1. A morte não faz parte do propósito salvífico de Deus para com a sua criação. Está diametralmente oposta à vida, que é característica de Deus (Rm 6.23). Portanto deve ser vencida. É o último inimigo de Deus. A vitória de Deus sobre a morte já aconteceu no evento da cruz e da ressurreição de Jesus Cristo. Jesus, integralmente, se expôs ao poder da morte e com isso a venceu em seu bojo. Por ser Cristo o primogênito dentre os mortos, cremos em vida para além da morte. Esta vida nos é dada por Deus, e nós a podemos viver já agora em comunhão com ele. Temos a certeza de que a realidade de Deus é mais forte que a morte (Rm. 8.31-39), razão pela qual esperamos em que faça nova criação e dê nova vida ao ser humano. Esta certeza norteia também o sepultamento cristão.
2. Consequëntemente, o sepultamento é para a Igreja oportunidade de testemunho público de sua fé na ressurreição e de consolo aos enlutados. Representa igualmente um ato de respeito ao defunto, lembrando que o corpo humano, mesmo falecido, é criação de Deus.
3. O sepultamento é mais que um ato familiar. É um ato comunitário. A Comunidade cristã é chamada a cuidar de seus doentes, de seus moribundos, de sepultar os mortos condignamente e de acompanhar os enlutados. Como o sepultamento diz respeito a toda a Comunidade, deve-se dar especial atenção à participação desta Comunidade.
4. A esperança é o centro do sepultamento cristão. Ela é testemunhada em meio ao sofrimento e ao lamento diante da morte. Expressa-se nas leituras bíblicas, nos hinos, nas orações e principalmente na pregação. Confessa-se, pois:
a. que Deus é o Senhor dos vivos e dos mortos;
b. que a “comunhão dos santos” engloba os vivos e os que morreram em Cristo;
c. que todos os presentes ao sepultamento estão caminhando em direção ao dia da ressurreição.
Assim a família e a Comunidade despedem-se da pessoa tirada de seu meio pela morte, na certeza de que Jesus Cristo ressuscitou e há de ressuscitar também a nós.
5. A pregação deve orientar-se na situação especifica. Esta também determinará a escolha do texto. A pessoa falecida jamais deveria ser objeto de pregação. Nem a laudação nem o lamento acerca do/a falecido/a são apropriados, ainda que a pregação - é claro - não poderá permanecer no abstrato. A mensagem do juízo e da graça de Deus deverá ser anunciada em relação ao momento específico.
6. É convicção luterana que nada podemos fazer para influenciar a sorte das pessoas falecidas junto a Deus. Deus é soberano em seu juízo e em sua graça. Por isto se proíbem “cultos em favor dos falecidos” ou atos semelhantes. O que podemos fazer é agradecer por suas vidas, recomendá-los à graça divina e por eles interceder. Por isto, a bênção se dirige essencialmente à Comunidade reunida, ainda que numa bênção em forma de prece também o cadáver possa estar incluído. A exclusão do falecido da Comunidade enlutada não é possível, assim como também não o é a imediata separação da pessoa e do cadáver. Recomendamos a seguinte formulação: “O Senhor guarde a nossa saída e a nossa entrada desde agora e para sempre.”
7. Na fórmula de sepultamento importa evitar falar em “entregarmos seu corpo...”. Tal linguagem pode fomentar compreensões espíritas, de que o corpo é sepultado enquanto a alma ou o espírito continuariam vivendo e se reencarnando. Sugerimos formulações como “entregamo-lo/a” o “entregamos o/a falecido/a”.
8. A forma de sepultamento é livre. Os familiares do/a falecido/a decidem sobre ela. A comunidade evangélica de confissão luterana respeitará a decisão tomada e acompanhará o sepultamento na forma escolhida.
9. Na Igreja cristã tem prevalecido a forma de enterro. O cadáver está sendo devolvido à terra de que, conforme Gn 3,19, foi formado. Mas também a cremação é uma forma de devolução da pessoa à terra. Ela não contradiz os princípios cristãos, e mais e mais tem se tornado praxe nas Igrejas luteranas.
10. A membros que se escandalizam com a cremação de uma pessoa falecida, ou que se sentem inseguros diante da decisão a tomar, diga-se:
a. A fé cristã não prescreve a forma de sepultamento; portanto, não existe um modo especificamente cristão deste ato;
b. A escolha da forma de sepultamento faz parte do exercício da liberdade cristã;
c. Dentro desta liberdade é lícito levar em consideração aspectos econômicos, higiênicos, de espaço físico, de distância geográfica ou outros, na opção por uma ou outra modalidade.
11. Quanto a possíveis objeções teológicas à cremação, convém lembrar:
a. O receio de que a destruição do corpo impediria a ressurreição é infundada. Deus saberá recriar o que uma vez criou, mesmo que aos olhos humanos a pessoa falecida tenha desaparecido completamente;
b. Quando, no início da Igreja cristã, mártires foram queimados/as e suas cinzas espalhadas ao vento ou na água pelos inimigos da Igreja, esta sempre afirmou que estes/as mártires, sem dúvida, participariam da ressurreição dos mortos.
A cremação, pois, não se presta a demonstração anti-cristã. Ela não limita ou impossibilita a ação re-criadora de Deus.
12. Há que se combater, isto sim, a idéia de que a cremação liberta ou purifica a alma ou o espírito de seus laços materiais e atinge somente o corpo. Toda a pessoa com corpo, alma e espírito, morre e desaparece desta vida, não havendo aí nenhuma diferença entre enterro e cremação.
13. Recomenda-se, ainda, com insistência, que a urna com as cinzas não seja guardada em casa, mas enterrada em local apropriado, para evitar que surja veneração de mortos/as ou que se criem amarras psicológicas.
14. Diante da falta de prática da IECLB no acompanhamento a familiares que optaram pela cremação de uma pessoa falecida, sugere-se que sejam realizados estudos a respeito, por instituições ou Sínodos, e seja elaborada orientação para os/as obreiros/as da Igreja.
“Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem anjos, nem principados, nem cousas do presente, nem do porvir, nem poderes, nem altura, nem profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor.” Rm 8.38,39