O Contexto da Reforma

01/09/2017

O CONTEXTO DA REFORMA

Para que possamos compreender a importância da Reforma Luterana, que completa seus 500 anos em 31 de outubro, é preciso que, antes, inteiremo-nos dos acontecimentos que a antecederam.

À época, no final do século XV, a Igreja Católica entrava em crise. Até então, ela regulava a vida de homens e mulheres – do nascimento à morte –, estabelecendo padrões de comportamento moral e práticas a serem seguidas por quem quisesse garantir seu lugar no céu. Influenciava a população por meio de dogmas e controlava, entre outros campos, a Educação, haja vista que as universidades eram extremamente ligadas à Igreja, que decidia sobre seus conteúdos, professores e alunos, monopolizando o conhecimento. Realizava ainda a venda de cargos eclesiásticos. A preocupação da Cúria, portanto, não se voltava tanto para a salvação das almas – para a qual cobrava taxas, impostos e doações –, mas para a aquisição de terras e para a arrecadação de dinheiro para cobrir seus gastos com construções e despesas militares, como destaca o historiador Martin Dreher (1996) no livro A Crise e a Renovação da Igreja no Período da Reforma. O momento anterior à Reforma, saliente-se, era marcado pelo feudalismo. Os senhores feudais, com poder e influência, nomeavam os bispos de suas regiões, que eram, em sua maioria, filhos de aristocratas. Papado e Império, religião e política, então, estavam relacionados.

Nesse contexto, também passaram a se tornar públicos os abusos cometidos pelo clero: uso das riquezas individuais para comprar posições religiosas, ocupação simultânea de diferentes cargos, rejeição às normas do celibato, entre outras corrupções morais.

A Igreja já não satisfazia os interesses dos burgueses (porque proibia o empréstimo de dinheiro a juro e determinava os modos de negociar, em tempos de capitalismo emergente), nem dos reis e príncipes (porque recolhia taxas e tributos que eram enviados a Roma – sede do papado) e tampouco dos fiéis (que observavam a incoerência entre a doutrina ensinada e os luxos ostentados pelos membros da Cúria). Não obstante, o fim da Idade Média se caracterizava como um período de incerteza teológica. Alguns movimentos, inclusive, já tinham pedido reformulação e contestavam a tradição constituída: cátaros, valdenses, albigenses e hussitas estiveram entre os que discordaram dos princípios estabelecidos pelo catolicismo medieval.

Em 1517, porém, a venda de indulgências (iniciada no século XIII) chamou a atenção de Lutero e fez com que ele – à época monge agostiniano e professor universitário – escrevesse suas conhecidas 95 teses, afixando-as na porta da igreja do castelo de Wittenberg. Lutero pretendia promover a revisão da concessão do perdão mediante contribuição financeira, mas o que conseguiu se refletiu na área política, social, econômica, moral e intelectual – de sua época e também da nossa.

O REFORMADOR

Lutero ingressou no mosteiro agostiniano da cidade de Erfurt, em 1505 – quando tinha 22 anos. Chegou à conclusão de que a Igreja inventava doutrinas para benefício próprio. Discordando da venda de absolvições, publicou suas reivindicações. Conforme explica o mestre em História Rogério Pereira da Cunha (2017), no livro 500 anos de reforma protestante: perspectivas e reflexões, a propagação das ideias de Lutero, explícitas nos seus mais de 400 escritos, foi facilitada pela prensa móvel, invenção de Johannes Gutenberg, e também pela utilização de línguas populares – diferentes do latim, do grego e do hebraico empregados até então.

Sua notoriedade foi percebida pelo papado, que se sentiu afrontado e o convocou para prestar explicações, em Roma, em 1518 – mesmo ano em que escreveu o Sermão sobre Indulgências e Graça. O papa aceitou que o processo fosse conduzido pelo Cardeal Cajetano, em Augsburgo, e ficou decidido que uma retratação de Lutero seria necessária. O que não ocorreu.

Mais tarde, em 1520, reforçando seu antagonismo ao sistema clerical, escreveu quatro livros: À Sua Majestade Imperial e à Nobreza Cristã sobre a Renovação da Vida CristãSobre a Escravidão Babilônica da Igreja, Da Liberdade Cristã e Sermão das Boas Obras. O papa, então, emitiu uma bula de ameaça de excomunhão, determinando que Lutero revogasse tudo que havia documentado, considerando-o um herege. O monge, mais uma vez, desacatou e tratou de queimar o documento em praça pública, desafiando o poder do papa. A sentença definitiva saiu em janeiro de 1521 na bula Decet Romanum Pontificem.

Já em abril de 1521, compareceu à Dieta de Worms – assembleia do parlamento alemão presidida pelo imperador Carlos V – e, novamente, manteve-se fiel aos seus escritos, alegando razões de lealdade à Bíblia e à liberdade de consciência. Foi proscrito pelo imperador. Considerado um fora da lei, poderia ser morto por qualquer pessoa. Refugiou-se, então, no Castelo de Wartburgo, onde traduziu o Novo Testamento grego para o alemão. De volta a Wittenberg, escreveu outros muitos livros. Foi professor na Universidade. Casou-se, em 1525, com Catarina von Bora – rompendo definitivamente com a Igreja, que exigia o celibato de seus religiosos – e teve seis filhos.

Suas ideias se alastraram pela Europa no período em que os Estados Nacionais ganhavam estabilidade. Em uma época de absolutismo político e religioso, quando as condenações por heresia levavam à fogueira, Lutero conseguiu o engajamento da população e o apoio dos príncipes. Por incrível que pareça, o monge que queria reformar a Igreja Católica acabou sendo a pedra fundamental para o surgimento de um novo pensamento religioso: o luteranismo. A Igreja Católica, por sua vez, acolheu grande parte das ideias de Lutero e foi mesmo reformada.

O processo iniciado há cinco séculos gerou efeitos no mundo do trabalho, na Educação, na economia, na cultura, na política e em diversas outras áreas. Celebrar o quinto centenário da Reforma, portanto, é relembrar essas transformações que ultrapassaram o campo religioso e revisar sua presença nos dias em que vivemos.
 


Âmbito: IECLB
Área: História / Nível: 500 Anos Jubileu
Natureza do Texto: Artigo
ID: 43606
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Martim Lutero
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