Estimada comunidade,
Neste tempo de crise, de isolamento social, de transtorno na economia, de risco de vida, as autoridades de saúde têm desempenhado um trabalho muito importante. Devido ao seu conhecimento sobre doenças e como as doenças se propagam, as autoridades sanitárias realizam um papel fundamental em orientar as pessoas sobre quais medidas de prevenção e cuidado são mais eficazes neste tempo de crise. É verdade que nem sempre as suas orientações são bem-vindas. As autoridades na saúde muitas vezes desempenham a difícil tarefa de trazer notícias que não agradam, como o uso obrigatório das máscaras nos espaços públicos, ou a urgência de paralisar as atividades econômicas não- essenciais para não sobrecarregar o sistema de saúde. Tarefa ingrata. Missão difícil que bate de frente com a resistência de muitas pessoas.
Assim também foi a tarefa do profeta Jeremias em seu tempo e lugar. Jeremias, chamado por Deus para ser profeta, teve de falar a mensagem de Deus em tempos de crise. Muitas vezes, a mensagem batia de frente com a expectativas das lideranças e do povo. Quem ouviu o culto no domingo passado provavelmente há de se lembrar da queixa do profeta diante de Deus (Jr 20) - um lamento do profeta por causa do desprezo e do sofrimento que a resistência das pessoas gerava na vida de Jeremias.
Hoje, neste culto, nos deparamos com um outro momento na vida e missão do profeta Jeremias. Em Jr 28 trata-se do encontro, melhor dizendo, do embate entre dois profetas que dizem falar em nome de Deus, Jeremias e Hananias. No pátio do templo em Jerusalém entra Hananias e, na presença das autoridades e do povo e em nome de Deus, o profeta prevê o futuro do templo e da cidade de Jerusalém: dentro de dois anos os tesouros que o rei da Babilônia havia retirado do templo seriam devolvidos e o rei Joaquim e os demais membros da corte e do templo, que foram levados ao exílio, iriam retornar a Jerusalém.
Jeremias, por sua vez, na presença das autoridades e do povo, no pátio do templo e em nome de Deus, contesta publicamente as palavras de Hananias. Jeremias contradiz o futuro de paz anunciado por Hananias. Eis o cenário do confronto entre dois homens que se dizem enviados por Deus para anunciar a Palavra do Senhor. Qual deles está falando a verdade? Como entender esta mensagem para nós – nós que vivemos num tempo e lugar diferentes?
Uma regra de interpretação que vale para qualquer texto, inclusive para o texto bíblico, é esta: um texto tem o seu contexto. E o contexto nos ajuda a entender o texto. Digo isto porque o texto que nós lemos e ouvimos hoje faz parte de um contexto maior, de uma história que está registrada no livro de Jeremias. O livro de Jeremias narra um tempo de crise e dificuldades na vida do povo de Deus. E não foi curto o tempo de crise. O livro de Jeremias com 52 capítulos narra a longa crise gerada pela Babilônia, um país distante que tinha pretensões de construir um grande império, subjugando outros povos e cobrando impostos para manter o seu exército e sustentar a vida luxuosa da elite imperial. O livro de Jeremias narra o antes, o durante e o depois da crise gerada pela Babilônia.
Pois a região de Judá e a cidade de Jerusalém também foram vítimas do apetite voraz da Babilônia. No ano 598 a.C. a cidade de Jerusalém foi invadida, o templo saqueado e o rei Joaquim e muitas lideranças foram levadas ao exílio. Babilônia determinou que Zedequias reinasse em seu lugar, desde que permanecesse submisso ao poder da Babilônia. A esperança de liberdade, porém, movia o rei fantoche Zedequias a tramar planos contra a Babilônia. É dentro deste contexto de crise que surge Hananias com a mensagem: Deus vai derrubar o rei da Babilônia, os tesouros do templo serão devolvidos e o povo no exílio haverá de retornar. Hananias fundamenta sua profecia na crença de que Jerusalém tinha a garantia de paz, proteção e segurança por causa da presença de Deus no templo. No livro de Jeremias percebemos tal crença na boca de outras pessoas. Elas também acreditam que o templo de Jerusalém, onde Deus habita, é a garantia de que nada de mal poderia ocorrer com Jerusalém e seus habitantes, e isto lhes era suficiente. A profecia de Hananias, portanto cai bem aos ouvidos das autoridades e do povo. O anseio pela independência é grande e as palavras de Hananias agradam seus ouvintes.
Exceto Jeremias, que desde o princípio de sua missão alertava as autoridades e o povo que uma grande crise se aproximava. A mensagem de Jeremias era acolhida com resistência. Confiar que somente o templo de Jerusalém – sinal da presença de Deus - é a garantia da paz não é a mensagem de Jeremias. Sua mensagem é de juízo, de mudança de vida, de conversão, de confiar em Deus mesmo e especialmente em tempos de crise.
É verdade que na terra de Judá e na cidade de Jerusalém existiam muitas atitudes erradas, muitas injustiças praticadas contra o próximo e até mesmo a idolatria, o ato de prestar culto a outros deuses. Quem lê o livro de Jeremias com ouvidos atentos, porém, percebe que a situação de crise não tem explicações fáceis e superficiais. Existem situações onde as pessoas colhem os frutos de sua própria maldade. Mas também existem situações onde as pessoas sofrem por causa da maldade e injustiças de outras pessoas. As ambições imperiais da Babilônia eram subjugar e dominar Judá e qualquer outro povo próximo. E de fato foi isto que aconteceu, confirmando a mensagem e profecia de Jeremias. Alguns anos mais tarde, o exército da Babilônia retornou de novo e desta vez arrasou completamente a cidade de Jerusalém, destruindo o templo e carregando uma parcela de sobreviventes para o exílio.
Estimada comunidade, quais as lições que esta mensagem tem para nós, nós que vivemos num tempo e lugar diferentes de Jeremias?
Para início de conversa esta é a primeira lição, a profecia de crise e dificuldades anunciada por Jeremias não se aplica diretamente ao nosso chão e ao nosso tempo presente. É irresponsável pegar este texto de Jeremias como se fosse uma previsão da crise que nós estamos vivendo hoje.
Uma segunda lição importante é que a mensagem de Deus nem sempre será uma palavra que vai agradar os ouvidos das pessoas. A Palavra de Deus não promete que nós seremos poupados de crises e dificuldades Muito pelo contrário, muitas vezes a Palavra de Deus gera uma crise nas nossas vidas, questionando os nossos caminhos, confrontando nossas atitudes, clamando por mudanças e conversão nas nossas vidas. E observem que eu não estou falando de mudanças apenas na vida de outras pessoas, mas sim mudanças na minha vida, na sua vida, na nossa vida. A mensagem que o profeta Jeremias anunciou era dirigida às autoridades, ao povo, mas também a ele mesmo. Junto com o povo e autoridades, Jeremias teve de enfrentar o tempo de crise e dificuldades que ele mesmo anunciava na sua mensagem.
E este ponto me traz a uma terceira e última lição. A confiança de que Deus nos acompanha e nos sustenta em meio às crises e dificuldades. Sejam crises pessoais, sejam crises na comunidade, sejam crises de fé, sejam crises de injustiça e sofrimento provocadas por outras pessoas, sejam crises de saúde, Deus continua sendo Deus. Babilônia e seu exército estão debaixo do poder de Deus e não tem a última palavra. O mal que existe neste mundo está debaixo do poder de Deus e não tem a última palavra. Deus continua sendo Deus, nos acompanhando e nos sustentando neste tempo e no tempo porvir. Amém.
Fontes que ajudaram na elaboração: A Commentary on Jeremiah de Walter Brueggemann; comentário online auxílio homilético de P. Odair Braun publicado no site luteranos.com.br em 29/06/2008
PS: Gostaria de ter incluído uma relação com Jesus. sua cruz e ressurreição. Fica para outra oportunidade.