Mulheres reformadoras e sua força intelectual

27/09/2017

 

Mulheres reformadoras e sua força intelectual

Ruthild Brakemeier

Introdução

Nísia Floresta (1989) ‘envolveu-se para remover os obstáculos que retardavam os progressos da educação das mulheres no Brasil. Em meados do século XIX, o estudo regular do ensino secundário ainda era vedado às meninas em estabelecimento público, porque se considerava a instrução intelectual inútil, quando não prejudicial às meninas’. (internet)

Como a mulher era vista na época da Reforma

Na época da Reforma, as mulheres eram muito discriminadas. O filósofo Aristóteles havia afirmado que as mulheres não são outra coisa do que homens incompletos, “homenzinhos aleijados” . Sua única função seria a reprodução.

Era tão grande a influência desta concepção, que a mulher casada era quase considerada um ser de segunda ordem. Numa procissão, por exemplo, as mulheres casadas formavam o último grupo.

Em compensação, a Igreja medieval criou o ideal da mulher celibatária que vivia nos conventos. Seu status religioso era considerado o mais elevado e perfeito.

Lutero opôs-se às duas concepções, defendendo que o matrimônio é uma instituição divina. No seu escrito “Da Vida Matrimonial” argumenta que Deus criou homem e mulher à sua imagem. Ele diz: “Deus quer que essas boas criaturas sejam honradas e respeitadas como obra divina e não permite que o homem despreze ou ridicularize a mulher ou a moça”.

A proclamação desta verdade foi um avanço extraordinário em direção à valorização da mulher. No entanto, Lutero também esteve preso à estrutura patriarcal de seu tempo, quando concordou com o conceito de que a mulher continua sendo inferior ao homem. Seus argumentos: Em toda a natureza, a força masculina está acima da feminina. Eva cedeu à tentação, por ser o sexo mais fraco. Como castigo pelo seu pecado deve agora subordinar-se ao poder do homem e sua área de domínio ficará restrita exclusivamente à casa, enquanto a regência fora de casa cabe unicamente ao homem.

Um motivo para discriminar a mulher também foi a opinião de que ela seria menos inteligente do que o homem. Um dos argumentos foi que a inteligência e a tarefa são dedutíveis da constituição física: O homem, por ter o peito mais largo, é também mais inteligente, e a mulher, por ter os quadris mais largos, está predestinada a ficar em casa, para criar filhos. “Não há saia que fica tão mal para a mulher, casada ou solteira, do que querer ser inteligente”

O exemplo de sua esposa deve ter levado Lutero muitas vezes a duvidar de sua própria posição referente às mulheres. Prova disso são os títulos que dava à Katharina, nas cartas que lhe escrevia, como: “meu querido senhor”, “doutora luterana”, “santíssima senhora doutora”, e outros mais.

Lutero também teve contato com outras mulheres instruídas. Ele trocava cartas com elas e até as incentivava a se empenharem em favor dos princípios da Reforma. Uma delas foi Argula von Grumbach, que chamou de “discípula de Cristo” e “um instrumento especial de Cristo”. Não se tem nenhum conhecimento de que Lutero a tenha criticado por sua ousadia de desafiar os professores da universidade de Ingolstadt a discutir com ela. Ela havia argumentado em sua carta que Jesus também falou com mulheres, razão porque eles também poderiam falar com ela. Os professores não quiseram fazer isto. Mas a carta foi divulgada e lida, pois em um único ano foi editada 16 vezes. Além desta carta Argula escreveu ainda outras sete, que somando 30.mil exemplares.

Mulheres regentes

Princesa Amalia (1539-1602) . Foi regente de uma região no Baixo-Reno, onde defendeu a fé evangélica (reformada). Após viuvar pela segunda vez, acolheu crianças para ensinar-lhes o evangelho.

Duquesa Elisabeth von Calenberg-Göttingen. Sua biografia está no livro “Mulheres no movimento da Reforma”. Lançou o fundamento da atual Igreja Territorial de Hannover.

Meninas também devem ir à escola

A aquisição de conhecimentos ocupava um lugar privilegiado na vida de Lutero. Ele mesmo se julgava feliz por ter tido a oportunidade de estudar. Uma palavra sua:

Consegui, por meio da pena, chegar ao ponto de não querer trocar com o imperador turco, nem possuir todos os seus bens em troca de meus conhecimentos. Sim, não aceito em troca os bens do mundo inteiro muitas vezes multiplicados.

A valorização do estudo foi o motivo por que se empenhou em favor da fundação de escolas. Em 1524 escreveu uma carta “aos Conselhos de Todas as Cidades da Alemanha, para que Criem e Mantenham Escolas Cristãs”. Nela defende que sejam instituídas as ”melhores escolas tanto para meninos como para meninas em toda parte” . Todas as pessoas deveriam saber ler a Bíblia. Por isso não excluiu as meninas da alfabetização.

No entanto, Lutero fez uma distinção entre os sexos, referente ao tempo que deveriam ficar na escola e suas tarefas em casa. Levando em consideração que as crianças também ajudavam em casa, ele diz

Minha ideia é a seguinte: os meninos devem ser enviados a essas escolas diariamente por uma ou duas horas e, não obstante, fazer o serviço em casa, aprender um ofício ou para que sejam encaminhados, para que as duas coisas andem juntas enquanto são jovens. [...] Também as meninas podem dispensar diariamente uma hora para ir à escola e, ao mesmo tempo, cumprir perfeitamente suas tarefas domésticas.

Philipp Melanchton (companheiro de Lutero) tinha o apelido de “Professor da Alemanha”. Ele defendia a obrigatoriedade da educação para todas as crianças, como sendo a condição para se tornarem membros úteis da sociedade.
Em 1530 foi fundada uma escola para meninas em Wittenberg.
Melanchton editou vários livros didáticos. Criou a Escola Superior.

Lutero teve êxito com seu incentivo à fundação de escolas e a insistência de que também as meninas deveriam estudar. Pesquisadores analisaram estatísticas prussianas dos anos 1816 a 1871 e constataram: Quanto maior o número de protestantes que viviam numa certa província, maior era também o número de meninas que frequentavam o grau fundamental. Isto, porque também os pais queriam que as meninas soubessem ler e escrever.

Os mesmos pesquisadores analisaram também o grau de instrução de adultos no ano de 1871 e descobriram: mulheres protestantes sabiam ler e escrever melhor do que homens católicos. Um outro dado é do ano de 1908: o número de estudantes femininas protestantes era oito vezes maior do que o número de estudantes masculinos católicos.

Ainda hoje se faz sentir esta influência protestante no mundo. Deve-se, no entanto, levar em consideração que as mulheres também tiveram que lutar por seu espaço na sociedade. Alguns exemplos o mostram.

Mulheres que apostaram na sua força intelectual

Marie Dentière (1490/5-1561). Em 2002, seu nome foi gravado no Monumento Internacional da Reforma, em Genebra, como o único feminino. Isto aconteceu em reconhecimento ao seu empenho destemido pela divulgação dos princípios da Reforma e sua luta pelo direito de pregação das mulheres. Em 1539 foram publicados dois livros de sua autoria que alcançaram um número grande de leitores: “História da Reforma em Genebra” e “Apologia das Mulheres”. Eles haviam sido editados sob um pseudônimo. Quando ficou conhecido que a autora era uma mulher, os livros foram proibidos e o editor foi preso.

Sabe-se pouco sobre os primeiros anos de vida de Marie. O que se sabe é que era de família abastada e ingressou bem jovem num convento das Agostinianas. Foi eleita abadessa, mas, ao ler as pregações de Lutero, abandonou sua posição e uniu-se à Reforma. Morou durante algum tempo em Estrasburgo. Mas, ao casar, mudou-se para a Suíça.

Marie defendia o direito de pregar, usando argumentos bíblicos, como: “Houve uma pregadora maior do que a Samaritana que não teve receio de falar com Jesus e depois confessou publicamente que devemos adorar Deus em espírito e palavra? (...) Eu pergunto: “Existem dois Evangelhos, um para os homens e outro para as mulheres?”

Apesar de entrar em conflito com as autoridades políticas da cidade de Genebra e o reformador Calvino, não silenciou. Num dos seus escritos, em forma de carta à Rainha de Navarra na França, defende o direito das mulheres a uma formação acadêmica.

Magdalena Heymair (ca. de1535 a 1586).

Ela é a primeira mulher cujos escritos pedagógicos foram publicados antes do século XVII. Como professora criou seu próprio material didático que foi amplamente divulgado. Entre 1566 e 1578 escreveu vários livros, sobretudo livros de canto. Ela colocava textos bíblicos em forma de cantos, divulgando assim figuras femininas da Bíblia e outros textos que considerava importantes. Sua convicção era: a melhor maneira de guardar verdades no coração, é cantá-los. Seus versos substituíam em parte as lendas dos santos católicos nas escolas protestantes. Suas melodias eram, em parte, tiradas dos hinários eclesiásticos, mas também cantos folclóricos. Os livros foram várias vezes reeditados.

Ana Maria Schürmann (1607-1678.

Ela foi chamada de “Estrela de Utrecht”, mas também “Alfa das Mulheres” e “Tocha da Sabedoria”. Nasceu em Colônia, Alemanha, onde seus pais encontraram refúgio, após serem perseguidos por causa da sua fé evangélica, na região dos Países Baixos. Quando a perseguição chegou à cidade da Colônia, a família voltou aos Países Baixos.

Ana Maria participava das aulas dos seus irmãos, administradas pelo seu pai. Assim aprendeu latim, grego, francês e pelo menos mais sete outras línguas.
Depois da morte do pai, tornou-se autodidata, com a ajuda de alguns professores. Um deles, Gisbert Voetius, professor de teologia, conseguiu despertar nela o entusiasmo por reformas eclesiásticas e permitiu que participasse de aulas na Universidade de Utrecht. Mas ela só pôde participar escondida da visão dos estudantes masculinos atrás de um pano.

Duas frases de sua autoria: “Minha tese é que uma mulher cristã deve ter acesso a um estudo das ciências”. “Porque, se sabedoria é de fato um ornamento tão grande para o ser humano, (...) então não entendo por que não se concederia a uma menina esta joia que de longe é a mais bonita”.

Elisabeth Gnauck-Kühne (1850-1917)

Ela foi a primeira mulher a receber a permissão de estudar ciências sociais, economia política e estatística na Universidade de Berlim, em 1890. Antes, tinha sido professora e havia fundado um Instituto, no qual mulheres jovens pudessem preparar-se para a tarefa de dona de casa e mãe. Ela teve que abandonar a profissão, após 13 anos de trabalho no instituto, quando casou. Divorciou-se ainda no mesmo ano, o que foi um escândalo na época.

Mesmo assim, conseguiu um lugar de estudo na Universidade. Este o levou a interessar-se pelas mulheres operárias e lutar pelos seus direitos. No 6º Congresso Evangélico-Social foi convidada a proferir a palestra principal. Seu tema foi: “A situação social das mulheres” . Ela distinguiu entre a problemática da mulher operária, que precisa de leis protetoras contra a exploração, e a problemática da mulher burguesa, que precisa do acesso às profissões que correspondem à sua índole materna.

Ao tomar a índole materna como base para as profissões, às quais a mulher deveria ter acesso, incluindo, por exemplo, a de médica pediatra, Elisabeth acentuou que se tratava de uma disposição natural psicológica e não biológica da mulher. Sendo assim, a realização da mulher não dependia do casamento.

A palestra complementar esteve a cargo do Pastor Adolf Stöcker. Ele ressaltou os limites da atuação da mulher na sociedade e foi categórico: “A mulher é a guardiã e sacerdotisa da vida familiar. Quando casada, ela tem a profissão mais elevada” . Stöcker considerava a educação ginasial e universitária prejudicial para a mulher.

Mulheres reformadoras no campo diaconal

As diaconisas (a partir de 1836)

Foi necessário que um homem corajoso, talentoso e piedoso abrisse às mulheres uma porta para profissões fora do seu ambiente familiar. Este homem foi Theodor Fliedner, no século XIX. Mas também foi necessário que mulheres corajosas, talentosas e piedosas passassem por esta porta que se abriu.

Apostando no potencial da mulher, Theodor Fliedner e sua esposa Friederike fundaram, em 1836, na pequena cidade de Kaiserswerth, um Seminário para Professoras de Escolas de Educação Infantil. Durante o primeiro ano já puderam ser preparadas 11 professoras e, em 10 anos, haviam sido formadas 260. Após um ano, outras 10 Escolas de Educação Infantil haviam sido fundadas na Província do Reno, somando 708 crianças, 9 professoras e 1 professor.

No mesmo ano de 1836, Fliedner e sua esposa também iniciaram com a formação de mulheres para a área da enfermagem. Este setor também evoluiu, de modo que em seis anos, 500 doentes haviam sido tratados no hospital por elas administrado.

Eram denominadas de Diaconisas, segundo a convicção de Fliedner, de que ele havia chegado o momento de renovar o ministério apostólico das diaconisas da Igreja Antiga. As diaconisas formavam uma comunhão, razão por que também eram chamadas de Irmãs.

O crescimento da Irmandade foi constante, de modo que no ano de 1900, o número era de 1.059 Irmãs. No entanto, pedidos por diaconisas habilitadas não paravam de chegar, não só de diversos lugares da Alemanha, mas também de cidades como: Madras (Índia), Nova York, Ilha da Madeira, Constantinopla (Turquia), Viena, Atenas, etc.

Casas de formação de diaconisas haviam sido fundadas em outras cidades. A fim de unir forças, Fliedner criou a Conferência Geral de Kaiserswerth, que ainda hoje existe e reúne 93 Casas Matrizes de Diaconisas no mundo.

As Sociedades Femininas Evangélicas

Enquanto a população das cidades industriais crescia, no decorrer do século XIX, aumentava também a miséria das grandes massas. Esta situação significava, obviamente, um perigo para a estabilidade da monarquia na Alemanha. A reação do Imperador Guilherme II e de sua esposa Augusta Vitória foi a fundação da “Sociedade Auxiliadora Evangélico-Eclesiástica”, em 1888, composta, inicialmente, só por homens. As mulheres queriam participar, e, assim, em 1899, formaram-se as Sociedades de Auxílio de Mulheres, sob o incentivo da imperatriz. Seu objetivo: levantar recursos para os “postos de diaconisas”, além de arranjar material para a enfermagem e costurar roupas para os doentes pobres.

O número de mulheres filiadas a estas sociedades cresceu muito rapidamente. Se, em 1900 iniciou com 86 senhoras, em 1912, havia crescido para 2.407 associadas. O exemplo destas sociedades deu origem no Brasil aos grupos de Ordem Auxiliadora de Senhoras Evangélicas - OASE.

A evolução da profissão da enfermagem

A Cruz Vermelha.

Ela deve a sua fundação a um banqueiro suíço, Henry Dunant (1828-1910). Durante a Guerra de Libertação da Itália contra a Áustria, em 1859, Dunant quis encontrar-se com Napoleão III e entrou, sem querer, na sangrenta batalha de Solferino. Profundamente abalado pela situação dos soldados feridos que morriam sem nenhum atendimento, organizou imediatamente uma campanha de ajuda aos soldados, sem perguntar se eram amigos ou inimigos.

A fim de prevenir que cenas semelhantes se repetissem, Dunant viajou por toda a Europa, tentando convencer chefes de Estado da necessidade de um tratamento melhor aos feridos nos campos de batalha. Em época de paz deveriam ser preparadas pessoas dispostas a socorrer os soldados na guerra. Desta forma, surgiram as organizações da Cruz Vermelha nos diversos países. Muitas Sociedades de mulheres assumiram o novo objetivo. Sua organização foi uma adaptação à forma das instituições de diaconisas. Havia hospitais para tratamento.

Em 1882 foi fundada, na Alemanha, uma Associação que unia os diversos grupos, congregando, antes da I Guerra Mundial, em torno de 5.000 Irmãs.

A Associação Agnes Karll

Ao lado das Casas de Diaconisas e das Irmãs da Cruz Vermelha, desenvolveu-se uma enfermagem praticada pelas assim chamadas “irmãs livres”. Eram chamadas assim, por não estarem ligadas a nenhuma organização. Haviam recebido orientação profissional, ou numa Casa de Diaconisas, ou numa instituição da Cruz Vermelha, ou ainda numa outra organização, como a Ordem das Joanitas.

A maioria das irmãs livres era contratada para cuidar de doentes em suas residências. Isto significava que, quando eram contratadas, trabalhavam, por assim dizer, dia e noite. Quando não tinham trabalho, faltava-lhes o sustento. As que trabalhavam em instituições também tinham jornadas de trabalho desumanas com uma média de 14 horas diárias, sem intervalos. Por isso, muitas enfermeiras morriam antes de completar 40 anos. Não havia para elas nenhum seguro, nem para situações de doença, invalidez, ou velhice.

Agnes Karll (1868-1927) foi a mulher corajosa que, com empenho extraordinário e inteligência, conseguiu melhorar as suas condições de vida e a de suas companheiras. Desde 1883 havia companhias de seguro, mas somente para trabalhadores. Junto com outras mulheres, Agnes desenvolveu um plano ousado: Formar uma associação de enfermeiras com um Centro que servisse de apoio, providenciar um seguro de vida para as enfermeiras e, finalmente, conseguir uma legislação estatal que limitasse a jornada de trabalho para 11 horas diárias e garantisse melhor habilitação profissional.

Concretizar este plano implicava em derrubar altos muros de preconceitos e indiferença, não só por parte de órgãos públicos, mas das próprias colegas mulheres. Elas não estavam preparadas para pensar e agir independentemente.

Em 1903 aconteceu a reunião fundadora da “Organização Profissional” das Irmãs Livres. Ainda antes de conseguir o reconhecimento oficial, o que só ocorreu em 1907, iniciou o trabalho imenso de registrar as 2.500 enfermeiras, espalhadas por toda a Alemanha. A Secretaria em Berlim, na qual Agnes trabalhava, junto com auxiliares, tornou-se o Centro da Organização.

Perguntas para diálogo:

Qual foi a motivação das mulheres na época da Reforma para estudar?
Para se manifestar?
Por que foi barrada?
Como estão as mulheres hoje na formação?
Quais são suas oportunidades para contribuir?
Em que áreas?

“A educação da mulher leva à dissolução da família”.
“A sociedade não é lugar só do homem,
a família não é lugar só da mulher”.

Estatística brasileira (internet- palavra chave: “Mulheres na educação”)
Mulheres na Universidade – 60%
53% no mestrado
47% no doutorado
23% na pesquisa
84% estão na educação básica
 

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