Mateus 8.23-27 - Cristo continua no barco

Prédica

02/02/1979

CRISTO CONTINUA NO BARCO
Mateus 8.23-27 (Leitura: Salmo 121) 

«Jesus entrou no barco e seus discípulos o seguiram.» Este é um quadro que deveríamos gravar bem em nossa memória: Jesus, entrando num barco, e seus discípulos, o seguindo. É um quadro tão importante como o outro, mais conhecido, o do bom pastor, seguido por suas ovelhas. Talvez pensemos: Que quadro bom e confortador, aquele! Parece uma imagem da igreja como, de fato, a igreja muitas vezes tem sido representada: um barco com as velas infladas pelo vento, navegando pelas ondas. Aquele barco parece uma verdadeira arca de salvação: Só Jesus e seus discípulos estão dentro dele. Eles deixaram os descrentes na margem do lago. Os indecisos ficaram para trás. -- Ainda há pouco, Jesus tinha dito a um escriba (isto é, a um estudioso do Antigo Testamento) que queria segui-lo: «As raposas têm seus covis e as aves do céu têm ninhos; mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça.» A outro, seu discípulo, que lhe tinha pedido a permissão «para ir sepultar seu pai», o Mestre tinha respondido: «Segue-me e deixa os mortos sepultar os seus mortos.» -- Assim, de forma dura, se tinha feito a separação entre o trigo e a palha. Quem não estava realmente disposto a seguir Jesus, levando a sua cruz, participando das lutas e das contrariedades do discipulado .-- ele já tinha desistido. 

Agora estes doze homens que tinham deixado tudo para seguirem Jesus, se acham reunidos com seu Mestre. Não há ninguém mais no barco. Que viagem boa, aquela! Que segurança, naquela pequena comunidade, reunida naquela arca de salvação! E ainda por cima: Eles eram homens do mar! Eram pescadores. Encontravam-se em seu elemento: Barco, mastro, velas, remos ora, eles sabiam manejar aquilo. Sabiam remar, sabiam ajustar o leme, que fazia o barco ir na direção certa. E o vento? Não era problema. O vento, eles sabiam manejar também. Ele servia para impulsionar o barco: vento bom, aquele, que lhes poupava o serviço de remar. Jesus? Ora ele estava descansando. Bem que ele merecia este repouso. Mas não havia problema. Ele parecia nem fazer falta. Os discípulos se viravam muito bem sozinhos. Nesta questão de navegar, de dirigir um barco, eles tinham tido sua experiência, muito antes de se encontrar com Jesus. Esta experiência era que valia agora. Eles iam levando Jesus como passageiro -- e o levariam são e salvo para a outra margem! 

Dissemos há pouco que aquele barco parece uma imagem da igreja. Parece uma igreja onde tudo funciona bem. Os cristãos cumprindo as suas tarefas. Cada um agindo conforme os seus dons: pregar, ensinar, administrar, organizar, dirigir: Que coisa bela! O barco da igreja, indo para frente -- tudo bem organizado, os pastores sendo bem preparados, os leigos ativados, ocupando seus postos: Os descrentes se admiram: A igreja funciona mesmo! Que coisa impressionante! Um barco que segue seu rumo, que tem um destino certo. O tempo é bom, a vida cristã parece risonha, parece rotina. Oração de manhã, oração de noite, oração nas refeições. Culto aos domingos. Ensaio de coro, estudos bíblicos, Cursos de liderança, retiros espirituais. Reuniões de senhoras, de jovens. Cristãos preparados, treinados, gente competente e alerta. 

E, de repente, todo aquele quadro se modifica. Vem a tempestade, que põe em dúvida toda aquela vida rotineira da igreja, tão bem organizada, tão pacífica e segura: «Eis que sobreveio no mar uma grande tempestade, de sorte que o barco era varrido pelas ondas. Entretanto Jesus dormia.» 

Alguma coisa parece errada, aí! Como é que Deus pode permitir isso? Ele está pondo em dúvida a capacidade dos discípulos; está permitindo que se levante um vento forte demais para aquele barco frágil. Esta tempestade não se deixa mais controlar! As ondas vão por cima do barco. Os discípulos ficam confundidos. Aquele barco tão seguro deles está sendo jogado para cá e para lá! Está fazendo água! Ele vai afundar — e eles todos vão afundar com o barco! E Jesus — onde está? Ele está dormindo, como se não houvesse nada. . Como é fácil, crer quando o tempo é bom, quando o barco vai cortando as ondas, impelido por uma brisa agradável! 

Como é fácil crer — quando estamos com saúde, quando na família não há problemas, quando os negócios vão bem, quando Deus parece abençoar tudo o que fazemos, evidentemente concordando com tudo. Que Deus bom! O Senhor é meu pastor, nada me faltará! 

Como é fácil, viver numa comunidade bem organizada, com membros bem orientados, em dia com seus deveres, ativos e cheios de boa vontade! Uma comunidade que vive em paz e harmonia. Uma comunidade que está sendo respeitada pela sociedade, pelo governo, pelo mundo. O que é que pode falhar aí? Nós não estamos no caminho certo? Não temos nossa confissão, não temos o catecismo, não temos a Bíblia? Não temos uma liderança capaz e experiente? 

E, de repente, Deus nos deixa confundidos e angustiados. Surgem as contrariedades. Uma doença repentina. Um acidente. Um problema na família. A comunidade entra numa crise. Nada mais parece funcionar. Onde estão os líderes? Onde estão os entendidos, os sabidos, que sempre souberam dar uni jeito em todos os problemas? Eles estão aí, ocupando os seus cargos. Mas a gente nota que o barco vai fazendo água. E é aí que uma dúvida horrível toma conta de nós: Será que vamos dar conta do recado? Será que nossa vida pacífica e bem organizada que levamos até hoje — não foi uma experiência enganadora? Será que nossa certeza de salvação não foi um sonho, que se vai desmanchando agora, à luz da dura realidade? — E nós olhamos ao nosso redor, olhamos para nós mesmos. E é ai que o medo se avulta. Olhando a situação com realismo, não nos resta outra saída, a não ser a de confessarmos: Nós vamos afundar! Jesus? Onde ele está? Ele não se manifesta! Parece que nem está ligando a nossa angústia. Jesus parece estar dormindo, desinteressado do destino de seus discípulos! 

Sim — de repente começamos a lembrar-nos de Jesus. Nós, os entendidos, Os peritos. Onde está ele? Antes, nem tínhamos sentido a falta de Jesus. Antes, nós estávamos dirigindo o barco, ajustando as velas, controlando o leme. Agora, no meio da tempestade, nos lembramos que há algum tempo já não temos conversado mais com Jesus. Nós estávamos organizando a nossa vida, contentes porque ele não interferia. Cristãos satisfeitos, por não serem incomodados por um Senhor, cuja vontade nem sempre era igual à deles. A tempestade revela a nossa verdadeira situação perante Deus. Aí é que não dá mais para esconder nada. Não adianta mais dizer que a gente crê, se a dúvida nos aperta o coração. Que fazer em tal situação de crise? Apelar ao pessoal da igreja --- para dar tudo de si? Entregar-se ao pânico, e saltar fora do barco? — Vejamos o que os discípulos fizeram, e talvez fiquemos compreendendo, ao menos um pouco, por que Deus permite aquelas tempestades — em nossa vida particular, em nossa igreja e no mundo descrente:

«Mas os discípulos vieram acordá-lo, clamando: Senhor, salva-nos! Parecemos!» — Acordar Jesus: Parece uma coisa que não tem cabimento. Por que Jesus não acorda por si? Por que ele não interfere, protegendo a sua igreja, poupando-lhe aquela experiência dolorosa e angustiante?
Saiba você, caro leitor, caro ouvinte: Jesus faz isso por causa de nós. Nós precisamos sentir e experimentar na própria carne que não somos nós os que governamos nossa vida. Precisamos experimentar, na angústia e no desespero, que necessitamos de um Salvador. E este Salvador quer ser «acordado» — ele não se impõe, ele não nos salva contra a nossa vontade. A gente só consegue compreender realmente o evangelho, no momento em que se convence de uma coisa: Sem Jesus nós vamos afundando. Esta angustiosa experiência, Deus não a pode poupar a nós. Ela não nos pode dispensar desta dolorosa aprendizagem: «A minha força nada faz — sozinho estou perdido,» Se nesta situação clamarmos pelo Salvador, se corrermos para acordá-lo, clamando: «Senhor, salva-nos! Perecemos!» — então temos aprendido a lição. Os discípulos o experimentaram: «Acudiu-lhes, então, Jesus; Por que sois tímidos, homens de pouca fé? E levantando-se, repreendeu os ventos e o mar; e fez-se grande bonança.» 

Que nos impede a clamar por Jesus, ao notarmos que não conseguiremos enfrentar a tempestade sozinhos? Nem a tempestade de nosso dia-a-dia, nem a última tempestade a da morte? Será que é nosso orgulho que nos impede, ou será que é a nossa teimosia — ou nossa falta de fé? Que nos impede a acordar Jesus, a procurar uma relação pessoal com ele, a tratá-lo como Salvador mesmo? Os discípulos tinham uma fé pequena. Ela não bastava para enfrentar a tempestade com confiança. Mas bastava para acordar Jesus e para lhe dizer: Salva-nos! E eles experimentaram que seu Senhor era também Senhor da tempestade. Foi uma experiência que lhes tinha faltado e que eles precisavam fazer. A tempestade faz parte, ao que tudo indica, da aprendizagem dos discípulos de Jesus. 

E nós? — Uma coisa está certa. O mundo não mudou nada neste ponto: Vai haver tempestade também em nossa vida. Vai haver tempestade na vida da igreja. Vai haver tempestade no mundo. A mensagem simples e clara de nosso texto bíblico é que, em meio à tempestade, clamemos pelo Salvador. Que acordemos Jesus para falar com ele, face a face. A promissão de nossa mensagem de hoje é que em meio à tempestade haverá paz — onde o Senhor for acordado, onde ele for reconhecido e aceito como Salvador. 

Em vista das tempestades que se vão armando no horizonte do mundo, em vista da grande tempestade final, que a Bíblia prediz a mensagem da grande bonança que se segue às palavras de Jesus, não deixa de ser a coisa mais confortante que poderá ser dita a um coração angustiado. Louvado seja Deus por seu evangelho! 

Oremos: Senhor, perdoa-nos toda a falsa confiança que temos em nós mesmos. Perdoa-nos toda a segurança orgulhosa, que nos fez dispensar tua ajuda. Se a tempestade nos angustiar, se o barco de nossa vida ameaçar afundar — que então saibamos recorrer a ti, nosso único Salvador. E que o saibamos fazer também em tempo de bonança. Faze crescer a nossa fé tão pequena e mesquinha. Faze crescer nossa confiança em teu poder. Tu és o Senhor da tempestade. Louvado seja o teu nome! Amém.

Veja:

Lindolfo Weingärtner

Lançarei as redes - Sermonário para o lar cristão

Editora Sinodal

São Leopoldo - RS
 


Autor(a): Lindolfo Weingärtner
Âmbito: IECLB
Testamento: Novo / Livro: Mateus / Capitulo: 8 / Versículo Inicial: 23 / Versículo Final: 27
Título da publicação: Lançarei as redes - Sermonário para o lar cristão / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1979
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 19697
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Portanto, a fé é assim: se não vier acompanhada de ações, é coisa morta.
Tiago 2.17
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