O novo Código Florestal: avanço ou retrocesso?

01/12/2013

Para refletir sobre o Novo Código Flore tal se faz necessário o resgate da memória sobre o assunto.

A conservação dos recursos naturais é de uma forma ou outra preocupação da sociedade há muito tempo. Em terras brasileiras esta preocupação iniciou com a definição de “Madeira de Lei”. Esta expressão tem origem no Brasil Colônia, quando se definiram árvores (espécies) que eram protegidas pela legislação e não poderiam ser cortadas sem algum tipo de autorização especial. Normalmente eram árvores, cuja madeira era utilizada na construção naval e que, em tal condição, tinham um interesse estratégico. Um segundo momento de preocupação foi a falta de água para abastecimento da população da cidade do Rio de Janeiro. Isto levou em 1862 à designação do major e engenheiro Manuel Archer como administrador da Floresta da Tijuca. Sob seu comando iniciou-se o seu reflorestamento, que em 1874 alcançou um saldo de mais de 100 mil árvores plantadas, viabilizando assim a oferta de água para a população da cidade. Mais tarde foi criado a partir ali o Parque Nacional da Tijuca, com 3.200 hectares, sendo hoje considerada a maior floresta urbana do mundo.

Como se vê, a preocupação vem de longa data, com diferentes motivações. Estes “primeiros passos” culminaram com a publicação em 1934 do Decreto 23.793 que cria o conceito de floresta protetora, que visa proteger o solo, a água e os mercados de madeira e carvão vegetal.

Seguiram-se várias outras legislações, como o Código Florestal de 1965, que define as Áreas de Preservação Permanente (APP’s) que protegem rios, encos- tas, topo de mangues e restingas e cria a Reserva Florestal Legal, que define qual a área de cada imóvel rural deve ser mantido coberto com vegetação, 20% no caso de floresta. Ainda surgem outras leis e decretos complementares, que resultaram, em 2009, na instalação de uma comissão especial na Câmara dos Deputados para discutir mudanças no Código Florestal. Em maio de 2011 o novo texto foi aprovado na Câmara dos Deputados, em dezembro foi aprovado no Senado Federal, e em 17 de outubro de 2012 foi sancionada pela presidente Dilma a Lei nº 12.272, o Novo Código Florestal Brasileiro.

Deste conjunto de regras, pode-se destacar:

Reserva Florestal Legal: continua sendo obrigatória em todos os imóveis rurais, mantendo-se os percentuais já aplicados, na Amazônia Legal, 80% em área de florestas, 35% em área de cerrado e 20% em área de campos gerais e nas demais regiões do país 20% da área dos imóveis. O grande diferencial da nova lei é a possibilidade de utilizar as Áreas de Preservação Permanente-APPs, margens de cursos de água e entorno de nascentes como área de reserva legal, desde que estejam preservadas ou em recuperação.

Áreas de Preservação Permanente (APP’s): que são as faixas marginais de qualquer curso de água natural. Nesta questão as alterações são mais evidentes. Em primeiro lugar está a forma de delimitar a APP. Agora ela passa a ser medida a partir da borda do leito regular, ou seja, do nível médio do curso de água, mantendo-se as faixas entre 30 e 500 metros, conforme a largura do curso de água. E isto vale tanto para áreas urbanas como para áreas rurais.

Outra mudança importante se refere à recuperação das áreas de APP. Onde já há atividade econômica consolidada, lavouras e pastagens, em propriedades com até um módulo fiscal (no Médio Vale do Itajaí-SC, = 12 hectares ou 120.000 metros quadrados), a recuperação deve ser de 5 metros a contar da borda do leito regular. Para propriedades entre um e dois módulos (12 a 24 hectares) a APP a ser recuperada é de 8 metros. E para propriedades entre dois e quatro módulos (24 a 48 hectares), devem ser recuperados 15 metros de APP. Imóveis maiores que quatro módulos (mais de 48 hectares) a recuperação deverá ser de no mínimo 20 e no máximo 100 metros.

Tomemos como exemplo, um pequeno produtor do Vale do Itajaí, cuja propriedade tenha 20 hectares e produza arroz irrigado. Ele deverá recuperar duas faixas de 8 metros cada ao longo do curso de água que passa pelas arrozeiras, ou seja, a lavoura vai ter que ser reduzida em 8 metros e não em 30 metros, como previsto antes da atual lei.

Reservatórios artificiais de água: Se os reservatórios de qualquer dimensão não forem resultado de represamento de curso de água, não precisarão manter faixa de APP, se tiverem tamanho inferior a Um hectare ou 10.000 metros quadrados, mesmo que resultado de represamento de curso de água também não precisarão manter faixa de APP.

Topo de Morro: Até a promulgação do Novo Código Florestal, não havia clareza na definição de “Topo de Morro”, que é considerado Área de Preservação Permanente-APP, que, portanto não pode ser usada para exploração. A nova lei define claramente o que é Topo de Morro. Por isso é indicado procurar um profissional como Engenheiro Agrônomo ou Florestal para definir cada caso específico.

O tamanho do módulo fiscal para cada município foi definido na Instrução Especial nº 20 de 28 de maio de 1980 do INCRA.

O Novo Código Florestal também criou o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Trata-se de um registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais. Com este registro será possível acessar mais rapidamente o crédito rural e vai facilitar o licenciamento ambiental das propriedades e das atividades rurais. Porém, como depende de um decreto regulamentador a ser publicado pelo governo federal, este cadastro ainda não está operando.

Um grande avanço do CAR será a declaração da localização da reserva legal, não necessitando mais de averbar a reserva legal junto ao Ofício de Registro de Imóveis, Cartório.

Considerando a diversidade de leis e decretos que estavam em vigor e que agora foram contemplados em um único documento, e considerando a clareza para alguns destes aspectos – como Áreas de Preservação Permanente, Reserva Legal e Topo de Morro – pode-se concluir que houve avanços com a promulgação do Novo Código Florestal brasileiro. Claro que sempre poderíamos ter avanços maiores, como também poderíamos ter retrocessos.

A pequena propriedade rural foi contemplada, viabilizando sua legalização e atividade econômica em conformidade com a legislação, permitindo o acesso ao crédito e viabilizando economicamente a produção.

Ainda existem diversos pontos a serem pacificados, como as Áreas de Preservação Permanente Urbanas, as situações consolidadas, aquelas onde a maior parte das APP’s está alterada e deve ter tratamento diferenciado.

Mas a tramitação do Novo Código Florestal levou esta discussão para fora dos gabinetes, envolvendo a sociedade como um todo e especialmente produtores rurais, agricultores familiares e ambientalistas, resultando em um texto que reflete a vontade da maioria. Mas a discussão não esteja encerrada. Há muito a que se discutir e regrar quando se trata de utilização dos recursos naturais e do desenvolvimento da sociedade.


O autor é Engenheiro Agrônomo formado na UFSC, atua em extensão rural, produção de mudas e licenciamento ambiental, reside em Brusque-SC


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Autor(a): Juliano Piske
Âmbito: IECLB
Área: Sustentabilidade / Nível: Sustentabilidade - Justiça socioambiental
Título da publicação: Anuário Evangélico - 2014 / Editora: Editora Otto Kuhr / Ano: 2013
Natureza do Texto: Artigo
ID: 34384
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