Mateus 28.1-10

Auxílio Homilético

24/04/2011

Prédica: Mateus 28.1-10
 Leituras:Jeremias 32.1-6 e Colossenses 3.1-4
 Autor: Gottfried Brakemeier
 Data Litúrgica: Domingo da Páscoa
 Data da Pregação: 24/04/2011
 Proclamar Libertação - Volume: XXXV

1. Introdução

Páscoa é o dado fundante da cristandade. Jesus, crucifi cado, morto e sepultado, aparece vivo a um número relativamente grande de pessoas, transformando um punhado de gente angustiada em destemidos/as missionários/as que levam a mensagem de Jesus aos confi ns da terra. A Sexta-feira Santa não colocou o ponto final. Pelo contrário, Deus confi rmara a palavra e a ação de Jesus, ressuscitando-o dos mortos. Sem a Páscoa não haveria igreja cristã, não haveria um livro chamado Novo Testamento, não haveria nem mesmo lembrança de Jesus de Nazaré. A morte mais essa vez teria aniquilado tudo e condenado Jesus de Nazaré ao esquecimento. A fé cristã vive da notícia da Páscoa.

Essa notícia, porém, chega a nós em surpreendente variedade de vozes. Os relatos dos evangelistas divergem numa série de detalhes, mostrando ter havido tradições diferentes na primeira cristandade a esse respeito. No essencial, porém, há consenso. A fé pascal tem o encontro com o Jesus vivo por origem. Não foi a descoberta do túmulo vazio pelas mulheres que a despertou. Jesus mesmo convenceu as testemunhas de sua vida. Ele ressuscitou para nunca mais morrer. A onipotência da morte foi quebrada. É isso o que os evangelistas transmitem cada qual à sua maneira, e, todavia, unânimes. Também o relato de Mateus apresenta particularidades, algumas difíceis de ser compatibilizadas com o depoimento dos demais evangelistas. E, no entanto, elas se revestem sem nenhuma exceção de profundo signifi cado. Vejamos o texto, trabalhado nesta série já por Sílvio Meincke (PL 6, p. 167s) e Guilherme Lieven (PL 24, p. 139s).

2. O texto

Ao raiar do primeiro dia da semana, duas mulheres dirigem-se ao túmulo de Jesus (v. 1). São elas Maria Madalena e a “outra Maria”, mãe de Tiago e José (cf. 27.56). O nome de Salomé (Mc 16.1) foi suprimido. Elas vão não para embalsamar o cadáver de Jesus, mas simplesmente para ver onde jaz. Ao chegar, elas se tornam testemunhas de acontecimentos dramáticos (v. 2-4). Trata-se de uma tradição exclusiva de Mateus. Num terremoto, um anjo de Deus desce do céu, remove a pedra na entrada do sepulcro e senta sobre ela. O branco de sua aparência indica origem divina (cf. Dn 7.9; Ap 1.14). Conforme a Bíblia, terremotos costumam acompanhar teofanias (Êx 19.18; 1 Rs 19.11), mostrando que a transcendência irrompe na imanência. Diante de tal força, os guardas postados para impedir um possível furto do cadáver de Jesus (27.62s) caem como mortos. Vale anotar que as mulheres enxergam a remoção da pedra, mas não o ressurgir de Jesus. A ressurreição como tal não pode ser contemplada nem descrita. Permanece um mistério a ser respeitado.

Apesar das circunstâncias incomuns, a descoberta do túmulo vazio parece ter fundamento histórico seguro. Pois teria sido fácil aos adversários da fé cristã provarem a natureza fraudulenta da notícia da ressurreição mediante exibição do cadáver de Jesus. Não foi isso o que aconteceu. A mais antiga polêmica nunca questionou o túmulo vazio. Mesmo assim, ele permanece um fenômeno ambíguo. Pode ter muitas causas. A fé não se prende a ele. Tem na vida de Jesus seu alicerce.

A mensagem do anjo perfaz o centro da perícope (v. 5-7). Ela interpreta o sucedido. Não há motivo para temor. Jesus ressuscitou como havia dito. Sua profecia se cumpriu (16.21; etc). A morte não conseguiu segurá-lo. No túmulo, ele não está. O anjo até convida as mulheres para verifi cá-lo. Elas buscavam Jesus o crucificado, mas se defrontam com a notícia de sua ressurreição. E mais! Elas recebem a incumbência de anunciar isso aos discípulos. O próprio Jesus irá à frente de seus seguidores para encontrá-los na Galileia. As mulheres tornam-se “apóstolas” da Páscoa. A localização das aparições aos discípulos na Galileia é particularidade de Mateus e Marcos. Conforme Lucas e João, elas se deram em Jerusalém. A maioria dos comentaristas, porém, nega-se a enxergar nisso uma contradição. Deve ter havido aparições tanto cá como lá. De outra forma não se explica o lado-a-lado das duas tradições. Confi rma-o o cap. 21 do Evangelho de João. A Galileia era a terra natal dos discípulos e o principal lugar da atuação de Jesus.

À dessemelhança do que se lê em Marcos (Mc 16.8), as mulheres obedecem à ordem do anjo (v. 8-10). Ao medo de que ainda estavam possuídas se mistura a alegria. Elas percebem que algo novo havia acontecido e correm para informar os discípulos. Essa novidade se torna concreta no encontro com o próprio Jesus. Já não é Pedro nem outro discípulo a quem o ressuscitado aparece primeiro, e sim às mulheres. Ele as saúda, ao que elas se lançam ao chão, agarram seus pés e o adoram. Desse modo, as mulheres tornam-se testemunhas não só com os olhos, mas também com o tato. O “contato” com o corpo de Jesus documenta a realidade da ressurreição. Não é um fantasma que lhes aparece. E então Jesus fala. Ele repete e confi rma as palavras do anjo. Diz não haver motivos para o medo e ordena que avisem “seus irmãos”. Pelo que tudo indica, a expressão faz referência à passagem do Salmo 22.23, que diz: “A meus irmãos declararei o teu nome”. Existe paralelismo também com Romanos 8.29, onde Jesus Cristo é apregoado como sendo o primogênito entre muitos irmãos (cf. Hb 2.11) – o que naturalmente inclui as irmãs. De qualquer maneira, “os irmãos” devem ser entendidos no sentido de pessoas achegadas a Jesus. A perícope encerra com a promessa de que na Galileia o verão.

3. Meditação

Uma gigantesca pedra fecha a sepultura de Jesus. Ela é como um lacre assinalando haver ali um limite inviolável. Ali ninguém entra e ninguém sai. Assim é a morte. Uma sepultura é como uma risão. Dela ninguém escapa. Assim também no caso de Jesus. Quando o tiraram da cruz, José de Arimateia colocou-o num túmulo novo, aberto na rocha. E, “rolando uma grande pedra para a entrada do sepulcro, se retirou” (27.60). É esse o último serviço que se pode prestar a pessoas falecidas, a saber, colocá-las numa sepultura e dar-lhes um enterro condigno. Entre nós, é comum cobrir o caixão com terra ou fechar a sepultura com cimento e lajes de pedra. Não há outro recurso. E, mesmo em caso de cremação, a cinza colocada numa urna não tem como romper o cárcere da fi nitude. A pedra colocada na entrada da sepultura de Jesus é símbolo dessa dura realidade. Aliás, túmulos podem ser violados, sim. Há ladrões que buscam objetos de valor junto aos cadáveres. Mas tais atos abomináveis quebram apenas aparências. A pedra que separa os lá dentro e os lá fora e que faz a fronteira entre a morte e a vida permanece irremovível. Frente à morte resta somente a resignação.

É isso o que está em evidência na atitude das mulheres. Enlutadas e cheias de saudosismo, elas querem ver onde tinham colocado Jesus. Diferente dos homens, elas têm a coragem de se identifi car como seguidoras do mestre crucificado. Mas também elas se veem obrigadas a capitular frente à realidade. Jesus está morto, derrotado, acabado. Mesmo o gesto carinhoso de embalsamá-lo não passaria de mais outro sinal de desesperança. O bálsamo preserva um defunto, mas não lhe devolve a vida. As mulheres são exemplos de pessoas feridas pela perda de um ente querido. Há quem diga não temer a morte. Morrer seria um processo natural que não mereceria a costumeira dramatização. Sem duvidar da honestidade de tal afi rmação, permanece verdade que a morte exerce terror. Não é possível fazer as pazes com ela. Manifesta-se em qualquer tipo de medo, na inconformidade com o envelhecimento, na raiva por sobre a fi nitude do ser humano. E quando arranca do nosso meio uma pessoa amada, choramos. A morte é cruel. Ela acaba com tudo.

Enquanto o papel das mulheres é simpático, o dos guardas é ridículo. Devem prevenir um escândalo. Lembrados de que Jesus havia predito sua ressurreição, eles, por ordens superiores, devem assegurar que não haja trapaça. Há gente interessada em que Jesus permaneça morto. Querem apagar sua memória. Mesmo o boato de uma ressurreição seria catastrófi co. Os soldados devem vigiar a pedra. Se ela permanecer intocada, Jesus pode ser defi nitivamente esquecido.

Mas Deus dá um rumo diferente à história. Acontece um abalo sísmico, e um anjo desce do céu e abre a sepultura. Se ninguém consegue remover a pedra, Deus é capaz do impossível. Ele tira Jesus da sepultura. Não existe explicação científica para o fenômeno. Os soldados caem desmaiados. E quando recuperam os sentidos, o túmulo está vazio. Enquanto isso, as mulheres ouvem uma voz, dizendo: “Ele não está aqui, ressuscitou”. É a mensagem da Páscoa por excelência. O anjo é pregador, comunicador de um mistério, enviado de Deus para anunciar a vitória do crucificado. E ele tem uma promessa: “Vocês o verão”. As mulheres são encarregadas de levar a notícia aos discípulos. Eles não vão ficar na dependência do testemunho de terceiros. Jesus mesmo vai convencê-los de sua vida. Quem insiste em procurá-lo entre os mortos não vai achá-lo. Ele rompeu a Domingo da Páscoa barreira da morte e espalha vida neste mundo. O anjo deixa isso muito claro: Se vocês querem achar Jesus, o cemitério não é o lugar.

A Páscoa tem sua origem nas aparições do Jesus crucifi cado. Elas tiveram seu tempo. Não se repetiram na história posterior da igreja. Paulo distingue-as claramente de outras visões e revelações (2Co 12.1s). Revestem-se de natureza singular. Mesmo assim, a fé cristã alicerça-se não somente na credibilidade das primeiras testemunhas. A vida de Jesus deu “demonstrações” sempre novas no decurso dos tempos. É o que fundamenta a esperança cristã. Assim como os apóstolos anunciavam “em Jesus a ressurreição dentre os mortos” (At 4.2), assim a comunidade cristã deve fazê-lo. Jesus é o “primogênito entre os mortos” (Cl 1.18). Pois “Deus ressuscitou ao Senhor e também ressuscitará a nós pelo seu poder” (1Co 6.14; cf. Cl 3.4). É claro que vamos morrer. A morte pertence à nossa condição de criatura. E, no entanto, as aparições de Jesus mostraram que a morte já não pode realmente matar. Deve devolver suas vítimas. Também em nossa sepultura deveria ser inscrito: “Ele ou ela não está aqui!”. Isso apesar de que nosso cadáver ainda se encontra lá. No fundo, ressurreição não exige sepulturas vazias. Em Jesus, esse tem sido o caso, sim. Mas não é necessário que assim seja. Ressurreição é mais do que reavivamento de um defunto. É nova criação. Ressurreição transfere para outra realidade, assim como o vemos em Jesus.

Eis o motivo de júbilo para a comunidade cristã. Já não precisamos ter medo. Existe muita “cruz”, muito sofrimento neste nosso mundo. Basta pensar nos terremotos, nas enchentes, nas catástrofes naturais ou então nos crimes praticados elo ser humano. Há pessoas em agonia ou desesperadas em razão de terríveis golpes. À luz da Páscoa, porém, todos os males deste mundo passam a ser coisa penúltima. O sofrimento dura somente até a sexta-feira. O domingo, a “primeira-feira” de uma nova semana, vai transformar todo pranto em alegria, assim como Jesus o prometeu no sermão da montanha. A morte não terá a última palavra neste mundo. Justamente por isso somos encorajados a combater desde já as causas do sofrimento e da angústia entre nós. O anjo disse às mulheres: “Não temam!”. Páscoa liberta de temor e compromete com a luta contra os poderes da morte. Ela consola e simultaneamente mobiliza para a ação.

4. Imagens para a prédica

Sugiro que a prédica utilize as imagens oferecidas pelo próprio texto. São as que já foram destacadas na meditação acima, a saber, a pedra, as mulheres, os guardas, o anjo, as aparições e o júbilo da comunidade. Páscoa é motivo de alegria, e é ela que deverá marcar o culto pascal. Se Israel comemora na Páscoa a libertação do Egito, a comunidade cristã celebra na Páscoa a libertação da morte, a quebra de sua onipotência, a abertura dos horizontes para além de cruz, sofrimento e finitude. Existe uma “reserva de vida” que a morte não pode destruir e que está nas mãos do Cristo ressuscitado. Não há notícia mais revolucionária do que essa.

5. Subsídios litúrgicos

Confissão dos pecados:
Senhor! Por demais vezes vivemos como se a Páscoa não tivesse acontecido. O desânimo então nos domina e paralisa nossas energias. Não temos forças sufi cientes para enfrentar dificuldades e vencer obstáculos. Em vez de encorajar outras pessoas, tornamo-nos um peso para elas. Jesus Cristo! Tu que ressuscitaste da morte, perdoa-nos a nossa pequena fé e a falta de esperança. Ajuda-nos a recuperar a alegria sempre que a tristeza nos quer derrubar. Tem compaixão de nós. Amém!

Oração de coleta:
Bendito sejas, Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que em tua graça nos tens dado motivo para uma viva esperança através da ressurreição de Jesus Cristo dos mortos. Já não mais somos reféns de um mundo sem saída. O céu abriu-se e nos mostrou haver terra nova além da morte. Nosso destino é a vida eterna, não a ruína eterna. Por isso cantamos “aleluia” e nos alegramos. Ajudanos a vencer o medo e a viver de um modo “pascal”, irradiando a luz da Páscoa em nosso ambiente de vida e fazendo-o alegre. Nós te agradecemos, Senhor, pelo evangelho da ressurreição de teu Filho Jesus Cristo. Amém! 

Intercessão:
Senhor! São fortes os sinais do triunfo da morte em nosso mundo. Somos testemunhas de terríveis tragédias e de crimes hediondos. É imenso o sofrimento, e é grande a angústia. Nós intercedemos pelas pessoas ameaçadas do desespero e da perda da fé. Queiras fazer com que a Páscoa renove suas forças para reerguer a cabeça, resistir ao mal e criar nova coragem. Desperta em tua igreja pessoas dispostas a se engajar na libertação do mal e no protesto contra a tirania da morte. Nós intercedemos não por último pelas lideranças na economia, na política, na indústria. Estão comprometidas com a promoção de um mundo justo, sustentável e pacífico, inspirador de esperança. Falta de esperança vai produzir o pânico com todas as loucuras que tem. Por isso, Senhor, pedimos que a mensagem da Páscoa ressoe forte entre nós e crie novidade de vida, já agora e no futuro. Amém!

Bibliografia
SCHMOLL, Gerd. Neue Calwer Predigthilfen. Dritter Jahrgang, Bd. A. Stuttgart: Calwer Verlag, 1980. p. 252-261.
SCHWEIZER, Eduard. Das Evangelium nach Matthäus. Das Neue Testament Deutsch, NTD 2. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1973.
 


Autor(a): Gottfried Brakemeier
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Páscoa
Perfil do Domingo: Domingo da Páscoa
Testamento: Novo / Livro: Mateus / Capitulo: 28 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 10
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2010 / Volume: 35
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 20095
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