Mudança Climática - Criação e Responsabilidade Humana
Tenda Central do Aterro do Flamengo
Rio de Janeiro, 16 de junho de 2012
Evento do Conselho Mundial de Igrejas
Painelistas: Elias Abramides, Guillermo Kerber Mass e Lusmarina Campos Garcia
Metodologia: Lusmarina Campos Garcia
Grupo de samba: É Do Que Há
Bailarina: Gabriela Alcofra
No palco estão os músicos, os painelistas e o “deserto”.
O “deserto” é uma imagem que expressa uma das realidades relacionadas à mudança climática: desertificação. O “deserto” é representado por um pano grande. Sobre o pano há um pouco de areia. Debaixo do pano há uma mulher (bailarina). Quando a frase: “E a terra geme! E sofre! E grita!” é dita, a mulher geme, e treme, e grita e se movimenta sob o pano.
Após a primeira canção, Sobradinho, os painelistas caminham sobre o pano, vão onde está a areia, pegam um pouco na mão, e a lançam no ar.
Painelista 3:
“Tira as sandálias dos teus pés, pois a terra em que pisas, é terra santa” Êxodo 3,5
Gostaríamos de convidar a todas vocês (todos vocês) para tirarem os seus sapatos, as suas sandálias, pois a terra na qual pisam, a terra do Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, é terra santa.
Dar tempo para as pessoas tirarem os sapatos
Grupo de samba: Sobradinho (Sá & Guarabira)
O homem chega já desfaz a natureza
Tira gente, põe represa, diz que tudo vai mudar
O São Francisco lá pra cima da Bahia
Diz que dia menos dia vai sumir bem devagar
E passo a passo vai cumprindo a profecia do beato que dizia que o Sertão ia alagar
O sertão vai virar mar, dá no coração
O medo que algum o mar também vire sertão
Adeus remanso, casa nova, sento-sé
Adeus pilão arcado vem o rio te engolir
Debaixo d'água lá se vai a vida inteira
Por cima da cachoeira o gaiola vai subir
Vai ter barragem no salto do Sobradinho
O povo vai-se embora com medo de se afogar.
Grupo de samba sai do palco aqui
Painelista 1 ou/e 2 vai até a areia, pega um punhado e joga-a no ar
Poema/prosa
Antes era mar,
hoje é sertão.
Antes dava flor,
hoje, solidão.
Terra que era fértil sofreu desertificação.
Cadê a uva?
Cadê a papaia?
Sumiram,
não tem mais não.
O sub-Saara africano
implora por compaixão,
refugiados em Dadaab se aproximam de meio milhão;
são refugiados da fome, da mudança climática, da sequidão.
Cadê a uva?
Cadê a papaia?
Sumiram, não tem mais não.
E a terra geme! E sofre! E grita!
O povo nordestino
há décadas conhece migrações;
são migrações de massa,
retirantes aos milhões.
Também os povos indígenas e comunidades ribeirinhas,
forçados a abandonar o seu lugar de origem,
sofrem múltiplas alterações:
culturais, linguísticas, temporais, espirituais...
E quantas mais?
Na nomenclatura contemporânea são:
Pessoas Deslocadas Internamente
IDP - Internally Displaced People
Um outro nível de complexidade acontece
quando os deslocamentos “cruzam fronteiras”.
Refugiados climáticos não têm proteção,
e as medidas internacionais não são nada alvissareiras.
A Convenção de Refugiados da ONU de 1951,
emendada pelo protocolo de 1967,
não se aplica a este assunto.
Não há mecanismo legal que dê conta de lidar
com o tema em conjunto.
E a terra geme! E sofre! E grita!
E a água?
O Himalaia derrete,
Os glaciares também,
Os níveis dos mares aumentam -
9 a 30 centímetros, especialistas argumentam.
E Bangladesh estremece,
Pois pode desaparecer.
As ilhas do Pacífico vislumbram um futuro incerto.
Tuvula antevê a sua erradicação
e prepara-se para o que parece inevitável.
É preciso remover a população!
Mas, como preservar a cultura, a relação com o espaço,
a terra, o tempo, o sagrado?
Aquecimento global não é um nome ou categoria;
É fenômeno observado, comprovado,
É coisa que arrepia.
2 graus centígrados, dizem os mais reservados,
4, replicam os que estão na linha de extinção.
Se as emissões não forem reduzidas assaz,
o amanhã se desfaz.
E a uva? E a papaia?
E as pessoas? E a paz?
E a terra geme! E sofre! E grita!
Países desenvolvidos precisam reduzir, até 2020,
40% dos níveis de emissão, comparados a 1990.
E 95% até o ano 2050.1
Mas os Estados Unidos, a Austrália e o Canadá,
se retiraram do processo de negociações
do Protocolo de Kyoto.
As mudanças necessárias não acontecerão
frente a comportamento tão maroto.
No fim das contas, os mais vulneráveis continuam sendo os mais pobres.
Por isso a terra geme! E sofre! E grita!
Grita ela, a terra.
Gritam eles e elas, os pobres.
Gritamos nós, mulheres e homens
que sabem que a voz
que não se cala
é a voz que ecoa,
e se prolonga,
e se repete,
e se multiplica,
e se engravida
e faz nascer
a realidade nova,
a experiência nova,
o mundo novo;
mundo que tem a cara
e o jeito de Deus.
É por isso que o Conselho Mundial de Igrejas
jamais se calou!
[Fala sobre as ações do Conselho Mundial de Igrejas no âmbito das questões climáticas; acompanhamento das COPs...]
Apêndix 1
E não só o Conselho Mundial de Igrejas em si, mas Igrejas membros do Conselho, agem de modo a responder a realidades locais.
[Elias sobre a ação do Patriarcado Ecumênico ]
Grupo de samba volta pro palco aqui
O Rev. Dr. Olav Fykse Tveit, Secretário geral do CMI,
enviou uma mensagem para a Rio+20
intitulada “Esperança no Futuro”
datada de 13 de junho de 2012.
Nesta mensagem ele faz referência
às frustrações que vivemos pelo fato de que as ações e políticas dos países,
principalmente os desenvolvidos, não são suficientes para mudar o rumo dos desastres climáticos produzidos pela ação humana.
Mas, sua carta termina com a afirmação: nós temos esperança. Mesmo que hajam circunstancias desesperadoras (Romanos 4:18), nós acreditamos que Deus renova a criação inteira através do Espírito (Salmo 104:30); assim, a vida prevalece.
E porque a vida tem um potencial de se refazer,
se reinventar,
se continuar,
nós afirmamos que o futuro que queremos,
é um futuro que começa aqui.
É justiça para a gente,
e pro meio-ambiente,
que foi desde o princípio,
e será sempre,
criação de Deus.
E a terra que já gemeu, e sofreu, e chorou,
é terra que se redescobre produtiva, abundante,
bela;
e dança, e canta, e é ela.
Bailarina sai de debaixo do pano e dança.
A passagem da dança pro samba pode ser um solo lento da primeira parte do samba, na flauta (e talvez voz??)
Samba prá hoje!
O futuro que queremos nós,
É futuro que começa aqui;
É justiça para a gente
E pro meio-ambiente,
Criação de Deus.
Dá prá cantar!
Dá prá viver!
Dá prá escrever
Uma história diferente,
Que tem a cara da gente,
Que vai ver o amanhecer.
E Deus que é menino e menina,
Tem cheiro de flor,
Tem corpo de mulher,
Vai prá onde quer,
Vai prá onde quer!
Chama a gente prá inverter
Os processos de morrer,
E cuidar do amor.
O mundo de Deus é livre!
É mundo em expansão;
É a casa que acolhe os bichos e o mar,
Povos, florestas! Precisa proteção!
É bios, é cosmos, é pacha, é tempo,
É expressão de Deus,
É Deus em expressão.
O futuro que queremos nós,
É futuro que começa aqui;
É justiça para a gente
E pro meio-ambiente,
Criação de Deus.
Perguntas para os grupos fazerem o cochicho.
Como a sua comunidade local (Igreja) está envolvida com processos de criação de consciência e de realização de ações concretas no que diz respeito à mudança climática?
Quais são as suas fontes de inspiração para este envolvimento?
Appendix 1
As políticas do Conselho Mundial de Igrejas a respeito de mudanças climáticas respondem às dimensões diferentes: dimensão ecológica, social, econômica, política e espiritual; e desde uma perspectiva ética, enfatizam que mudança climática é uma questão de justiça, considerando que “as comunidades pobres e vulneráveis do sul do mundo serão as mais atingidas” (Ata sobre Aquecimento Global e Mudança Climàtica, do Cimitê Central do CMI, 2008).
O Conselho Mundial de Igrejas faz um trabalho de militância junto às Nações Unidas dede 1988, seguindo os processos de discussão acerca de comunidades auto-sustentáveis, que teve início na metade dos anos 70. Este processo pôs sobre a mesa do movimento ecumênico, preocupações sérias acerca de meio ambiente, economia e sociedade.
Um pouco de história
- . O trabalho do CMI em termos de Mudança Climática deriva do trabalho do antigo programa chamado “Igreja e Sociedade” que convocou uma consulta essencial em Bucareste em 1974, para lançar um estudo sobre ciência e tecnologia que culminou na grande conferência no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, EUA. (Massachusetts Institute of Tecnology - MIT) em 1979.
- . Um dos focos de organização para o evento de Bucareste foi refletir sobre o relatório do “Clube de Roma” denominado “Limites do Crescimento”2 . Uma contribuição fundamental desse evento e reforçado pelo discurso do Dr. Charles Birch na subseqüente Assembléia do CMI, em Nairobi, em 1975, foi a articulação do conceito de “sociedade sustentável”.
- . Em 1983, a assembléia do CMI em Vancouver, Canadá, adotou o processo chamado “Justiça, Paz e Integridade da Criação” (JPIC). Este processo culminou com a convocação de uma Conferência Mundial sobre Justiça, Paz e Integridade da Criação em Seoul, Coréia, em 1990. Nesta conferência, uma série de dez afirmações teológicas e convênios específicos para a ação foram aprovados que fornecem uma descrição da inter-relação entre desigualdade econômica, militarismo, destruição ecológica, alterações climáticas e injustiça racial, e fornece também a base teológica, ética e espiritual para afirmar e sustentar a vida em sua plenitude.
- . Justiça, Paz e Integridade de Criação é o antecedente do que hoje é o programa “Justiça, Diaconia e Resposabilidade pela Criação”. (Eco-Justiça que engloba Mudança Climática; Rede Ecumênica da Água;Pobreza, Riqueza e Ecologia)
- . Inúmeros eventos e encontros entre teólogos e teólogas cristãs e de outras religiões têm acontecido através dos anos, a fim de redescobrir nos escritos sagarados, materiais que possam ajudam no estabelecimento de uma consciência de cuidado para com a natureza e de comunidades auto-sustenáveis. Un destes eventos foi uma consulta inter-religiosa, em agosto de 1991, no qual se desenvolveu uma “Carta da Terra”.
- . Em 1992, o evento paralelo na Baixada Fluminense contou com a participação de 150 representantes de igrejas de mais de 100 países. Éramos parte dos eventos que formaram a “Cúpula da Terra”. Para dar seguimento ao processo deslanchado na ECO 92, delegações maiores ou menores do CMI têm sifo formadas para acompanhar as negociações que acontecem nas Conferências das Partes (COP)3 a fim de pressionar para que a Convenção-Quadro (ou Convenção-Marco) acerca de Mudança Climática das Nações Unidas aprovada no Rio em 1992, seja de fato implementada. O CMI tem proferido declarações junto aos segmentos de alto nível das COP, tem organizado celebrações ecumênicas e inter-religiosas e eventos paralelos às reuniões das COP. Eventos de maior porte foram organizados durante a COP 15, realizada em Copenhagem, em 2009. A ata do Comitê Central do CMI, reunido em Fevereiro de 2010 diz: “O Conselho Mundial de Igrejas lamenta profundamente que a falta de vontade política dos principais intervenientes na COP 15 impediu a realização de um acordo que efetivamente responderia ao desafio da mudança climática”
- . Declarações e documentos do CMI acerca de Mudança Climática:
“Até aqui e não mais longe: ajam rápido e ajam agora!” (COP 13, 2007);
Declaração acerca do Décimo aniversário do Protocolo de Kioto (Comitê Executivo, Setembro 2007);
“Fé e Viabilidade - buscando responsavelmente por um novo céu e uma nova terra” (COP 14, 2008);
“Sejam administradores da criação de Deus”, ata acerca de aquecimento global e mudança climática (Fev 2008);
“Um sinal de esperança para o futuro e para as pessoas de boa vontade” (Copenhagen, 2009);
“Não tenham medo! Ajam agora!” (mensagem de líderes eclesiásticos à COP 15, 2009);
Declaração acerca de Eco-justiça e dívida ecológica (setembro 2009);
“Não mais atrasos, a vida está perigo” (declaração à COP 15, Mexico, 2010);
“Porque as igrejas estão participando da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, em Cancun?” - (declaração conjunta do CMI com as Federação Luterana Mundial, 2010);
Ata da reunião do Comitê Executivo sobre a COP 15 -Fevereiro, 2010.
“Esperança para o Futuro” - mensagem do Secretário Geral do CMI, Rev. Dr. Olav Fykse Tveit, para a Rio+20 (13 junho 2012)
As políticas e ações do CMI e do movimento ecumênico estão enraizadas na bíblia, que ensina a inteireza (integridade) da criação e a centralidade da justiça. Deus cria o mundo e a humanidade e chama esta humanidade a cuidar da criação (Gen 2:15), a ser boa administradora da sua obra de arte. O Deus da bíblia, ao mesmo tempo, é Deus de justiça, que cuida das pessoas que vivem num lugar de vulnerabilidade: os pobres, os órfãos, as viúvas, o estrangeiro (Deuteronomio 10:18-19). Como resultado do pecado humano, portanto, a “criação sofre dores de parto e aguarda ansiosa a revelação dos filhos e filhas de Deus” (Romanos 8:19).
Notas:
1 Addressing the Challenge of Global Climate Mitigation, C. Bausch & M. Mehling p.9
2 O Clube de Roma é um think tank global que lida com uma variedade de questões de política internacional. Fundada em 1968, na Accademia dei Lincei, em Roma, Itália, o CR se descreve como um grupo de cidadãos do mundo, compartilhando uma preocupação comum para o futuro da humanidade. É constituída por chefes e ex-burocratas de Estado, da ONU, políticos de alto nível e funcionários do governo, diplomatas, cientistas, economistas e líderes empresariais de todo o mundo.
3 COP é o grupo de representantes dos governos que se encontra a cada ano para avaliar o progresso (ou não) dos países na implementação de políticas que respondam ao acordo firmado através da UNFCCC. Em 1997 o Protocolo Kyoto foi estabelecido. O PK estabeleceu obrigações legais aos países.
COP 1, 1995, Berlim.; COP 3, 1997, Kyoto; COP 4, 1998, Buenos Aires; COP 5, 1999, Bonn; COP 7, 2001, Marrakech; COP 9, 2003, Milão; COP 12, 2006, Nairobi; COP 13, 2007, Bali; COP 14, 2008, Poznan, Polônia; COP 15, 2009, Copenhagem; COP 16, Cancun, 2010; COP 17, 2011, Durban; COP 18, 2012 (Nov-Dec) Doha, Qatar