Os Dez Mandamentos - O Sétimo Mandamento

Auxílio Homilético

08/03/1982

Não furtarás

Norberto Berger Rodolfo Gaede

I - Compreensão original do Sétimo Mandamento

Visto sem aprofundamento, o Sétimo Mandamento dá ideia de proibição de delitos contra a propriedade alheia. Considerando, no entanto, a pesquisa moderna do Antigo Testamento e da tradição judaica, esta compreensão restrita pode ser questionada. Há um certo consenso na exegese atual de que originalmente este mandamento se referia a roubo de pessoas. Argumenta-se que, na raiz desta compreensão, estão dois fatos históricos: a venda de José aos ismaelitas (Gn 37.28) e a experiência da escravidão de Israel no Egito. O povo experimentou a amargura da escravidão; depois, em liberdade, conclui que ninguém do povo pode ter o outro como propriedade. Deus libertou a todos e esta liberdade deve ser observada. Os seguintes textos reforçam esta compreensão: Dt 24.7; Êx 21.16; Jz 21.21; Jl 3.3.

A partir da sistemática também se argumenta a favor desta interpretação do Sétimo Mandamento, como referindo-se ao roubo de pessoas. A interpretação deste mandamento nos moldes tradicionais coincide com o conteúdo do Nono e Décimo Mandamentos que se referem à cobiça daquilo que pertence ao próximo. Aceitando a posição dos exegetas atuais percebe-se que os mandamentos ganham clareza, unidade e lógica na sua sequência, porque cada um deles assegura ao cidadão israelita livre um direito fundamental. Iniciando-se com o Quinto Mandamento, tem-se: o direito à vida, ao matrimônio, à liberade, à honra e à propriedade.

O roubo de pessoas é bastante atual. Exemplos disto são: sequestros, roubo de pessoas como estratégia política, o terrorismo... Outras formas são o colonialismo do Terceiro Mundo, o racismo, toda forma de exploração (uns país desenvolvido que tira a liberdade de um povo, um governo que tolhe a liberdade de seu próprio povo, como em El Salvador); e, nas Comunidades temos os meeiros que são amarrados aos patrões pelas dívidas; do lado do governo há ausência de preocupação pelo bem comum.

Entretanto, o significado do Sétimo Mandamento vai além. A pessoa não é um ser abstraio, isolado; sua existência está estreitamente ligada ao mundo. Por isso, este mandamento protege também o meio em que vive, incluindo a propriedade particular. A propriedade faz parte de sua vida livre.

II - A propriedade particular

A questão da propriedade particular na Bíblia é dialética. Por um lado é vista de maneira positiva, entendida como sinal de bênção divina; o homem do Antigo Testamento se alegra com a sua propriedade e agradece por ela. No Novo Testamento, nos Evangelhos e também nas Epistolas, é considerado algo normal que as pessoas tenham propriedade, disponham dela, trabalhem com ela e até a multipliquem (Lc 19.11 ss; Mt 20.15). Em princípio a Bíblia não considera a propriedade uma coisa diabólica. Pelo contrário, ela faz parte do ser do homem; este foi criado assim que deve ter, em volta de si, wrn ambiente que lhe permite a sobrevivência.

Por outro lado, a propriedade privada não é santificada na Bíblia. Há sérias críticas a ela. O aspecto negativo da propriedade é apontado especialmente em Deuteronômio, Amos, em Jesus e os apóstolos. A problemática reside no fato de que através da propriedade o homem pode facilmente ser ameaçado, explorado, empobrecido e prejudicado em sua vida. O aspecto negativo da propriedade se mostra num sentido objetivo e subjetivo. O aspecto objetivo: A propriedade usada como necessidade para sobrevivência e desenvolvimento da vida pode ser transformada em instrumento de poder contra os semelhantes. Aquele que se desenvolve, aumenta seus bens, passa a/dominar o trabalho, a produção, os preços e, com isto, passa a dominar outras pessoas. A miséria das pessoas atingidas, dos não privilegiados, dependentes, significa uma ameaça à justiça e à paz, em suma, à vida dos semelhantes na sociedade. Contra isto se levantam os profetas e Jesus, tomando o partido dos fracos. O aspecto subjetivo do abuso da propriedade; Ela destrói pobres e ricos. Acontece lá onde a ambição determina a vida. Onde o interesse de possuir cada vez mais se torna o objetivo principal da vida, lá o homem é atingido no seu ser e mutilado em sua existência. Nisso Jesus é radical: Ninguém pode servir a dois senhores (Mt 6.24).

A Bíblia não quer entender a propriedade como sinónimo de mal extremo. Mas este mal facilmente se torna patente na ambição. Nesta tensão aparece o Sétimo Mandamento. Ele quer apresentar uma perspectiva nova e fundamental, apontando o caminho da liberdade para todos.

Este mandamento protege o direito à vida e à liberdade dos homens. As ameaças à vida e à liberdade podem acontecer de maneira brutal (sequestros) ou mais sutil (opressão económica); o Sétimo Mandamento nos quer abrir os olhos para vermos nelas um grande perigo. Em última análise o Sétimo Mandamento, assim como todo o Decálogo, está preocupado em proteger a liberdade.

III - Caminho para a prédica

Nas nossas Comunidades a compreensão do Sétimo Mandamento normalmente se restringe a um sentido moral, que tem o objetivo de evitar pequenas infrações como roubo de objetos, galinhas, frutas, etc. A prédica sobre este mandamento deve ter por objetivo ampliar esta visão e, inclusive, colocar estes pequenos delitos num segundo plano. Deve ficar bem claro que originalmente o Sétimo Mandamento se refefiu a roubo de pessoas. Este fato não pertence ao passado. No mundo de hoje temos exemplos suficientes de pessoas, grupos e povos que perdem a sua liberdade e são condenados a viver na total dependência de outros.

A prédica deve sublinhar lambem que a liberdade da pessoa não existe desvinculada de um meio propício. Neste sentido o mandamento abrange inclusive a propriedade particular. Esta, no entanto, não ocupa o lugar central na significação do mandamento, mas é colocada como um elemento a serviço da vida em liberdade. Claro deve ficar também para a Comunidade que o capitalismo, ao ter como base a propriedade particular e a livre concorrência, inverteu os valores colocados pelo Sétimo Mandamento. A ambição de querer possuir cada vez mais não respeita a liberdade e a vida de todos; em vez de conservar e melhorar os bens e o meio de vida do próximo, usa-se de todas as artimanhas para tirá-los. Exemplos disto são: a) A situação dos povos indígenas no Brasil: tira-se-lhes a terra, o seu meio de vida, e conseqüente-menle perdem a sua liberdade, b) A siluação agrária no Brasil: a concentração da terra nas mãos de poucos tem como consequência a migração, desemprego, inchação das favelas, o que significa perda do meio de vida e da liberdade de numerosa multidão, c) A situação das pequenas empresas no Brasil: incapazes de concorrer com as firmas poderosas, são forçadas a abrir falência.

Finalmente, a prédica poderia apresentar à Comunidade a perspectiva de uma nova sociedade em que a ordem política, económica e social leve em conta a vida de todos em liberdade, isto é, o direito de todos a: casa, salário justo, trabalho, escola, saúde, preços justos, terra para o agricultor, etc.

IV - Subsídios litúrgicos

1. Voto inicial: Não confieis naquilo que extorquis, nem vos vanglorieis na rapina, se as vossas riquezas prosperam, não ponhais nela o coração (Salmo 62.10).

2. Absolvição: Pois conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de vós, para que pela sua pobreza, vos tornásseis ricos (2 Co 8.9).

3. Leituras bíblicas: 8AT: Provérbios 30.7-9; NT: 1 Corintios 7.29-32.

4. Subsídios para oração final:

— Agradecimento pela mensagem da liberdade.
— Pedido por uma nova mentalidade sobre a propriedade particular: que a entendamos como elemento a serviço da vida em liberdade.
— Intercessão em favor dos índios, migrantes, favelados, para que não percam a esperança e o ânimo de lutar por uma sociedade mais justa e fraterna.

V – Bibliografia

LOCHMAN, J.M. Wegweisung der Freiheit. Gütersloh, 1979, pp. 114-127.
LOHSE, W. Wie unser Leben gelingen kann. Hamburg, 1979, pp. 65-77.
LÜTHI, W. Die Zehn Gebote Gottes. Basel, 1950, pp. 185-197.
LUTERO, M. Catecismo Maior. São Paulo, 1965, pp. 73-81.
MÜLLER-SCHWEFE, H.R. Die Zehn Gebote. Hamburg, 1973, pp. 91-106.

 


Proclamar Libertação – Suplemento 1
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia


Autor(a): Norberto Berger e Rodolfo Gaede Neto
Âmbito: IECLB
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1982 / Volume: Suplemento 1
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 7285
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Cada qual deve se tornar para o outro como que um Cristo, para que sejamos Cristos um para o outro e o próprio Cristo esteja em todos, isto é, para que sejamos verdadeiros cristãos.
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