O FILHO MAIS NOVO - Lucas 15.11-32

Revisitando a "Parábola do Filho Pródigo" à luz da obra de Rembrandt e Padre Henri Nouwen

26/10/2020

Prezada Comunidade!

Há muito tempo gostaria de elaborar uma série de pregações baseadas na parábola do filho devasso que retorna ao lar conforme Lc 15. Como pano de fundo sempre quis utilizar a obra de Rembrandt Harmenszoon van Rijn (Leida, 15 de julho de 1606 — Amsterdam, 4 de outubro de 1669) sobre o tema, e isso de acordo com as observações e comentários do Pe. Henri Nouwen em seu livro A VOLTA DO FILHO PRÓDIGO - A história de um retorno para casa (Ed. Paulinas, 1999). Chegou a hora de fazer.

O FILHO MAIS NOVO

A parábola que apenas o evangelista Lucas conta, recebe vários títulos: ”O filho perdido e o filho fiel: o ‘filho pródigo’” (Bíblia de Jerusalém); “O filho perdido” (NTLH, NVI-Usa); “A parábola do filho pródigo” (ARA). Rembrandt: A volta do filho pródigo”. Para o renomado pintor holandes, está implícito que antes de uma “volta”, há uma “partida. “Voltar é tornar à casa depois de deixar a casa, um retorno depois de ter ido embora”. Ouvimos que o pai do filho mais novo se alegrou intensamente com a volta do rapaz. “A alegria imensa em receber de volta o filho perdido esconde a tristeza imensa experimentada antes. O achar tem atrás de si o perder, o regressar abriga sob seu manto a partida”. (Nouwen, p.39)

A drástica ruptura com os valores da família.

O filho mais novo faz um pedido: Pai, quero a minha parte da herança”. Segundo a tradição da época, mesmo que o pai repasse a parte que cabe a cada um dos filhos por herança, este ainda tem o direito de viver do usufruto durante seu tempo de vida. Mas o moço não espera a morte do pai, não se preocupa com seu sepultamento, e desperdiçou os seus bens vivendo irresponsavelmente.” O filho mais novo provocou, assim, uma rejeição insensível e dolorosa do lar paterno.

“Quando Lucas escreve ‘partiu para uma região longínqua’ ele se refere a muito mais do que ao desejo de um jovem de ver o mundo. Ele se refere a uma quebra drástica da maneira de viver, pensar e agir que recebeu como legado sagrado através das gerações. Mais do que desrespeito, é traição aos valores cultuados pela família e pela comunidade. O país distante é o mundo no qual não se respeita o que em casa é considerado sagrado”. (N, p.41)
Deixar a casa do Pai significa rejeitar os cuidados de Deus.

Deixar a casa é ser insensível à voz do amor.

Deixar a casa do pai significa negar que pertenço a Deus, é rejeitar o fato de que “Estás em volta de mim, por todos os lados, e me proteges com o teu poder. Eu não consigo entender como tu me conheces tão bem; o teu conhecimento é profundo demais para mim. (…) Tu viste quando os meus ossos estavam sendo feitos, quando eu estava sendo formado na barriga da minha mãe, crescendo ali em segredo, tu me viste antes de eu ter nascido. Os dias que me deste para viver foram todos escritos no teu livro quando ainda nenhum deles existia.” Salmo 139:5-6, 15-16 NTLH

Quando se sai da casa paterna, logo ocorre a pergunta: a quem pertenço? A Deus ou ao mundo?” Quando percebo que, pelo fato de ter deixado a casa do pai, pertenço mais ao mundo do que a Deus, as preocupações aumentam exponencialmente. A primeira necessidade é a da fama e do reconhecimento. Enquanto tinha dinheiro, o filho mais novo era cortejado por muitos amigos e amigas. Isso lhe dava o sentimento de prazer, de aprovação de reconhecimento. Isso é bom!
Quando os bens materiais acabam, quando começa a “decadência”, começa a frustração — e não poderia ser diferente. Pior ainda: se estabelece um vazio existencial. Se sou amado a tal ponto de — mesmo assim — deixar a minha casa, tudo porque sou livre, chega o momento de se dar conta que a vida é vazia e cruel longe do lar.
Reconhecer que está perdido e escravizado — apesar de continuar livre — é o começo da volta.

Roupas amareladas e esfarrapadas contrastam com a riqueza da púrpura do pai.

Rembrandt pinta com riqueza de detalhes este filho que volta. Roupas amareladas e esfarrapadas sendo abraçadas por um pai na riqueza de suas roupas púrpuras. Na verdade, Rembrandt não imagina um abraço, mas mãos colocadas sobre os ombros do filho que volta. Isto é emblemático. “Vejo diante de mim um homem que se afundou numa terra estranha e perdeu tudo o que levou consigo. Vejo um vazio, humilhação e derrota. Ele, que era tão semelhante ao pai, agora está em pior situação que os empregados de seu pai. Tornou-se um escravo. O que aconteceu com o filho no país distante?”. É simples perceber que “quanto mais me distancio do lugar onde Deus habita, tanto mais incapaz me sinto de ouvir a voz que me chama [de] O Amado; quanto menos ouço aquela voz, mais enredado eu fico na manipulação e nas tramas de poder do mundo”. (N, p. 51-2)

O filho mais novo somente se deu conta de que estava perdido, quando foi isolado pelas pessoas ao redor. Em completa solidão não foi mais considerado um ser humano. Assim precisou se contentar com o que comiam os porcos, para sobreviver. Neste momento absurdamente crítico de sua vida, reconheceu novamente sua filiação.

Apesar de ter perdido toda a dignidade imaginável, a volta do filho mais novo começa exatamente quando se dá conta da sua filiação. No momento em que sua mente cansada e debilitada elabora os pensamentos “…Pai, pequei contra o céu e contra ti. Não sou mais digno de ser chamado teu filho…” o jovem encontra novamente o alicerce de sua vida.

“...pai, pequei contra o céu e contra ti...”

Sair da casa do pai é fácil e rápido. Voltar do estrangeiro (do estranho à vida normal!) é normalmente um caminho longo e difícil.O pensamento inicial “pai, pequei contra o céu e contra ti” precisa de concreticidade, precisa virar palavras audíveis diante do personagem concreto, o pai. E, se o pai não me aceitar? Longo e doloroso pode ser este caminho da volta!

“Um dos grandes desafios da vida espiritual é o de receber o perdão de Deus. Há alguma coisa em nós humanos que faz com que nos apeguemos aos nossos pecados e impede-nos de deixar Deus banir o nosso passado e nos oferecer um recomeçar inteiramente novo”. (N, p. 59)
Consigo reconhecer o filho mais jovem em mim mesmo? O exercício de uma análise pessoal é algo possível para mim neste momento?

“...tenho tanto medo de não ser amado, de ser culpado, posto de lado, superado, ignorado, perseguido e morto…”

Quando esquecemos a voz paterna, a voz do primeiro amor de Deus, passamos a precisar ouvir outras vozes. Nem todas as vozes são bem intencionadas. A mídia nem sempre quer revelar a verdade, os professores nem sempre querem ensinar apenas o conhecimento estabelecido e cristalizado, famílias nem sempre seguem a voz paterna e consoladora de Deus. Constantemente caimos em armadilhas que exigem o sucesso e o reconhecimento — enquanto houver prestígio (dinheiro!) à vontade.

“Eu tenho tanto medo de não ser amado, de ser culpado, posto de lado, superado, ignorado, perseguido e morto, que estou constantemente criando estratégias para me defender e consequentemente garantir o amor que acho que preciso e mereço. Assim fazendo, me distancio da casa de meu pai e escolho habitar um ‘país distante’ (N, p.46)

Posso retornar! Devo voltar! Rembrandt vê na parábola os olhares críticos de quatro personagens, dois deles em meio às sobras. No entanto, no centro de tudo, está a cena da redenção e do acolhimento. O centro da pintura — e da parábola — está no resultado da iniciativa: voltar para casa. É “caminhar passo a passo em direção Àquele que me espera de braços abertos e deseja me envolver num eterno abraço”. (N, p.12)

Existem muitas sombras no quadro — característica de Rembrandt — e a parábola igualmente deixa muitas sombras. O que acontece com o filho mais velho? O que acontrece com o pai? Quem são as outras pessoas observando a cena?

No anseio de uma volta definitiva — sua e minha — ao lar paterno, precisamos saber dessas outras pessoas. No próximo domingo (na próxima pregação), se Deus permitir, estaremos falando desse filho mais velho. Poderia ser alguém de nós? Que Deus nos guarde de provocarmos rupturas que tragam prejuízos à nossa vida. Mas, se isso acontecer, que tenhamos dignidade de voltar.

Amém!


Autor(a): Pr. Rolf Rieck
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste / Paróquia: Rio de Janeiro - Martin Luther (Centro-RJ)
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 15 / Versículo Inicial: 11 / Versículo Final: 32
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 59653
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Quando eu sofro, eu não sofro sozinho. Comigo sofrem Cristo e todos os cristãos. Assim, outros carregam a minha carga e a sua força é também a minha força.
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