Mateus 25.1-13 - ÚLTIMO DOMINGO DO ANO ECLESIÁSTICO
Prezada Comunidade!
Muitos dos senhores talvez não saibam que a escolha do texto para a prédica de cada domingo no é questão relegada aos caprichos de cada pastor. Nós dispomos, em nossa Igreja, de diversas listas de perícopes, isto é, de trechos bíblicos, as quais determinam um ou dois textos para todo domingo do ano.
Como todos sabem, dentro de uma semana teremos o primeiro domingo de Advento, que marca o início de mais um ano eclesiástico. Assim sendo, estamos hoje no último domingo do ano da Igreja. E para este domingo - assim como para o domingo passado - o texto recomendado nos manda falar do fim de tudo o que existe, do Juízo Final, da próxima vinda de Cristo.
Nenhum de nós gosta de ouvir falar no fim de tudo o que existe, e muito menos no nosso julgamento final. Não gostamos porque - como disse o mártir alemão Dietrich Bonhoeffer - nós nos acostumamos a viver com um duplo engano. Dois enganos, que nos permitem levar uma vida até certo ponto sossegada e despreocupada.
O primeiro engano consiste em acreditarmos que o que passou, o que aconteceu, desaparece no abismo do esquecimento, ficando apagado para sempre pelo passar do tempo. Nós vivemos da fé no poder do esquecimento. Eternidade é, então, esquecimento.
O segundo engano, do qual vivemos, consiste no seguinte: nos acreditamos saber discernir entre aquilo que esta oculto e o que aparece, entre aquilo que é secreto e o que é público e notório. Vivemos duas vidas: uma pública e visível, a outra, oculta, com pensamentos, sentimentos, esperanças, que Pessoa alguma jamais chega a conhecer. E ficaríamos terrivelmente abalados se descobríssemos que, de repente, todos nossos pensamentos e sentimentos se revelam, se tornam visíveis e transparentes a qualquer um. Vivemos pressupondo com toda naturalidade que o que está oculto sempre permanecera oculto.
Vivendo uma existência estribada nesses dois enganos, e compreensível que não gostemos de ouvir falar em fim e julgamento derradeiro. A tarefa da pregação nestes últimos domingos do ano eclesiástico é precisamente investir contra esses nossos enganos, confrontando a todos nós de maneira honesta com a realidade que nos aguarda. Nesse sentido, o texto recomendado para a prédica de hoje tem muito, mesmo, a nos dizer.
II
A passagem a que me refiro encontra-se no Evangelho de Mateus, capitulo 25, versículos 1 a 13, e diz o seguinte:
Então, acontecerá com o reino dos céus algo semelhante ao que acontece com dez virgens, que, tomando suas tochas, saíram para encontrar o noivo. Cinco delas eram néscias e cinco, prudentes. Acontece que as néscias, ao tomarem as tochas, não levaram óleo consigo. Já as prudentes, além de suas tochas, levaram (também) óleo nos recipientes. O noivo, no entanto, se atrasou, e todas começaram a cochilar e adormeceram. No meio da noite, porém, ouviu-se um berro: Olha o noivo! Saíam ao seu encontro! Então, todas aquelas virgens se levantaram e prepararam suas tochas. As néscias, contudo, disseram as prudentes: Deem-nos do seu óleo; nossas tochas se estão apagando! Mas as prudentes responderam: Impossível! O óleo não vai chegar para nós e para vocês. Em vez disso, vão até os vendedores e comprem para si próprias. No entanto, tendo elas saído para comprar, chegou o noivo, e as que estavam preparadas entraram com ele para o salão de festas. E foi fechada a porta. Mais tarde, chegaram as virgens néscias, clamando: Senhor, senhor, abre-nos a porta! Ele, porém, respondeu: Na verdade, lhes afirmo que não as conheço. Vigiai, portanto, pois não sabeis o dia nem a hora.
Para facilitar a compreensão do que tinha a dizer, Jesus gostava muito de empregar parábolas, lançando mão de eventos e episódios bem concretos e conhecidos de todos, como, por exemplo: o caso de um ladrão que arromba uma casa de madrugada, o caso dos pescadores, que apanham peixes bons e ruins na rede, do negociante de pérolas, do semeador, que luta contra o solo rochoso e árido da Palestina, ou o caso do fermento na massa do pão, que toda dona de casa sabia como funcionava.
É assim que Jesus se refere, na nossa parábola, a uma festa de casamento; coisa que todo mundo conhecia. Na época de Jesus - e ainda hoje, na Palestina - as festividades de casamento transcorriam mais ou menos assim: após um dia inteiro de danças e diversões, é servido um grande banquete ao cair da noite. Depois do banquete, a noiva é acompanhada pelos convivas, à luz de tochas, até a casa do noivo, o qual se encontrava em qualquer lugar, fora da casa. Então as moças, amigas da noiva, deixam-na sozinha em casa e vão, munidas de tochas, ao encontro do noivo, que se aproxima a frente de seus amigos. Em muitos lugares, celebra-se, então, mais um banquete na casa do noivo, após a sua chegada.
Pois bem, tudo isso não passaria de mera curiosidade, não fosse aquele primeiro versículo que introduz a parábola: Com o reino dos céus acontecera algo semelhante ao que acontece com dez virgens que, tomando suas tachas, saíram para encontrar o noivo.
O que é que acontece com essas dez moças? Elas agarram suas tochas e saem ao encontro do noivo. Cinco delas são mais sabidas e levam óleo consigo, prevendo já a possibilidade de que o noivo se atrase. As outras cinco são néscias, como diz a Bíblia. Nós diríamos, em nossa linguagem cotidiana, são ignorantes, idiotas, burras. Só levam suas tochas embebidas em óleo. Mas não levam combustível de reserva. O noivo se atrasa. Todas caem no sono. De repente, ouve-se um berro: Aí vem ele! As dez se levantam, correm, mas as tochas das cinco néscias começam a se apagar. Não tendo outra alternativa, elas saem correndo á procura do vendedor de óleo. Mas nesse meio tempo, vem o noivo, e entra com as cinco prudentes para o salão de festas. Quando as néscias retornam, batem à porta e pedem para entrar, mas o noivo apenas responde: Quem são vocês? Não as conheço. Não tenho nada a ver com vocês! Passem bem!
Algo semelhante - diz Jesus - acontecera com o reino dos céus. Ele vem de repente, de soco. Nas estaremos cochilando, em meio aos nossos afazeres diários ... de repente haverá um berro de alerta e ele surge. E ai de quem não tiver óleo em seu recipiente.
A Bíblia é unanime em afirmar que essa crise vem de súbito, num abrir e fechar d'olhos. Ela diz mais, que ninguém sabe a hora; vira como o ladrão na noite. Ela é unânime em afirmar, também, que essa crise não se restringira à esfera pessoal de cada um. Ela abrangerá dimensões cósmicas, como ouvimos há pouco na leitura da epístola: Virá, entretanto, como ladrão o dia do Senhor, no qual os céus passarão com estrepitoso estrondo e os elementos se desfarão abrasados; também a terra e as obras que nela existem serão atingidas (2 Pe 3.10).
Tudo isso, prezada comunidade, é coisa difícil de se engolir. É coisa que não se enquadra, em absoluto, com nossa experiência de vida. Cada um de nós, que aqui nos encontramos, tem sua vidinha, sua rotina, sua jornada diária; uma jornada que se repete dia a dia, temperada - umas vezes mais, outras menos - de alegrias, sofrimentos, sucessos e fracassos. Os mais jovens, movidos pela força de tocar pra frente, subir, crescer. Os mais idosos, acostumando-se à realidade de que a flor da idade já passou, olhando para o passado e descansando á espera do fim. Essa é a vida de cada qual, não só hoje, mas há milhares e milhares de anos.
Sim, e o mundo? Não observamos a cada dia que passa uma franca evolução para a frente, para dias melhores? Os transplantes de coração, de rins, de mãos; os sucessos abismantes da engenharia eletrônica; as conquistas da técnica que aliviam nosso trabalho em todos os setores; os avanços do homem pelo universo a dentro!
E agora vem a Bíblia, querendo dizer que tudo isso vai parar, que a nossa vidinha e as conquistas do mundo vão deixar de existir, vão acabar de um momento para o outro? Sim é exatamente isso o que ela diz. Ela conhece diversos nomes para aquele momento de crise: dia de Cristo, dia do Senhor, vinda do reino dos céus; já o Antigo Testamento falava do dia de Javé. Ela não entra em detalhes quanto à ordem cronológica e as características minuciosas dos acontecimentos daquele dia. Mas isso nem é preciso. O que ela diz já basta: Ninguém sabe a data, nem a hora (o noivo pode atrasar-se), mas em dado momento (nós estaremos cochilando, mergulhados em nossa lida diária), em dado momento vira, de súbito, o desfecho derradeiro, o impacto final, a catástrofe última, o fim. Naquele momento derreter-se-ão os elementos, as potências do bem e do mal travarão sua derradeira batalha. Aí cessarão de existir os continentes, as águas, a terra, o universo, para dar lugar à eternidade de Deus. Aí cessará a história da humanidade, que vem de milênios e que estamos vivendo neste momento. Aí cessará toda a estrutura da vida humana: as relações entre os indivíduos, as formas de sociedade, as diversas raças, os povos, as nações, os sistemas políticos e econômicos, a ciência, a filosofia. Tudo o que constitui esta nossa realidade vivencial de seres humanos entregues ao seu cotidiano cessará.
E então virá aquele grande julgamento, em que os cabritos serão separados das ovelhas, em que a porta do salão de festas voará na cara das cinco virgens néscias, ignorantes, e as virgens prudentes entrarão para o banquete; o grande julgamento em que uns ouvirão: Vinde, benditos de meu Pai, entrai na posse do reino que vos esta preparado desde a fundação do mundo. Porque tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era forasteiro e me hospedastes; estava nu e me vestistes; enfermo e me visitastes; preso e fostes ver-me (Mt 25.34ss). E os outros ouvirão: Fora, malditos, porque me vistes com fome, com sede, forasteiro, nu, enfermo e preso, e não me assististes! (Mt 25.41ss).
Assim acontecerá, na crista da catástrofe derradeira, a segunda vinda de Cristo. Os cristãos a aguardam desde os primeiros dias da igreja primitiva; há quase 2 mil anos. E ela ainda no ocorreu. Mas talvez ocorra nos próximos cinco minutos ou dentro de mais alguns milhares de anos. Nesse tocante, diz a epístola que ouvimos antes: Não retarda o Senhor a sua promessa, como alguns a julgam demorada; pelo contrário, ele é longânimo para convosco, não querendo que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento (2 Pe 3.9). Esse tempo de espera é uma chance, uma chance de nos arrependermos, de enchermos nossos recipientes de óleo, de olharmos para Jesus Cristo e dar-lhe de comer e beber, hospedá-lo, vesti-lo, visitá-lo quando estiver enfermo e preso.
Acontece que nós não estamos largados ao léu no mundo. Nós temos um inesgotável reservatório de óleo para nossas tochas. Nós temos alguém que nos ensinou a amar, a dar de comer e beber, a acolher e visitar. Alguém que foi capaz de cometer o absurdo de morrer por nós. Com os olhos postos nesse absurdo salvador, tentemos, ainda que a passos vacilantes, pisar nas pegadas desse Deus-homem, que sempre apontou e aponta o caminho a seguir. É a única maneira de aproveitarmos o tempo da paciência de Deus para conosco, a trégua que ele nos oferece para buscarmos óleo para as nossas tochas. Que Deus não canse de oferecer sua ajuda para que aproveitemos esse tempo de trégua Amém.
Oremos: Senhor, nas te pedimos: acorda-nos; arranca-nos da ilusão, quando temos fé no esquecimento dos atos que nós praticamos. Faze-nos conscientes de que tu virás para exigir prestação de contas. Fornece óleo em abundância para as nossas tochas; ensina-nos a dar-te de comer e beber, a hospedar-te, vestir-te, visitar-te quando estiveres enfermo e preso. Por Jesus Cristo. Amém.
Veja:
Nelson Kirst
Vai e fala! - Prédicas
Editora Sinodal
São Leopoldo - RS