Amados irmãos, amadas irmãs,
hoje nós vamos embarcar em uma viagem. Quem gosta de viajar? Quem gosta de passear? Quem gosta de conhecer lugares novos? Então, nossa viagem hoje será pelo mar. Em nosso barco, estaremos seguros para seguir viagem com fé, esperança e amor. A partir de agora, todos nós seremos chamados de “navegantes”.
1 EMBARQUE
Assim, queridos navegantes da jornada da fé, que a brisa fresca da graça de Deus e que a luz calorosa do seu amor toquem nossos rostos durante essa viagem. O embarque está previsto para ser no livro de Romanos, capítulo 4, versículos 13 a 25 que já ouvimos anteriormente. Preparemos a nossa bússola e a apontemos para uma direção: a fé como ponto de partida!
2 NAVEGANDO PELA HISTÓRIA
Nosso passeio parte de Romanos 4 e vai em direção ao Antigo Testamento, especificamente no livro de Gênesis, onde encontramos um dos personagens mais importantes da Bíblia: Abraão. Ele foi chamado por Deus para ser pai de uma grande nação. Mesmo sem ver, Abraão confiou nas promessas de Deus. Isso que é fé! Fé não é um pensamento positivo; fé não é uma crendice; fé não é uma energia. Fé é confiança na honestidade de Deus. Quando Deus promete, ele cumpre. Assim, fé é a confiança que Deus irá cumprir aquilo que prometeu. Abraão tinha fé! Ou seja: ele confiava nas promessas de Deus! E através desse homem, a história de Deus com seu povo começou.
3 NAVEGANDO PELA NOSSA VIDA
Da mesma forma aconteceu com a gente. A fé não é o ponto de chegada. A graça, a justiça e a aceitação do ser humano por Deus não são o ponto de chegada. Não precisamos primeiro fazer para então merecer a salvação. Não precisamos primeiro realizar obras para ganharmos a recompensa. Não precisamos primeiro ter méritos para então sermos aceitos por Deus. O amor de Deus não é o ponto de chegada, mas o ponto de partida.
E onde, em nossa vida, temos esse ponto de partida? Em nosso batismo. Lutero diz: “Que dá ou para que serve o batismo?”[1] E responde: “Realiza o perdão dos pecados, livra da morte e do diabo, e dá a salvação eterna a todas as pessoas que creem no que dizem as palavras e promessas de Deus”[2]. A fé luterana acredita que a água por si só não possui poder algum. Porém, a água está ligada à Palavra de Deus: nisto reside o significado e a eficácia do batismo: “Não é a água que faz isso, mas é a Palavra de Deus unida à água e a fé que confia nesta palavra. Pois sem a palavra de Deus a água é só água e não é batismo. Mas unida à palavra de Deus ela é batismo”[3].
Da mesma forma, a Confissão de Augsburgo afirma que o batismo “é necessário e que por ele se oferece graça; que também devem se batizar crianças, as quais, pelo batismo, são entregues a Deus e a ele se tornam agradáveis”[4]. O batismo é um meio da graça. O amor de Deus está disponível a todas as pessoas. Mas como esse amor pode ser entregue aos seres humanos? Através dos sacramentos: Santa Ceia e Batismo.
Ao navegar pela nossa própria vida, podemos ter a certeza do amor de Deus dado a nós no dia do nosso batismo. Qual foi o dia do seu batismo? Você lembra? O meu foi em 12 de Julho de 1992 na Comunidade Evangélica de Confissão Luterana de Agrolândia/SC. Por que essa data é importante? Porque foi ali em que tudo começou! Eu ainda não entendia nada sobre o mundo e sobre a vida, mas isso não é impedimento para que a graça de Deus seja recebida. No culto de hoje nós celebraremos o Sacramento do Santo Batismo a uma criança. É um momento de alegria, pois é alguém recebendo o amor de Deus.
É assim também que cremos como Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Para a IECLB, “Pessoas pertencem a uma comunidade cristã porque foram batizadas. Portanto, a Igreja nasce do batismo”[5]. Assim, “batismo não é o ponto final, mas o ponto inicial de uma existência de fé”[6]. Para a IECLB, “o batismo e a dádiva do Espírito Santo estão direta e estreitamente vinculados”[7], pois “a Igreja é o lugar onde atua o Espírito Santo. Não se pode ingressar na Igreja sem ter parte na dádiva do Espírito Santo”[8]. Ademais, a IECLB confessa, conforme o Salmo 51.5, que todos os seres humanos são concebidos em pecado, não somente de forma passiva, mas também ativa[9].
Portanto, onde foi que tudo começou? Tudo começou no batismo onde o amor de Deus é ofertado gratuitamente aos seres humanos. No batismo, somos aceitos por Deus como somos. O amor de Deus não é um alvo que precisamos alcançar, mas um presente que recebemos imerecidamente já quando éramos bem pequeninos. Assim, na História da Salvação, o passado tem um papel fundamental: só podemos ter a esperança no futuro por causa do que Cristo fez por nós no passado!
4 AS CORRENTES DO NOSSO TEMPO
Porém, em nossa viagem, pode acontecer de surgir uma tempestade e de o mar se tornar turbulento e agitado. Assim é a nossa cultura atual, focada em vários “pontos de chegada”. No mundo em que vivemos, todo o foco está no ponto de chegada que, conforme alguns psicanalistas, são o prazer, bens de consumo, sucesso e influência. Para chegar a esses objetivos, muitas pessoas sacrificam a sua paz, saúde e até mesmo relacionamentos. [10]
Essa não é uma vida marcada pela graça e pelo amor de Deus, mas pela lei e pela religiosidade. Sim! Também a religião é consequência da queda do ser humano em Gênesis 3. E a primeira religião criada pelo ser humano foi a “religião das folhinhas de figueira” que o ser humano fez para esconder sua vergonha diante de Deus. A vida marcada pela lei será uma vida marcada em procurar, a todo custo, a salvação através de obras. Se não for a salvação eterna, será então a salvação individual através do êxito e do reconhecimento. Esse tipo de vivência causa ansiedade! E não é à toa que igrejas que preguem sobre a “vitória” e o “sucesso” estejam tão cheias, afinal, essa é a corrente do nosso tempo. Já Teologia da Cruz – que é a nossa teologia – é para poucos! E prefiro muito mais pregar Teologia da Cruz para poucos que pregar a equivocada teologia triunfalista para uma multidão. Ou, como diria Karl Barth, “Nenhum comportamento humano é em si mais questionável, duvidoso e perigoso que justamente o comportamento religioso”[11].
Estas são as turbulentas correntes do nosso tempo que, muitas vezes, fazem o nosso barco balançar perigosamente. São correntes que focam no sucesso, na vitória, no mérito, e não no amor, na graça e na partilha. Aliás, como Jesus seria visto pelas correntes do nosso tempo? O escritor inglês Jay Hulme nos dá uma boa ideia:
Ele não comandou grandes exércitos para a guerra. Ele não dominou vastos territórios nem acumulou grandes fortunas. Baseando-nos no nosso entendimento contemporâneo de grandeza, Jesus Cristo seria considerado um fracasso. Ele não possuía propriedades notáveis, não detinha cargos em conselhos ou governos terrestres, insistia em doar seu dinheiro e seus pertences, e morreu em agonia, executado por soldados aos quais não resistiu fisicamente. E ainda assim, acredito que são justamente essas características que tornam Jesus Cristo tão grandioso. Esses atos de humildade, caridade, amor e paz são comportamentos que deveríamos imitar no mundo atual.[12]
O filósofo alemão Friedrich Wilhelm Nietzsche também percebeu o quão Jesus foi diferente: “A prática foi o que ele deixou para a humanidade: sua atitude diante dos juízes, diante dos soldados, diante dos acusadores e de todo tipo de calúnia e escárnio – sua atitude na cruz. Ele não resiste, não defende seu direito”[13]. Contra as correntes do nosso tempo, marcadas pelo egoísmo, individualismo, ganância, destruição, violência e morte, Jesus há quase dois mil anos atrás nos doou o amor, a comunhão, a partilha, a construção, a paz e a vida. E ele nos ensina que o foco da vida não está nos pontos de chegada, mas no ponto de partida: fomos batizados e podemos viver o amor de Deus hoje! Isso também nos permite viver em paz com Deus, com o próximo e com a Criação.
5 APORTANDO
E assim, nosso barco chega ao seu porto. A fé foi e sempre será a nossa bússola. É ela que nos aponta a direção. Ela significa confiança na honestidade de Deus. Abraão creu em Deus quando só tinha a promessa e isso foi suficiente para que aceitasse o chamado divino e cumprisse sua missão. Portanto, pela fé – e não pelas obras –, lembremos do nosso batismo e do amor que Deus manifestou a nós através do Sacramento. E assim, que as nossas obras não sejam realizadas por causa de algum ponto de chegada, mas por causa do ponto de partida: o amor de Deus que nos foi dado no batismo.
Cuidado com as correntes do nosso tempo. Elas querem levar nosso barco para longe de Cristo. Por isso, permaneçamos firmes nos ensinamentos de Cristo – verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem – pendurado na cruz e ressuscitado ao terceiro dia.
Terminamos aqui a nossa viagem, mas que a fé seja o nosso farol na escuridão; que a fé seja nossa bússola na tempestade; que a fé seja o mapa para uma vida verdadeira diante de Deus.
Amém.
2º DOMINGO APÓS PENTECOSTES | VERDE | CICLO DO TEMPO COMUM | ANO A
11 de Junho de 2023
P. William Felipe Zacarias
[1] LUTERO, Martim. Catecismo Menor. 16. ed. São Leopoldo: Sinodal, 2011. p. 17.
[2] LUTERO, 2011. p. 17.
[3] LUTERO, 2011. p. 18.
[4] CA IX, 2006, p. 32.
[5] IECLB. Livro do Batismo. 2. ed. rev. São Leopoldo: Oikos, 2008. p. 13.
[6] IECLB, 2008. p. 13.
[7] IECLB, 2008. p. 27.
[8] IECLB, 2008. p. 27.
[9] Cf. IECLB, 2008. p. 28.
[10] Cf. SELL, Wilhelm. “A graça de Jesus Cristo”. in: HOEFELMANN, Verner (Coord.). Proclamar Libertação. v. 47. São Leopoldo: Sinodal; Faculdades EST, 2022. p. 194.
[11] BARTH, Karl. A Carta aos Romanos. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2016. p. 163.
[12] HULME, Jay. “Christ the leader”. in: Daily Service: A space for spiritual reflection with a Bible reading, prayer and a range of Christian music. Programa de Rádio. Londres: BBC Rádio 4, 2023. Disponível em: < https://www.bbc.co.uk/sounds/play/m001mly7 >. Acesso em: 09. jun. 2023. Tradução: William Felipe Zacarias.
[13] NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. “O Anticristo – 1888”. in: NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Obras Escolhidas. Porto Alegre: L&PM, 2013. p. 401. Grifo do autor.