Mensagem das igrejas, organizações e programas para o Dia Mundial do HIV/AIDS - 2004

01/12/2004

 

Muitas mulheres estavam ali, observando de longe. Elas haviam seguido Jesus desde a Galiléia, para o servir” (Mateus 27: 55)

Introdução:

1. Como representantes de diversas comunidades cristãs comprometidas com a educação para a prevenção, com a promoção social e com a defesa dos direitos humanos das pessoas afetadas pelo HIV-AIDS e com o acompanhamento integral e solidário, queremos fazer chegar estas palavras para que coloquem nossos sentimentos em ação.

2. Desde o primeiro momento da epidemia as mulheres, as moças e as meninas não olharam de longe esta realidade, mas, em lugar disso, estiveram de diversas formas envolvidas e seguindo de muito perto os avanços da doença. Contrariamente às indicações das estatísticas, as mulheres e as moças tem estado ao lado do leito de muitos pacientes em um valente testemunho de solidariedade e de desafios a temores, preconceitos culturais, sociais e religiosos. É por isso que hoje queremos unir nossas vozes e nossas ações para relembrar e tomar como exemplo todos esses rostos de mulheres que, como mães, esposas, filhas, enfermeiras, doutoras, amigas, companheiras, voluntárias, acompanhantes..., estão comprometidas com a vida e com a dignidade humanas. Somos testemunhas dessas presenças que têm iluminado um caminho que parecia semeado por dúvidas e temores.

3. Muitas mulheres que, no início, estavam ao lado do leito de pessoas portadoras do HIV-AIDS, estão hoje elas próprias ocupando esses leitos. Reconhecemos que as mulheres têm reclamado “como uma voz que clama no deserto” (Mateus 3.3), tanto na sociedade quanto nas igrejas, por justiça, educação, por campanhas de prevenção e pela implementação de medidas que teriam evitado esta situação de crise.

4. As mulheres e as moças que vivem com o HIV-AIDS experimentam as conseqüências de políticas inadequadas e da ausência de ação de muitas igrejas e líderes religiosos, que não souberam prevenir nem o vírus nem o estigma e a discriminação que viveram e vivem todas elas. Hoje nos unimos com o ânimo de que, juntos e juntas, possamos construir consciências responsáveis, firmes e constantes que possibilitem um presente e um futuro dignos e saudáveis.

5. É nosso desejo e nossa vontade criar espaços, tanto nas comunidades cristãs quanto na sociedade, nos quais as vozes e os relatos das mulheres que vivem com HIV-AIDS possam ser escutados e que suas histórias de vida sejam oportunidades para converter a mente e o coração de nossas igrejas e sociedades. Queremos escutar as vozes das mulheres e das moças para compreender que a prevenção da epidemia exige um olhar que supere os limites do vírus. Ao tomar conhecimento dos elementos da vida cotidiana na qual vivem as mulheres e as moças, entendemos por que são mais vulneráveis.

6. Queremos reconhecer que na resposta dada a esta epidemia, tanto a sociedade quanto as comunidades cristãs, temos colocado sobre os ombros das mulheres e das moças, cargas injustas no atendimento dos doentes. Ao lado do leito de um homem sempre temos encontrado a presença de mulheres que, desempenhando diversos papéis, não abandonaram seus seres queridos nem o próximo em necessidade. Hoje sabemos que quando elas estão doentes nem sempre os homens assumem as mesmas responsabilidades. Queremos, como comunidades, pedir perdão e comprometer-nos com a mudança desta situação.

7. As comunidades cristãs que aderem a esta mensagem denunciam, com voz profética, a falta de igualdade de gênero e as responsabilidades estereotipadas impostas às mulheres e às moças. Não é suficiente reconhecermos que o rosto da AIDS é cada vez mais jovem, mais pobre e mais mulher, mas devemos juntos implementar ações que transformem esta situação.

8. É por isso que neste Dia Mundial da AIDS 2004 nos propomos cooperar com as organizações da sociedade civil numa campanha que sensibilize nossas igrejas e todos os homens e mulheres de boa vontade sobre a realidade que devem enfrentar as mulheres e moças no contexto da epidemia de HIV-AIDS.

Muitas mulheres e moças são vulneráveis ao HIV devido aos comportamentos de alto risco de outros

9. É por isso que, com esta mensagem, queremos apoiar e reforçar ações pastorais e de educação que contribuam com a redução da vulnerabilidade das mulheres e moças ao HIV e à AIDS. Devemos, como comunidades cristãs, romper o silêncio e tornar visível nosso compromisso com a erradicação, na sociedade e nas próprias comunidades cristãs, das práticas culturais e sexuais que são frutos de uma desigualdade de gênero e raiz dessa vulnerabilidade. Aqui se faz necessária uma clara voz profética de denúncia e de transformação.

10. Queremos reforçar os comportamentos masculinos positivos que desafiam as pautas culturais, sociais e religiosas de exclusão e que fragilizam as mulheres que vivem ou convivem com o HIV e a AIDS. É importante encontrar modelos que sirvam para a construção de uma sociedade mais justa, solidária e igualitária. Queremos ressaltar os valores de dignidade, construindo campanhas de prevenção centradas na igualdade dos direitos humanos, no respeito à diversidade da vida e aos sentimentos de todos e todas.

11. Queremos unir nossas vozes e ações e não fechar nossos olhos e ouvidos frente ao abuso e à violência em que vivem as mulheres e as moças na América Latina. Queremos que nossas comunidades sejam lugares seguros que protejam os direitos, a dignidade, a igualdade na diversidade e a vida de todos e todas. Queremos dizer basta à impunidade frente à violência física, psicológica, econômica, social, cultural e religiosa na qual vivem muitas mulheres e moças, não somente na sociedade, mas, ainda no próprio contexto de nossas comunidades cristãs.

12. Denunciamos que a dependência econômica, o comportamento cultural e social de muitos homens e as limitações legais e religiosas em que vivem muitas mulheres e moças, que não têm outras opções nem outros horizontes, as obriga a relações e a práticas, tanto sexuais quanto humanas, inseguras e de risco.

13. Queremos construir outra sociedade, na qual as relações entre pessoas sejam revestidas dos valores do reino de Deus. Esse é o mesmo reino ao qual, a cada dia, imploramos que venha, e essa é a vontade de Deus que queremos que seja cumprida.

As mulheres mantêm as famílias e as comunidades unidas e são uma fonte de enorme força na prevenção do HIV e da AIDS

14. Reconhecemos o importante papel que as mulheres desempenham para sustentar seu grupo afetivo e ocupar-se da maior parte das tarefas de atendimento. Como comunidades cristãs, queremos, questionar essa prática cultural e propiciar uma mudança de pensamento, de comportamento e de atitude. É nossa tarefa colocar em destaque todos os sinais positivos que apontam para a conquista de uma comunidade mais igualitária e de relações mais solidárias entre as pessoas.

As líderes comunitárias devem ser encorajadas a falar abertamente sobre o HIV e a AIDS

15. É nossa aspiração que os grupos femininos que existem e trabalham dentro das nossas comunidades cristãs se transformem em embaixadores de uma mensagem libertadora e que acompanhem a Campanha de ONUSIDA que tem com eixo: Mulheres, Moças, HIV e AIDS. É nosso compromisso promover líderes femininas que sejam capazes, nos níveis nacional e local, de empreender e encabeçar ações que falem abertamente sobre a AIDS.

Os homens, os rapazes e as comunidades cristãs em geral têm um papel crucial a desempenhar, e também serão beneficiados desta ênfase nas mulheres e moças

16. Com esta mensagem queremos alcançar uma maior igualdade de gênero que repercuta positivamente tanto sobre as mulheres quanto sobre os homens. Indubitavelmente os homens também são vulneráveis à infecção pelo HIV devido à desigualdade de gêneros, embora não da mesma maneira nem pelas mesmas razões. Por isso queremos desafiar e rejeitar as normas de gênero que encorajam os homens a assumir comportamentos de risco, com o único objetivo de colocar em evidência uma compreensão equivocada da masculinidade.

17. Ao falarmos das diferenças de gênero impostas pela cultura e pelas situações sociais, econômicas e religiosas, queremos alcançar o objetivo de capacitar as mulheres para a tomada de consciência dessas situações e também conscientizar os homens, rapazes e comunidades cristãs em seu conjunto para que sejam a voz daqueles e daquelas que ainda não têm voz e são relegados à invisibilidade.

As mulheres podem trabalhar contra o estigma e a discriminação relacionados ao HIV a partir do seio das comunidades cristãs das quais participam

18. Estimulamos as mulheres a utilizarem a influência que têm nas organizações eclesiais às quais pertencem e nas quais participam. Incidir no mundo trabalhista, nas organizações de voluntariado, nas empresas e nos grupos de apoio para que contribuam com a tarefa de prevenção do HIV e, concretamente, com a tarefa educativa e de direitos humanos contra o estigma e a discriminação associados à doença.

19. Nossas organizações religiosas devem exercer uma influência singular, devido ao fato de que os líderes espirituais possuem autoridade institucional. Essa responsabilidade fornece a oportunidade de divulgar informação correta e cientificamente fundamentada sobre o HIV e a AIDS para erradicar a discriminação contra as pessoas que vivem com HIV ou com AIDS. Nossas organizações religiosas desempenham uma função crucial em muitos contextos culturais pela sua capacidade de impulsionar uma resposta eficaz ao HIV/AIDS.

20. Nossas organizações e os responsáveis pelas nossas comunidades devem fortalecer o compromisso com a justiça e ajudar a exercer seus direitos e, assim, ajudar as pessoas a se reconciliarem com a vida para superar os sentimentos de culpa, negação, estigma e discriminação, além de abrir novos caminhos rumo à esperança, ao conhecimento, à prevenção e ao atendimento.

Serviços de saúde adequados para as mulheres melhoram o acesso delas e de seus filhos ao atendimento médico hospitalar

21. Nas nossas culturas latino-americanas, os padrões culturais fazem com que as mulheres sejam as últimas a receber atendimento médico hospitalar. No evangelho os milagres de Jesus nos anunciam que a saúde para todos e todas é um dos sinais precursores do Reino. É com esse fundamento que queremos remediar essa desigualdade de gênero. Nos comprometemos com a promoção de um atendimento integral que inclua a melhor terapia, especialmente o acesso aos tratamentos anti-retro virais para todos e todas.

22. A AIDS intensifica a feminização da pobreza e incapacita as mulheres, especialmente nos países mais afetados. Todo o grupo afetivo se torna mais vulnerável quando as mulheres dedicam mais tempo a cuidar dos doentes, em detrimento de outras tarefas produtivas dentro do grupo afetivo.

23. Em nosso compromisso profético de denúncia das situações de pobreza e desigualdade social e de anúncio evangélico de um mundo mais justo, nos propomos a:

*Destacar a magnitude e as implicações do trabalho de atendimento não-remunerado das mulheres;

*Encorajar os governos, os formuladores de políticas nacionais e internacionais, as comunidades e famílias, a reconhecer a necessidade urgente de incrementar e ampliar a proteção social e de remunerar as prestadoras de cuidados nos níveis comunitário e doméstico;

*Propugnar por mudanças na divisão por gêneros das tarefas domésticas e alcançar um equilíbrio nas responsabilidades de atendimento.

A educação das meninas e moças reduz a vulnerabilidade delas ao HIV

24. As moças são as primeiras a serem retiradas da escola para que atendam familiares doentes ou cuidem dos irmãos menores. O HIV/AIDS está ameaçando avanços recentes em educação básica e afeta de forma desproporcional a escolarização das meninas

25. Ir à escola protege. A educação é uma das defesas básicas contra a disseminação do HIV e o impacto da AIDS, e cada vez existem mais provas a respeito.

26. Em nosso compromisso profético de denúncia das situações de pobreza e desigualdade social, e de anúncio evangélico de um mundo mais justo, nos propomos a:

*Conquistar a escolarização das moças e garantir um ambiente seguro e propício que permita que continuem na escola;

*Proporcionar educação baseada em aptidões para a vida, com um enfoque nas questões de gênero;

*Proteger as mulheres e moças da violência, da exploração e da discriminação nas escolas e no seu entorno.

Uma gama mais ampla de opções de prevenção pode capacitar as mulheres para que protejam a si mesmas

27. A educação constitui a base para ampliar e potencializar os programas de prevenção focados especificamente nas mulheres e moças.

28. Em comparação com os homens, as mulheres têm o dobro de probabilidades de contrair o HIV em decorrência de uma única relação sexual sem proteção, porém continuam dependendo da cooperação masculina para evitar a infecção.

29. Os microbicidas são uma das opções preventivas mais promissoras que se vislumbram no horizonte. Com vontade política e investimento suficientes, a primeira geração de microbicidas poderia estar pronta para distribuição em um prazo de tão somente 5 a 7 anos. Entretanto, o investimento em pesquisa e desenvolvimento de microbicidas deve ser ampliado de forma rápida e radical caso se pretenda tornar realidade as esperanças que têm gerado.

A violência contra as mulheres pode acelerar a disseminação do HIV. Nenhum tipo de violência deve ser tolerado

30. A violência contra as mulheres é um problema importante de direitos humanos e saúde pública na América Latina. Essa violência aumenta a vulnerabilidade feminina ao HIV.

31. A violência contra as mulheres é comum em quase todas as sociedades. Apóia-se na discriminação e na subordinação das mulheres e, por sua vez, serve para reforçar e perpetuar essas situações.

32. A alta incidência de relações sexuais não consensuais, a incapacidade das mulheres para negociar práticas sexuais seguras e, em muitos casos, o medo do abandono ou da expulsão do lar e da comunidade impõem sanções extremas, especialmente para as mulheres que carecem de meios econômicos.

33. Como cristãos e cristãs comprometidos com o Evangelho de Jesus Cristo, repudiamos todo tipo de violência contra as mulheres e moças. Nos comprometemos a trabalhar para que nossas comunidades cristãs sejam lugares seguros nos quais: cuidemos a vida, geremos espaço para o ouvir, para a participação e o exercício dos direitos das mulheres e moças que vivem ou convivem com o HIV e a AIDS, e junto a elas sermos agentes transformadores da realidade.

As mulheres deveriam representar a metade do total de pessoas que recebem fármacos anti-retro virais

34. Como comunidades cristãs nos comprometemos a apoiar todos os esforços que tenham como objetivo que em 2005 pelo menos a metade do total de pessoas que tenham acesso a fármacos anti-retro virais sejam mulheres.

35. Como comunidades cristãs devemos desenvolver princípios e mecanismos que promovam e proporcionem um acesso equiparado aos serviços de atendimento e aos tratamentos anti-retro virais para as mulheres, moças e meninas, inclusive os grupos excluídos de pessoas que vivem com o HIV e com a AIDS.

36. Temos de incorporar mensagens bem fundamentadas sobre acesso a tratamento para as mulheres e moças, além de garantir que seja respeitada a igualdade de gênero como necessidade fundamental no desenvolvimento de programas para melhorar o acesso a todas as formas de atendimento e tratamento.

37. Em nosso compromisso de denúncia das situações de pobreza e desigualdade social e de anúncio evangélico de um mundo mais justo, nos propomos a dar:

*Capacitação para a Liderança - Promover a participação ativa das mulheres e moças na prevenção da epidemia.

*Apoio - Escutar as histórias que as mulheres e moças que vivem com o HIV queiram compartilhar.

*Sensibilização - Destacar o impacto que o HIV e a AIDS têm sobre as mulheres e moças no nível mundial, regional e nacional.

*Mudança - Questionar as diferenças de gênero que fazem com que as mulheres e moças sejam mais vulneráveis ao HIV.

*Abordagem nacionalAssegurar que as políticas e respostas nacionais estejam focadas no impacto da AIDS sobre as mulheres e moças.

*Confiança - Aumentar a auto-estima das mulheres, especialmente daquelas que são vulneráveis ao HIV ou já vivem com ele.

*Concordância com a Declaração da Sessão Especial sobre HIV/AIDS da Assembléia das Nações Unidas (UNGASS)

Acrescentar o conhecimento, a credibilidade e a legitimidade das metas da Declaração de compromisso assumida pelos governos na Sessão Especial sobre HIV/AIDS da Assembléia das Nações Unidas (UNGASS) em relação às mulheres e moças.

38. No Evangelho as mulheres foram as primeiras testemunhas da vitória da vida sobre a morte e lhes é encomendada a missão apostólica de anunciar esta mensagem de esperança a todos os seres humanos (João 20.18). Estamos certos de que, no contexto da crise do HIV e da AIDS, as mulheres e as moças podem também ser portadoras de uma mensagem de solidariedade e de igualdade na diversidade, cujos eixos fundamentais sejam o respeito pela igualdade e pelos direitos de todos e todas.

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