Sem a Reforma, provavelmente os católicos não teriam reaprendido a amar e a estudar a Palavra de Deus. O papel dos leigos, talvez, não teria sido valorizado. E não sabemos se o próprio fundamento da nossa fé, Jesus Cristo crucificado, teria sido limpado das tantas incrustações devocionais que se acumularam ao longo do tempo.
A opinião é do jornalista italiano Giovanni Ferrò, editor-chefe da revista Jesus, em artigo publicado na mesma revista, n. 10, de outubro de 2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A 500 anos de distância da afixação das 95 teses de Lutero na porta da igreja do castelo de Wittenberg, existem muitos motivos pelos quais toda a ecumene cristã deveria não apenas se reconciliar com a memória dos eventos que levaram ao nascimento das Igrejas protestantes, mas também agradecer aos pais da Reforma por aquilo que, com o seu ensinamento, eles recordaram a todos os cristãos.
Sem a Reforma, por exemplo, provavelmente os católicos não teriam reaprendido a amar e a estudar a Palavra de Deus. O papel dos leigos, talvez, não teria sido valorizado. E não sabemos se o próprio fundamento da nossa fé, Jesus Cristo crucificado, teria sido limpado das tantas incrustações devocionais que se acumularam ao longo do tempo.
No fundo, o fato de o Papa Francisco ter aceitado de bom grado o convite para celebrar ecumenicamente esse aniversário no dia 31 de outubro próximo em Lund, na Suécia, também implica este reconhecimento: que Lutero, Calvino e os outros não eram javalis que devastavam a vinha do Senhor, como escreveu o Papa Alexandre VI na bula de excomunhão contra o monge alemão, mas crentes apaixonados pelo Evangelho, que denunciavam corrupção e exageros dogmáticos na Igreja da época.
Apesar de o caminho ainda ser longo, vivemos hoje um tempo propício para uma nova compreensão recíproca e uma sincera fraternidade ecumênica. Mas o que fazer com esse momento de graça? Eu tenho a impressão de que abraços eclesiásticos e entendimentos entre teólogos não podem mais ser suficientes.
Em um mundo pós-secular, em que quem disputa o cenário público são uma visão totalmente arreligiosa do mundo e uma visão oposta de tipo integralista, os crentes que se voltam para o Evangelho de Jesus Cristo serão cada vez mais uma pequena minoria. O risco é de que o medo de perder influência ou de desaparecer aterrorize as comunidades cristãs, levando-as a formas de neoidentitarismo agressivo.
O espírito de amizade e de escuta das razões do outro, então, podem servir também para isto: aprender uns com os outros os novos modos para viver alegremente o mandamento do testemunho cristão nu, mesmo em um tempo de evangélica fragilidade.
Fonte: IHU - Unisinos