O bem-te-vi pregador

Artigo

09/12/2005


No templo da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, em Pirabeiraba-Joinville, localiza-se uma estátua interessante e de valor artístico significativo. A obra foi esculpida pelo artista num tronco de cedro e foi denominada: Cristo, o Consolador..

Ao lado do Cristo Bom Pastor ou do Cristo Redentor e também do Cristo, o Libertador, nos deparamos na comunidade de Pirabeiraba com o Cristo Consolador!

O trabalho do artista, feito com muito esmero, encanta por sua magnitude. As linhas obedecem ao perfil e às dimensões do tronco de cedro. A mão direita do trabalho esculpido fala por si; é mão estendida em direção à comunidade como se estivesse convidando para buscar lugar de acolhida junto ao Senhor que conforta, fortalece e promove a paz. Num plano superior, localiza-se a mão esquerda, ela está dobrada. Cristo Consolador segura junto ao peito uma criança. A expressão é de abraço carinhoso que transmite afeto, segurança e tranqüilidade.

Há poucos dias, em decorrência da realização de um ofício fúnebre, me fiz presente naquele templo. Chamou-me a atenção, naquele lugar, um bem-te-vi. Arredio e meio assustado, diante da presença de pessoas reunidas, o pássaro tão comum em nossa região buscou refúgio no alto da estátua do Cristo Consolador.

O bem-te-vi perdido naquele espaço estranho do templo e, depois de ter voado de um lado ao outro, pousou sobre a cabeça da criança esculpida junto ao peito do Cristo Consolador. Lá do alto, embora acuado e um tanto nervoso, o pássaro sentiu uma sensação intuitiva de proteção. O bem-te-vi observava a comunidade diante de si.

O visual me fez associar os conteúdos de um sermão. Também o pássaro, uma boa criação de Deus, encontra lugar para descansar junto do Cristo que consola, acolhe e traz segurança. Seres humanos, sendo criaturas de Deus, estão conscientes desse fato. Essa realidade, porém, não deixa de ser exclusividade das criaturas humanas. Também ao bem-te-vi, criação valiosa e bonita no mundo, o jardim de Deus, é dada a liberdade de viver em segurança e em proteção.

Jesus Cristo, em seu tempo de vida, animava as pessoas adultas entendidas na Torá, o código das leis do povo de Israel, a aprenderem lições com as crianças. As crianças, excluídas da sociedade e da comunidade, viviam à margem. Em nossos dias, o recado continua. Um bem-te-vi pousado sobre a cabeça da criança, acolhida em segurança pela mão amiga do Cristo Consolador, assumiu o papel de pregador e mestre.

Assim como o bem-te-vi se aventurou e voou, ainda que inconscientemente para dentro do templo de Pirabeiraba, a história do Advento do Salvador tem características de aventura. Adventus, em latim, significa vinda, chegada; até aqui, nenhuma novidade. No entanto, adventus também tem o significado de aventura. Diante do mistério da realidade, tanto as criaturas humanas quanto os pássaros criados por Deus experimentam insegurança, vivem na intranqüilidade e passam pelo medo angustiante.

Se até o bem-te-vi descobre lugar seguro para se apoiar na madeira de uma estátua de cedro, quanto mais nós, seres humanos, nas mãos do Deus-Emanuel! Advento-Natal, na realidade, nada tem de magia. A presença da cruz, o peso da negação e do sofrimento são marcas determinantes da vida do Cristo salvador e consolador. Jesus Cristo, o aventureiro de Deus neste mundo que lhe foi hostil até a morte na cruz, sentiu-se acolhido e guardado nos braços de Deus. Assumiu a qualidade de rei e senhor do universo, não em razão da força de armas ou em virtude do poder político. Foi Deus quem o enviou ao mundo, permitindo que nascesse em Belém, na manjedoura, na estrebaria em meio aos animais, distante do centro do poder.

Na mitologia grega é Atlas, o Gigante, que carrega o globo sobre seus ombros. O Evangelho anuncia que uma criança carrega o universo em seus braços!

O Deus da família cristã age de modo abscôndito, às avessas. É um Deus desconhecido, a menos que Ele mesmo se revele. Na história da humanidade, a revelação ocorreu de forma estranha, nada divina. Deus se revelou na condição de uma criança indefesa ou como bode expiatório, na cruz. Nos dias de hoje, pode se materializar num pássaro acuado que vive o acolhimento e sente proteção em meio ao mistério da realidade. Também um bem-te-vi está a serviço da graça de Deus!

Manfredo Siegle
pastor sinodal do Sínodo Norte-catarinense
da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
em Joinville - SC
Jornal A Notícia - 09/12/2005


Autor(a): Manfredo Siegle
Âmbito: IECLB / Sinodo: Norte Catarinense
Natureza do Texto: Artigo
ID: 7695
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