Lembro quando fui fazer a primeira aula de informática em 1982. O professor nos encheu de teorias numéricas. Os números 1 e 0 em diversas combinações on e off de impulsos elétricos (ligado e desligado), eram identificados pelas máquinas (computadores) como códigos que constituíam e faziam rodar programas. Daí por diante o desenvolvimento técnico-científico se expandiu de forma excepcional. O admirável mundo novo” de Aldous Huxley se abria à nossa frente. Quantas oportunidades! E nós adolescentes nos sentíamos poderosos em dominar a linguagem da informática. E perseguíamos resultados, atrás de resultados.
O problema do código binário é que ficamos apenas na “superfície” das plataformas dos programas e não mergulhamos a fundo para tentar entender o que acontece em todo o sistema. Na verdade, muitos nem estão aí para saber o por quê as coisas são assim ou assado. Essa lógica binária se expande pelas relações comerciais, pessoais, eclesiais e sociais; infestando de frieza numérica o coração das pessoas e das instituições. E é dessa forma que a tecnologia domina e escraviza. O prazer pelo prazer se torna a norma e o amor é sufocado. Falta tempo, falta paciência, falta criatividade para viver, falta comunhão. Nesse sentido, somos levados por essa lógica a não questionar mais o porquê e o para quê das coisas. Contudo, o raciocínio é um dom de Deus e permite que nos situemos diante daquilo que se passa à nossa volta.
Lembro de Rubem Alves descrevendo uma criança que até certa idade compreende o mundo em código binário. Ela cospe, se for ruim, e engole, se achar gostoso”. Mas, crescemos e não podemos cuspir tudo que achamos ruim. Precisamos engolir alguns “sapos”. Pois, o mundo se tornou um emaranhado de códigos complexos. Temos que discernir a respeito de todas as matizes da mesma verdade e tolerar aquilo que não entendemos ou não concordamos. Precisamos distinguir entre o que é bom ou ruim, mas, também, sobre o que é necessário para bem viver. Contudo, as pessoas são induzidas pela ideologia dominante a pensar de forma conservadora (e binária) e a não questionar o sistema, os costumes, modismos e padrões vigentes.
A educação bancária, que impede de pensar autonomamente e que querem implantar novamente como modelo nas escolas, é tida por alguns como solução para a civilização moderna. Também em empresas (e até mesmo em Igrejas) troca-se a noção de formação por treinamento. O ser humano, que foi dotado de capacidade criativa, torna-se um mero joguete nas mãos de seu semelhante que o manipula. Ou seja: alguém programável! O perigo é que ao reduzir o ser humano a um objeto - peça da engrenagem -, condena-se a sociedade à supressão sistemática da liberdade. O caso é que não somos autômatos. E nisso, Charles Chaplin pode nos ajudar a compreender nossa verdadeira essência: “não sois máquinas, homens é que sois”. Por isso, é que não devemos nos limitar aos “programas que nos são impostos, pois somos infinitamente superiores à linguagem binária e fria das máquinas. Nesse sentido, precisamos ouvir a voz de um “selvagem”, como o apóstolo Paulo seria considerado nos dias atuais, que nos liberte das correntes da civilização tecnicista: Cristo nos libertou para que nós sejamos realmente livres. Por isso, continuem firmes como pessoas livres e não se tornem escravos novamente”. Gálatas 5.1
Isso significa que Deus não quer que nenhum ser humano se utilize de nenhum esquema, legal, moral, ético, religioso ou lógico (antigo ou novo) para escravizar outro ser humano ou a uma sociedade inteira. Visto que nossa linguagem, a linguagem do amor, é humanizadora e infinitamente melhor do que a linguagem binária. Com ela compreendemos quem somos: filhas e filhos do Deus que é amor (1 Jo 4.8), criados a sua imagem e semelhança (Gn 1.26) e salvos a despeito da lógica mundana: Porque a palavra da cruz é loucura para os que perecem; mas para nós, que somos salvos, é o poder de Deus” (1Co 1.1-18). Somos seres dinâmicos e livres. Nesse sentido, aguardamos e buscamos os novos céus e nova terra aonde habita a justiça” (2Pe 3.13) e não um “admirável mundo novo”. Não sejamos iludidos pela falsa liberdade hedonista que anula as consciências e escraviza os corações. Portanto, tenhamos cuidado para não nos tornarmos escravos dos “números.