financeiras, mas também por questões de conteúdo, qualidade e comunicação. Pois, assim poderá aumentar a força missionária.

3.4 - Os documentos normativos da Igreja devem ser adequados de maneira a propiciar a participação igualitária de todos os quatro ministérios nos grêmios deliberativos e administrativos da IECLB.

Dentro do espírito de adequação dos documentos normativos, torna-se necessária a criação da categoria de “Paróquia em Formação”. Ela se rege por estatuto próprio, sem necessariamente ter se constituído em pessoas jurídica. É considerada paróquia, sem ter que arcar com todas as responsabilidades financeiras.

3.5 - Considerando a definição instrumental e multiplicadora dos quatro ministérios, importa investir nos ministérios leigos. Para que se possa falar em “ministérios leigos”, necessário se faz providenciar um mínimo de formação e o credenciamento respectivo. Sem competência e sem o chamado público não haverá reconhecimento da autoridade do/a obreiro/a. Para atender à demanda de formação das pessoas, a atuarem nos “ministérios leigos” a nível local, a IECLB, em boa medida, poderá recorrer aos meios de formação de .leigos já existentes nos mais diferentes níveis da Igreja. Em todos os casos, o reconhecimento oficial da IECLB é necessário. Nele, o certificado de conclusão, juntamente com o ato de investidura, são partes essenciais do credenciamento para o exercício da respectiva função.

Deve ser elaborado um manual litúrgico oficial, para este fim, que prevê inclusive o gesto da imposição de mãos, analogia ao rito da ordenação.

A área de atuação destes “ministros leigos” estará definida e limitada pela respectiva instância convocadora, bem como pelo grau de habilitação adquirida. Como isso funciona em detalhes, deverá ser objeto de estudo à parte.

3.6 - A criação do “ministério compartilhado” deve libertar-se das garras de um “tradicionalismo” e, simultaneamente, resistir a um mero “modernismo” que trai a própria identidade.

A estratégia de inovação deve estar norteada por calma, paciência e coragem. Deve estabelecer metas viáveis a curto, médio e longo prazo, com vistas à reformulação da política de formação e implantação dos novos tipos de ministérios.

Aprovado pelo XIX Concílio Geral
Boletim Informativo 141, 25.11.94
 

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