Para onde iremos?

Artigo

03/02/2006


A Igreja de Jesus Cristo vive liturgicamente sob os últimos raios da luz que brilhou intensa sobre a estrebaria de Belém. Em breve, encerra-se o ciclo chamado de Epifania. O termo traduzido lembra a revelação da glória de Deus..

Apesar das lembranças alegres e das semanas festivas motivadas pela vinda do Deus-Emanuel, o Deus-Conosco, notícias horrendas e pesadas têm invadido, nestas últimas semanas, os lares da sociedade brasileira. No rastro da violência, em suas formas diversas, o sofrimento é grande, e são centenas as vítimas contabilizadas. Os prejuízos são enormes, e a tristeza que se abate parece incontrolável.

Somam nesse contexto das sombras e da realidade desumana que nos envolve e da qual fazemos parte as anomalias climáticas e seus efeitos devastadores sobre o meio ambiente. A vida humana e a criação toda experimentam sua fragilidade diante dos efeitos produzidos pelo desequilíbrio provocado pelo aquecimento global ascendente; sentem igualmente a pequenez em razão da fúria dos ventos e do caos das águas que arrastam consigo tudo o que encontram no caminho. As ameaças causam impacto negativo e insegurança, em especial, diante do advento das gerações futuras que lutam por seu espaço de vida e de trabalho.

A interpretação dos sinais do tempo torna-se um prato cheio para os profetas do Apocalipse. Aliás, um fenômeno que não vem de hoje, mas acompanha a humanidade desde os tempos primitivos. Os profetas apocalípticos privilegiam a conversão sob pressão emocional. Engordam as estatísticas dos movimentos religiosos que dizem ter as chaves para a leitura dos sinais do tempo prometendo um mundo melhor no além.

Nos tempos bíblicos, Israel enquanto povo exilado ou as comunidades cristãs, no tempo do Império romano, alimentaram o sonho de um mundo novo. Prenunciaram uma nova realidade que permitia convivência harmoniosa e de paz. Sonharam com o reino novo onde o lobo habitará com o cordeiro e as espadas seriam transformadas em arados, instrumentos de guerra deixariam de ser instrumentos de morte e tornar-se-iam meios de trabalho promovendo a vida. As comunidades cristãs perseguidas no tempo do Império idólatra e violento confessavam convictas e alegres: tragada foi a morte pela vitória, onde está, ó morte, o teu poder de ferir?

Ao lado da força da esperança e da transformação da realidade, a fé das pessoas cristãs sempre evidenciou espírito solidário. A fé desafia a chorar com os que choram e alegrar-se com as pessoas que experimentam alegria.

Com sensibilidade e espírito humanitário, a família cristã tem cooperado na edificação da história. Identificou sempre a história como um presente imerecido de Deus. O testemunho das pessoas cristãs demonstrava atenção às promessas de Deus no passado, e como essas expectativas se concretizaram nos dias da atualidade. Interpretavam o tempo presente a partir da análise e da leitura do passado. Enquanto discípulos e discípulas de Jesus Cristo, a comunidade dos seguidores de Jesus também esperou ansiosa o novo céu e a nova terra. Ainda assim, não se deliciou passivamente com a interpretação das profecias do Apocalipse.

No início de um novo ano é razoável e justo perguntar: para onde iremos no futuro? Deus traça seu caminho e nos convida a seguirmos com Ele. Somos peregrinos. A estrada de Deus não segue em direção a um juízo condenatório, nem tampouco em direção à morte eterna. A jornada na companhia do Pai ruma à vida em abundância e visualiza um novo reino, o reino de Deus. O Deus encarnado é Senhor da história. Ele administra também o caos; coloca a criação e as criaturas em ordem, para que a vida seja possível e sustentável. O futuro é de Deus; o tempo está em suas mãos, não pertence ao mundo nem aos sistemas que regem a sociedade humana.

A confiança neste Deus, Senhor do presente e também do futuro, não promove a fuga deste mundo, assim como impede todo tipo de omissão diante das tragédias ou das anomalias que causam impacto destruidor sobre o meio ambiente; tampouco a confiança nos torna insensíveis face às forças da violência e da maldade humana. A fé, sendo dádiva de Deus, é uma maneira de viver e nos compromete em nossa existência.

Breno Schumann, pastor da IECLB, tragicamente falecido há anos, opinava assim: cumpre prosseguir a rebelião do amor. Crer arriscando! Confiar trabalhando! Esperar lutando! Pessoas cristãs vivem na esperança de que o dia da promessa se tornará realidade visível e concreta. Neste dia, conforme Schumann, a fé e a esperança serão supérfluas, porque os olhos de todos poderão ver a chegada e a vitória de Cristo.

Manfredo Siegle
pastor sinodal do Sínodo Norte-catarinense
da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
em Joinville - SC

Jornal A Notícia - 03/02/2006


Autor(a): Manfredo Siegle
Âmbito: IECLB / Sinodo: Norte Catarinense
Área: Publicações / Nível: Publicações - Artigoteca
Natureza do Texto: Artigo
ID: 7578
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Quem conhece Deus também conhece as criaturas, as compreende e as ama, pois, nas criaturas, estão as pegadas da divindade.
Martim Lutero
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