Mateus 6.16-18 - O jejum alegre dos cristãos

Prédica

20/01/1979

O JEJUM ALEGRE DOS CRISTÃOS
Mateus 6.16-18 (Leitura: Salmo 16) 

Falar em jejum, hoje, parece não ter cabimento. Fazer regime para emagrecer isto sim. Mas jejuar? Por quê? Se a gente não tem peso excessivo, se não tem colesterol no sangue e se não sofre das coronárias? E aquela propaganda na televisão, no rádio, nas lojas e nos supermercados — ela parece ser totalmente contrária à ideia do jejum. A propaganda nos convida a comprar, a consumir — sempre mais, sempre coisa nova -- convida a gastar, e a jogar fora tudo de que não se consegue dar cabo. Convida a consumir antes de pagar. Com suaves prestações — de 12, 24 e até de 36 meses. «Sem entrada e sem acréscimo», como dizem. A indústria, o comércio, os bancos vivem de tal mentalidade de consumo. A gente pensa num provérbio antigo, que o apóstolo Paulo cita (1 Cor. 15): «Comamos e bebamos, porque amanhã morreremos.» Este provérbio parece muito atual, hoje. «Gastemos e consumamos, porque amanhã morreremos.» «Derrubemos as florestas, gastemos as reservas de petróleo da terra, exploremos os minérios existentes — hoje, porque amanhã estaremos mortos.» Sim — o homem parece ser por natureza um gastador, um «comedor», um depredador, para não dizer um destruidor das farturas da terra. Falar a tal homem de jejum não será perder tempo? 

E tem outro ponto: O «jejuar religioso», isto é, o jejum praticado por motivos religiosos, tem uma história um tanto suspeita. Houve tempos na igreja cristã, em que o jejum era imposto aos homens, em que jejuar era uma prática obrigatória. Quem comia carne, no tempo da quaresma, podia ser excomungado e até ser preso. Monges e freiras e outros cristãos, que faziam penitência, passavam dias e dias sem comer nada — para agradar a Deus, para castigar o próprio corpo pecador, para acumular merecimentos perante Deus. E tal prática de jejum provou ser errada e contrária ao evangelho. Deixou as pessoas -- ou tristes, ou convencidas de seus méritos. Mas não as fez crescer na fé e na obediência. O próprio Jesus não pregou tal jejum. É verdade, ele jejuava — mas nunca impôs nenhuma forma de jejum aos seus discípulos. Quando, certa vez, os seguidores de João Batista lhe perguntaram (Mat. 9,14), por que eles e os fariseus tanto jejuavam, enquanto que os discípulos de Jesus comiam e bebiam normalmente, Jesus lhes respondeu: «Podem, acaso, estar tristes os convidados para o casamento, enquanto o noivo está com eles? Dias virão, contudo, em que lhes será tirado o noivo, e nestes dias hão de jejuar.»

Vemos, assim, que Jesus contava com um tempo em que os cristãos iriam jejuar. Jesus comia e bebia normalmente, mas também conhecia a abstinência temporária de comida e bebida. Os evangelhos nos contam, por exemplo, de um longo jejum que Jesus praticou, antes de iniciar sua pregação, ao ser tentado pelo diabo. E ele chegou a dizer, com referência à incredulidade de seus discípulos: «Esta casta não se expele, a não ser por meio de oração e jejum». Entendemos, assim, que Jesus era contra o jejum forçado, o jejum azedo e tristonho. Mas não era contra um outro tipo de jejum, que combinava perfeitamente com o evangelho, com a mensagem alegre. 

Vejamos o que nossa passagem bíblica (que é parte do sermão da montanha) nos diz a respeito do jejum dos discípulos de Cristo. Talvez as palavras de Jesus contenham uma mensagem especial para nós — tanto referente à nossa vida pessoal, como referente à vida da comunidade e da igreja cristãs. Em primeiro lugar, teremos de observar que as palavras sobre o jejum seguem instruções de Jesus sobre a prática da justiça: Como dar esmolas, como orar sem fingimento; e depois de nosso trecho, Jesus diz que não devemos acumular tesouros na terra. Vemos, portanto, que Jesus não considera o jejum como sendo uma coisa à parte, como um fim em si mesmo. Um jejum sem oração seria vazio, seria inútil e prejudicial. Um jejum que não se lembrasse das necessidades dos famintos e que não mudasse nossa vontade louca de amontoar tesouros, não teria mesmo nenhum sentido. Seria contrário ao evangelho de Jesus. O que adianta jejuar, se a gente poupa aquilo que não gasta hoje — para gastar em dobro, amanhã? Tal atitude seria infantil: Seria semelhante a uma criança que durante uma semana não come nenhum pedacinho de sua barra de chocolate, para depois comê-la inteira, de uma vez só. 

«Quando jejuardes, não vos mostreis contristados, como os hipócritas». A hipocrisia, o fingimento religioso, é a doença mais perigosa que ameaça nossa vida cristã. Hipocrisia é etiqueta errada. É etiqueta que não combina com o conteúdo. É palavra que nem combina com o coração nem com a realidade de nossa vida. Jesus chamou a atenção de seus discípulos para que se guardassem «do fermento dos fariseus», a saber, a hipocrisia. Os hipócritas jejuavam para aparecer. Eles, em verdade, não eram tristes e arrependidos, mas fingiam sê-lo. Não eram autênticos em suas virtudes, nem perante Deus, nem perante si mesmos. Assim, o jejum ainda aumentava o seu trabalho, sua vaidade, sua convicção de serem mais justos do que outras pessoas. Aumentava sua falta de autenticidade, aumentava o cipoal de mentiras refinadas que os envolvia.

Jesus diz a seus discípulos: Não imitem estas pessoas. Não se deixem impressionar por seu exibicionismo religioso. Não se deixem contagiar por uma religiosidade externa, por etiquetas bem feitas, que tem cheiro penetrante de santidade. Olhem para o lado de trás da cortina. Olhem para o interior da panela. Olhem para os motivos que levam os homens a agir desta ou daquela forma. Olhem para o coração das pessoas, e olhem para o próprio coração! 

A «receita de jejum» que Jesus dá aos seus discípulos é algo fora do comum. Ele não os manda nem obriga a jejuar. Ele diz: «quando jejuardes». Isto é, ele conta com a possibilidade de um discípulo resolver, por decisão própria, de passar um certo tempo em jejum seja total ou parcial. O conselho que Jesus dá ao cristão jejuador parece estranho mesmo: Ele diz que, ao jejuar, os discípulos devem ungir a cabeça e lavar o rosto. Isto é — eles devem fazer justamente o contrário daquilo que faziam os fariseus, os quais chegavam a esfregar cinza na cara e a deixar de pentear os cabelos, para que o seu jejum triste aparecesse mesmo. «Ungir a cabeça e lavar o rosto»: isto, na linguagem de hoje, significa: Sejam alegres, sejam descontraídos, botem uma camisa ou um vestido de cor alegre, conversem e riam com o vizinho, ao jejuarem! 

Jejum estranho mesmo, aquele que Jesus recomenda! O jejum de Jesus nem parece ser uma coisa triste. Nem parece ser um sacrifício que a gente faz. Parece ser o fruto de uma liberdade interna, felicitante e contagiante, liberdade que nos torna capazes de desistir de certas coisas que para outros parecem indispensáveis. Liberdade, que nos faz abrir as mãos cerradas, com as quais seguramos as coisas, os bens, os prazeres; que nos faz andar de leve, felizes, alegres, «de cabelos ungidos e de rosto lavado». Será que é porque o cristão sabe do segredo de Jesus sabe que o homem não vive só de pão, mas de toda a palavra que procede da boca de Deus? Que esta palavra o faz ser alegre e feliz? 

Ó, se tivéssemos mais cristãos de cabelos ungidos e de rostos lavados, neste nosso mundo! Cristãos sem vestígio de cinza na cara, cristãos sem aquele rosto comprido, azedo e triste, cristãos sem carranca! O mundo ia ficar admirado. Os descrentes se assustariam: Que há com esta gente? Todo o mundo se queixa, todo o mundo reclama, todo o mundo tem pena de si mesmo — e estes cristãos irradiam contentamento e alegria? — E por que será que isso não está acontecendo em nosso meio? Será que o evangelho já não é boa nova? Será que Jesus, hoje, transforma água em vinagre, em vez de vinho? — Jesus diz não! Vamos nós levar sua palavra a sério! 

Veja, caro leitor, caro ouvinte: Quando Jesus convida os discípulos a jejuar, irradiando alegria, ele não os encoraja a usarem a etiqueta «alegria» para o conteúdo «tristeza». Isso seria outra forma de fingimento, de hipocrisia. Nós todos conhecemos tais artistas de autocontrole, que aprenderam a esconder as suas mágoas atrás de um sorriso, e atrás de um ar aparentemente descontraído. Jesus não quer tal fingimento. Cristãos não são atores de novela, Eles são pecadores, que foram atingidos pela graça, que foram perdoados e aceitos por Deus, que tiveram implantada em seus corações a indescritível alegria que é o fruto da fé, o fruto de uma vida renovada e regenerada. É por isso que o cristão pode jejuar com alegria. 

E os frutos adicionais deste jejum alegre e festivo? Já os apontamos nesta meditação. O jejum cristão nos livra da escravidão exercida pelos tesouros, pelas coisas, pelos alimentos, pela bebida, pelo fumo. Interfere drasticamente com nossa maneira de ver. Muda nossa escala de valores. Mostra-nos o que nos torna felizes, e o que apenas nos enche os bolsos — ou a barriga. Este fruto é para valer, mesmo, Já dissemos que Jesus não impõe, não empurra o seu jejum. Mas vale a pena experimentar. Nós todos somos viciados pelo abuso das coisas, e precisamos de uma aprendizagem nova na arte de viver, na arte de usar as boas coisas da terra, em conformidade com nossa fé. 

E o outro fruto já o mencionamos também. É que vai sobrar mais para aqueles que jejuam por necessidade — que jejuam por não terem o que comer que praticam um jejum triste, duro, desesperado. Pode ser que você resolva desistir daquela churrascada regada a whisky e cerveja pode ser que você resolva deixar de fumar — e que dê o dinheiro poupado ao orfanato ou ao asilo de velhos de sua cidade, onde poderia bem reforçar a feijoada às vezes bastante magra dos jovens ou dos velhinhos que aí vivem. Isso poderia ser um jejum alegre mesmo, um jejum sem arrependimento e sem ressaca. 

E a igreja como tal? Não será tempo também de que ela proclame um «jejum alegre», dentro de uma sociedade de consumo tão preocupada com seu nível de vida, vidrada por comida e bebida refinadas, por artigos de luxo, por «cigarros que satisfazem»? Seria magnífico, seria bem no espírito do evangelho, se a igreja cristã e as comunidades cristãs proclamassem aquele jejum autêntico, jejum alegre, livre de hipocrisia. Tal jejum, tal vida mais simples, mais livre poderia ser um poderoso testemunho para o mundo, e ao mesmo tempo poderia livrar a igreja de muito peso morto, de muita gordura imprópria, de muito colesterol que produz arteriosclerose, fazendo-a viver de sua única fonte legítima: o evangelho, a boa nova da vinda do Salvador.

Oremos: Senhor nosso e Redentor nosso. Queremos agra-decer-te por teres implantado a alegria de teu evangelho em nossos corações. Faze com que ela brilhe também para fora — que não procuremos nossa realização e nossa fecilidade em comida e bebida, nem em coisas e objetos, mas que sejamos livres para usar e livres para deixar de usar as coisas da ter-ra. Se nos deres a graça de tal liberdade, dá-nos que possamos jejuar alegres e sem fingimento. Amém.

 Veja:

Lindolfo Weingärtner

Lançarei as redes - Sermonário para o lar cristão

Editora Sinodal

São Leopoldo - RS
 


Autor(a): Lindolfo Weingärtner
Âmbito: IECLB
Testamento: Novo / Livro: Mateus / Capitulo: 6 / Versículo Inicial: 16 / Versículo Final: 18
Título da publicação: Lançarei as redes - Sermonário para o lar cristão / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1979
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 19668
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Assim como o fogo sempre produz calor e fumaça, também a fé sempre vem acompanhada do amor.
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