Os velhos novos textos de Natal

Meditação

10/12/2004


É um desafio meditarmos sobre os textos natalinos. Eles já foram tão usados que quem fala deles acaba repetindo o que outros já falaram. Ao mesmo tempo, de tanto serem usados, lidos e relidos, esses textos tornam-se familiares e tão íntimos de nosso pensamento que acabamos por não perceber as suas qualidades e sutilezas.

Por isso, sempre voltamos a eles, mas buscando detalhes que normalmente são esquecidos ou camuflados. Acabamos temos uma certa dificuldade em ver aquele menino deitado entre palhas.

Dos pastores, aqueles que cuidam de ovelhas nos campos, vem a primeira surpresa. Chama a atenção, no texto bíblico que nos conta sobre o nascimento de Cristo, que o anúncio do anjo que vem dar a notícia do nascimento do Salvador seja dirigido primeiro aos pastores. Mas por quê? Não poderia ser para alguma autoridade de Belém?

Pastor de ovelhas até parece ser uma profissão bonita: os campos, os cajados, os animais correndo pelas montanhas... Mas naquela época os pastores eram enquadrados nas profissões não aconselhadas para pessoas de bem.

Nenhum pai dizia ao filho: vá ser pastor de ovelhas. Os pastores eram conhecidos como gatunos; conduziam os rebanhos em pastos alheios; eram considerados desonestos nas vendas de ovelhas. Dizia-se que eram incapazes de confessar seus pecados porque sua lista era muito grande e eles levariam muito tempo para fazê-lo - e nem conseguiriam indenizar a todos que tinham roubado. Eles não podiam ser testemunhas, porque seu testemunho de nada valia. Com tudo isso, os pastores sofriam profunda discriminação dentro da sociedade da época.

A surpresa dos textos aparece quando o anjo escolhe os pastores para receber a notícia em primeira mão - justamente eles, que não tinham vez. Ou seja: o aviso do nascimento do Salvador foi dado primeiro aos que não tinham vez. Deus anuncia aos que estão à margem. Não é bárbaro?

Outra surpresa: esse Salvador, o Cristo-Senhor, será encontrado como recém-nascido numa estrebaria - num estábulo -, e como criança. Ele não vem como guerreiro, como super-herói. Vem frágil. Vem como criança.

Engraçado: os textos bíblicos que chegaram até nós falam dos pastores sem muitos problemas, mesmo sendo essa uma profissão sem glamour. Mas as palavras estábulo ou estrebaria parecem difíceis de ser engolidas. A maioria das traduções faz uma troca por manjedoura, uma palavra mais bonita, que até evoca poesia.

A humanidade tenta tapar o sol com a peneira. O sentido do Natal foi amansado. Construímos presépios perfumados, com jogos de luzes, vaquinhas de carinhas angelicais, numa festa em que o tamanho dos presentes importa, e muito. É difícil ler que Jesus nasceu num estábulo porque não havia outro lugar para ele.

Mais uma vez temos uma inversão. A concretização de nossas esperanças vem de onde ninguém pode esperar: de um recém-nascido num estábulo. Inversões que nos levam a pensar. Esse singelo texto que aparece nos evangelhos, é revisitado todo Natal e tanto nos emociona nos teatros das crianças traz em cada palavra um forte desafio. Um desafio que se encontra presente no Cristianismo e deve nos questionar hoje.
 

Enquanto a religião oficial esperava a salvação de Deus vinda de um guerreiro manifestando-se aos puros, o Messias surge em meio ao cheiro de esterco dos animais, tendo como uma das primeiras visitas um grupo de trabalhadores que não mereciam muita confiança. Segundo outro texto, os magos do Oriente também passaram por lá e levaram até presentes! Não é interessante? Deus inverte a lógica das coisas. Deus inverte a lógica de nossa vida. Quando não acontece o que desejamos, acontece o que necessitamos. E isso geralmente é melhor do que aquilo que tínhamos capacidade de sonhar. Às vezes sequer estamos preparados para receber aquilo que tanto planejamos ou com que tanto sonhamos.

Ele brinca com meus sonhos. Vira uns em cima dos outros, diz Fernando Pessoa em O guardador de rebanhos, poema em que fala de como seria seu encontro com o pequeno Jesus. Quando achamos que somos senhores de nossa vida, a própria vida nos mostra o contrário. Nos mostra caminhos diferentes e nos emociona com a simplicidade de cada Natal.

Recebi certa vez um cartão que dizia o seguinte: Natal é muito simples. É um menininho que nasceu em meio aos bois, vacas, ovelhas, cavalos, jumentos. Era um menininho pobre. Mas diz a história que quando ele nasceu aconteceu uma mágica com o mundo: tudo ficou diferente.

Na noite do Natal, antes da comida e antes de abrir os presentes, por favor, conte a história do menininho.

Pª Vera Cristina Weissheimer


Autor(a): Vera Cristina Weissheimer
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo do Natal
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Meditação
ID: 7360
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