Um estudo “atento e rigoroso”, “livre de preconceitos e polêmicas ideológicas”. Distanciar-se dos “erros, exageros e fracassos, reconhecendo os pecados que levaram à divisão”. Só assim se poderá assumir aqueles elementos “positivos e legítimos” da Reforma Protestante. São palavras de Francisco e dirigidas aos participantes de um congresso inédito sobre a figura de Martinho Lutero. O Papa convidou para olhar a história com olhos diferentes, cinco séculos depois das famosas teses do teólogo alemão que desencadearam a ruptura com Roma.
A reportagem é de Andrés Beltramo Álvarez e publicada por Vatican Insider, 31-03-2017. A tradução é de André Langer.
“Lutero 500 anos depois. Uma releitura da Reforma Luterana em seu contexto histórico e eclesial”. Esse é o título do encontro convocado pelo Pontifício Comitê de Ciências Históricas e que abordou, com contribuições de católicos e luteranos, todo o contexto que influiu na reforma.
Originalmente, não estava prevista uma audiência com o Papa, mas no último momento Bergoglio quis intervir. Saudando os presentes confessou sentir “gratidão a Deus” e “certo temor” com a conferência, considerando que “muito tempo atrás teria sido totalmente impensável”.
Destacou que abordar a figura de Lutero, católicos e protestantes juntos, por iniciativa de um organismo da Santa Sé, é “como tocar com as mãos os frutos da ação do Espírito Santo”, que “supera toda barreira e transforma os conflitos em oportunidade de crescimento na comunhão”.
Assegurou que os estudos sérios sobre esse personagem e a crítica que lançou contra a Igreja de seu tempo e o Papado contribuem para superar o clima de mútua desconfiança e rivalidade que “durante muito tempo” caracterizou as relações entre católicos e protestantes. Embora tenha reconhecido que todos estão muito conscientes de que “o passado não pode ser mudado”.
“Hoje, após 50 anos de diálogo ecumênico entre católicos e protestantes, é possível realizar uma purificação da memória, que não consiste em fazer a impossível correção do que aconteceu há 500 anos, mas contar essa história de uma maneira diferente, sem mais vestígios daquele rancor pelas feridas sofridas que distorcem a visão que temos uns dos outros”, disse.
“Hoje, como cristãos, somos todos chamados a nos libertar dos preconceitos contra a fé que outros professam com um acento e um idioma diferente, para trocar mutuamente perdão pelos pecados cometidos por nossos pais e invocar juntos a Deus o dom da reconciliação e da unidade”, acrescentou.
Na sexta-feira, 31 de março, foram realizadas as sessões conclusivas do congresso que começou no dia 29 de março. Nem todas as conferências se centraram na pessoa do frade agostiniano. Também foi abordado o conceito de “reforma católica”, assim como as histórias de outros bispos reformadores e da reforma nas ordens religiosas. Houve espaço, também, para analisar o equilíbrio de forças políticas na Europa daquela época.
“É preciso perguntar-se pelos elementos não teológicos que levaram à ruptura, entre eles os políticos. Não devemos esquecer que na Alemanha havia tensões entre os príncipes espanhóis e os imperadores”, explicou Bernard Ardura, presidente do Pontifício Comitê de Ciências Históricas.
“Determinadas releituras permitem descobrir que houve mal-entendidos. Com distintas formas temos a mesma fé, embora depois permaneçam outros aspectos, como a constituição da Igreja, os sacramentos, que ainda estão pendentes”, acrescentou.
Explicou que o objetivo do congresso é promover “uma história neutra”, “honesta” e “sustentada pelos documentos”, mas aceitou que se trata de uma tarefa difícil.
E constatou: “No início, ele queria fazer uma reforma interna à Igreja. Houve uma evolução, pressões de todo tipo, que desembocaram na ruptura. Mas é claro que, no início, Lutero tinha buscado um caminho espiritual. Nos séculos passados ele foi visto como a encarnação do diabo, aquele que rompeu a comunhão e outras coisas. Hoje, não se trata, para nós, de dizer que o que fez foi algo bom, mas podemos explicar como isso aconteceu”.
Fonte: Instituto Hmanitas Unisinos