PERMANECER NA MISSÃO REQUER PARCERIA
Pregação: Filipenses 1.21-30 - 16°. Domingo após Pentecostes - 20 de setembro de 2020.
Paz e Bem da parte de Cristo Jesus. Acolho vocês com um poema:
O Que Restará de Ti
O que restará de ti é tudo aquilo que deste
E não o que guardaste nos cofres enferrujados
O que restará de ti e de teu jardim secreto é uma flor esquecida jamais fenecida
E tudo que deste nos outros, florescerá
Pois aquele que perde a vida um dia encontrará
O que restará de ti é tudo que ofereceste
De braços abertos numa manhã ensolarada
E tudo que perdeste ao longo da jornada
E tudo que sofreste nos outros reviverá
Pois aquele que perde a vida um dia a encontrará
O que restará de ti: uma lágrima caída, um sorriso brotado nos olhos do coração
É verdade, o que restará de ti é o que semeaste,
dividiste com os que buscam a felicidade
E tudo que semeaste, nos outros germinará
Pois, aquele que perde a vida um dia a encontrará!
Neste tempo de pandemia, onde muitas pessoas perderam suas vidas e a iminência da morte nos ronda, convém refletir sobre o modo de vida da humanidade, sobre a relação mútua entres seres humanos, criação e Deus.Neste sentido fica a pergunta: O que restará de ti? O que restará de nós?
Diante de tantas respostas plausíveis a Palavra de Deus nos admoesta afirmando que, se queremos resistir e sermos melhores do que já fomos, é necessário apostar numa vida de parceria, de troca, de cooperação, de gentileza e amor mútuo. Não há outro jeito, esta é a nossa única saída! Jesus Cristo já sabia disso por isso aposta numa vida de comunhão, chama parceiros e parceiras para sua caminhada como Messias e incumbe as pessoas para irem de duas a duas a fim de fazer missão e anunciar o amor e o desejo de salvação de Deus ao mundo.
Pessoas e entidades que não apostarem do quesito da “cooperação” no tempo da pandemia e pós-pandemia terão mais dificuldades em se reerguer, é o que apontam especialistas no assunto. Não sabemos se o apóstolo Paulo enfrentou uma pandemia, mas, com certeza, muitas situações duras teve de vivenciar, dentre delas a prisão por ser anunciador do Evangelho de Jesus Cristo ao mundo. Quando ele escreve esta carta à comunidade de Filipos encontra-se preso em Roma entre os anos de 49 e 50 d.C. Envia a carta por meio de Epafrodito (2.25ss), a fim de motivar os filipenses a crescer na fé e na comunhão e a persistirem no testemunho cristão com alegria. Motiva para uma vida de humildade e unidade, a exemplo de Cristo, e anima para estarem firmes diante das intrigas de inimigos (judaizantes e romanos). A comunidade de Filipos fora consolada por meio da carta, pois sabia que quaisquer que fossem os sofrimentos que tivessem de enfrentar, seriam sustentados em meio a tudo; que sofriam pela mesma causa que o companheiro/apóstolo estava sofrendo; que sofriam, não por causa de alguma maldade praticada, ou da qual pudessem ser acusados, mas porque confiavam no Filho de Deus, o Cristo Vivo!
Paulo é enfático em seu desejo aos filipenses e manifesta um pedido: “Uma só coisa peço a vocês: comportem-se como pessoas dignas do Evangelho de Cristo”. (1.27). Podemos ficar horas e horas comentando este único apelo do apóstolo com a seguinte pergunta: O que significa ser pessoa digna do Evangelho de Jesus Cristo hoje?
O apóstolo vê sua dignidade restaurada após longo conflito interno. Ao responder a si mesmo que é melhor ficar nesta vida junto a seus irmãos e irmãs do que partir desta vida para acabar logo com seus sofrimentos e perseguições, expressa sua convicção, aquilo que a consciência lhe revela e que pulsa em seu ser como discípulo de Cristo: Ele decide permanecer e permanecer junto, fazendo um a combinação do verbo “menô” (permanecer) e “paramenô” (junto + permanecer, estar junto). Estar junto é expressão da alegria plena a qual são convidados a sentir e anunciar, alegria que surge de uma vida de comunhão, ancorada na fé, na esperança e no amor.
Como é possível permanecer junto, em comunhão, em parceira no anúncio do Evangelho? Paulo faz uso do verbo “isthêmi”, que significa estar de pé, erguido, termo que pode se traduzir como: estar firme, forte, erguido, em contraposição ao que poderia ser um comportamento ou posição derrotista, desanimada ou lamuriosa diante dos embates com os inimigos e adversários de seu tempo.
Estar de pé significa não ceder ao medo. Não temei nenhum dos vossos inimigos...! O “não temor” é um tema forte na relação de Jesus com seus discípulos: “Não tenhais medo deles” (Mt 10,26); “Não temais os que matam o corpo...” (Mt 10,28). A situação não é pacífica, e não é apenas Paulo que está em perigo por estar na prisão, os filipenses também estão em dificuldades, enfrentam lutas com seus opositores.
Prezada comunidade, Paulo dá ênfase a uma “teologia da resistência”, onde a fé em Cristo se torna verdade, justiça, santidade e esperança em todas as horas e situações. O ato de crer é um a profissão de fé no compromisso em todas as circunstâncias, por isso a fé produz a resistência e a resistência constrói o amor, pois só o amor constrói (1 Co 8.1). A missão de Deus não é um caminho de flores, mas muito mais um “caminho entre espinhos”. O segredo maior que anima Paulo é este: Para mim o viver é Cristo! É por esta vida de serviço e de vivência do Evangelho que ele vai optar e se empenhar até o fim.
Esta vivência encarnada do Evangelho seria motivo de orgulho e altivez da comunidade. Paulo não esconde o direito de gloriar-se, de envaidecer-se, de partilhar as vitórias do Evangelho, depois de tantas lutas e sofrimentos. Esse orgulho em Cristo é lícito, porque será sempre um orgulho íntimo, próprio e encorajador, que se alimenta da confiança no Evangelho e da esperança da vinda de Cristo, sendo que até lá Paulo espera “permanecer e continuar junto” com os filipenses e promete revigorar o crescimento da fé com seu retorno junto a essa querida comunidade.
Ser pessoa digna do Evangelho de Jesus Cristo hoje significa optar! É comum o ditado popular “ou oito ou oitenta” e em Apocalipse há a condenação para quem não se posiciona diante de injustiças e fica em cima do muro e, tal qual Pilatos, lava suas mãos. Está escrito “Assim, porque és morno, e não és frio nem quente, vomitar-te-ei da minha boca.” Ap 3.16.
Servir a Cristo hoje significa ir até as últimas consequências, deixar-se envolver por dúvidas, conflitos, desejos bem humanos. Já ouvimos a expressão que a dúvida é irmã da fé. Quem não fica em conflito interior consigo mesmo diante do servir, da missão que Deus nos confia, não sabe dos percalços da fé, e de como Cristo desce ao nosso encontro para nos salvar, ajudar, consolar, animar e nos motiva a permanecermos firmes e ir adiante, apesar dos pesares e dores, mas na certeza de que haverá alegria e júbilo no céu e na terra por termos feito a melhor opção. Não é raro encontrar pessoas junto às comunidades cristãs que possuem o firme desejo de “abandonar o barco”, de deixar de apostar numa vida de comunhão, partilha, de motivar para ações de solidariedade em meio à dor. Algumas querem largar tudo e jogar tudo ao léu... Crises, conflitos, sofrimentos, estruturas rígidas, falta de amor e de perdão, dureza de coração são algumas causas deste desejo.
Os desejos conflitivos também são comuns quando rápidas e profundas transformações modificam a nossa compreensão do mundo e nossa capacidade de situar-nos nele. Como será o mundo pós-pandemia? Quantos sonhos e desejos pessoais não serão mais realizados em detrimento da imposição de uma nova situação mundial que se apresenta? Como prosseguir? Diante de tantas dúvidas a fé é fortalecida, pois dúvidas e fé andam sempre juntas. A fé nos faz crer que outro mundo é possível e de que ainda é mais necessário apostar numa realidade de parceria, troca, ajuda solidária e amorosa, dentro e fora da Igreja.
O texto de hoje nos convida a escolhamos a melhor parte: Estar juntos, permanecer na missão, ficar firme, estar em pé. Paulo opta por ficar e não por cessar seus sofrimentos e estar prontamente com Cristo, por meio da morte. Hoje podemos nominar esta caminhada de viver e anunciar o Evangelho pela qual optamos desde o Batismo, como filhos e filhas de Deus, de diversas maneiras: amor, fraternidade, sororidade, irmandade, companheirismo, comunhão, parceria, amizade, respeito, inclusão, comunidade, compreensão, apoio, partilhas, convivência,... Seja qual nome usarmos todos são unânimes num quesito: Se queremos ser pessoas dignas do Evangelho e lutar contra forças inimigas, sejam elas quais forem, precisamos estar unidos, unidas, juntos e juntas, em fé, esperança e amor. Caso contrário, sucumbiremos, quer seja em tempo de pandemia ou pós-pandemia. Só há um caminho, aquele apresentado por Jesus Cristo às pessoas que lhe seguiam e com ele conviviam: é o caminho da vida em comunhão, cooperação, parceira e da solidariedade, junto a este caminho encontraremos dignidade de vida, verdade e paz!
Fiquem na paz de Deus com as palavras que nos animam a permanecermos juntos e juntas na missão de Deus, hoje e sempre:
“Não caminhes diante de mim: talvez não conseguirei acompanhar-te. Não caminhes atrás de mim: talvez não conseguirei guiar-te. Caminha ao meu lado, na amizade.” (Albert Camus)
Hino: Bom que já nos pertencemos
Bom que já nos pertencemos,
bom que nós podemos ver.
Afazeres, alegrias,
nossas forças repartir.
Bom cantar com outra gente
que queremos incluir.
E que Deus de quem falamos
entre nós está aqui.
1. Não há um que sempre fala,
não há quem só deve ouvir.
No silêncio e na atenção,
todo gesto é opinião.
Não há só contrariedade,
não há só conformidade.
Já sabemos nos amar
mesmo em forte discussão.
2. Não há quem esconde o choro,
não há quem vive a chorar.
Deus refaz comunidade
mesmo com quem fracassou.
Não há quem só se apoia,
não há quem vive a erguer.
Cada um já foi erguido
cada um já ajudou.
3. Não há só tem fraqueza
e quem de tudo é capaz.
Quem por Deus é sustentado,
faz o improvável ser.
Ninguém carece de tudo,
ninguém tudo já possui.
Cada um vive de outros
assim como faz viver.
Autor da letra e da melodia: Manfred Siebald; Tradução: Leonídio Gaede.
Amém!
Pastora Ma. Cristina Scherer
Paróquia Litoral Norte Catarinense
São Francisco do Sul- SC