Mateus 21.33-46

Prédica

Mateus 21.33-46 - 10º. DOMINGO APÓS TRINDADE

Meus amigos! 

Começa o segundo semestre de 1971. Para vocês, os estudantes, isso quer dizer, mais especificamente, o inicio do segundo semestre, do quarto, do sexto, do oitavo semestres de teologia. É mais um passo em direção à meta. É um campo aberto, este semestre. Para cada um de vocês ele poderá trazer aquela alegria, aquela euforia incrível de quem chegou mais perto de Deus, de quem topou com Deus no seu estudo. Assim como poderá trazer para cada um aquela tremenda desilusão de quem procura, e se mata, e não acha.

É um semestre aberto, uma incógnita. Mas, de qualquer forma, é um semestre a mais no caminho de vocês em direção ao pastorado. É mais uma etapa da sua formação como futuros pastores. E assim vocês e nós, docentes, bem como os demais que se encontram nesta sala, formamos um agrupamento ímpar, fora do comum, talvez a plateia mais esdrúxula que um pregador pode imaginar. 

Sim, senhores, pois nós, docentes, já sores e vocês, estudantes, estão se preparando para ser os lideres religiosos da IECLB! Os chefes teológicos, os esteios, os suportes, os pilares da Igreja de Cristo. Nós, os lideres religiosos de quase um milhão de almas! Pobres de nós! Eu ganho arrepios quando penso no que Jesus dizia a nós, líderes religiosos: 

Eu vou lhes dar outro exemplo, disse Jesus aos lideres religiosos. Era uma vez um homem, um grande proprietário, que plantou um parreiral, levantou uma cerca ao seu redor, construiu nele um tanque de espremer uvas e uma torre, arrendou-o e partiu em viagem. Quando chegou o tempo da colheita da uva, o proprietário mandou seus encarregados para receber a parte que lhe cabia. Mas os arrendatários agarraram os encarregados, espancando um, matando outro e apedrejando um terceiro. Então, o proprietário voltou a enviar outros encarregados, em número maior que os primeiros, mas os arrendatários os trataram da mesma forma. Finalmente, mandou-lhes seu filho, e pensou: Eles vão respeitar meu filho! Mas os arrendatários, ao verem o filho, disseram entre si: Este aí é o herdeiro! Vamos matá-lo, que o parreiral é nosso. E, assim, eles o agarraram, empurraram para fora do parreiral e o mataram. E agora perguntou Jesus, quando chegar o proprietário do parreiral, o que é que ele vai fazer com aqueles arrendatários? Os líderes religiosos responderam: Ele vai matar sem piedade aqueles criminosos e arrendar o parreiral a outros, que lhe entreguem as frutas no seu devido tempo. Ao que Jesus lhes diz: Nunca lestes nas Escrituras: A pedra que os construtores rejeitaram, esta tornou-se a pedra angular. Foi o Senhor que fez isso, e o que ele fez é maravilhoso! Por isso, eu digo a vocês, continuou Jesus: O Reino de Deus será tirado de vocês e será dado a um povo que produza os seus devidos frutos. E o que cair sobre esta pedra será esmagado, e aquele sobre o qual ela cair, será esfacelado. Ao ouvirem os seus exemplos, os líderes religiosos sabiam que ele estava se referindo a eles. E procuravam prendê-lo, mas temiam as multidões, que o consideravam um profeta. 

III

Pobres arrendatários! Pobres líderes religiosos! Pobres de nós, docentes, estudantes e pastores, pilares da igreja de Cristo!

Mas, por que pobres de nós? O que é que está errado? Afinal, nós não nos matamos de serviço? Não trabalhamos madrugada a dentro, até em domingos e feriados, estragando a saúde e negligenciando a família? O que mais se pode esperar de nós? O que está errado, afinal? 

Com uma palavra: a usurpação. O proprietário está longe e nós, os arrendatários, somos os donos do campinho. O parreira] é nosso, e aqui vale tudo, menos o primeiro mandamento: Eu sou o Senhor, teu Deus, não terás outros deuses diante de mim! Não, no nosso parreira) nós somos os senhores. O proprietário aqui não manda mais. Esta é a usurpação. A usurpação acontece, quando o proprietário é posto de lado. 

A usurpação é bem camuflada. Ela pode esconder-se sob o manto do esforço, da dedicação, do trabalho. Ela é muito sutil. Tão sutil que já nem mais a percebemos.

Mas ela está aí. E ela está aí toda vez que a vontade do proprietário passa para o segundo plano ou é posta em escanteio de vez. Ela está aí quando nós passamos para o primeiro plano. E nós somos suficientemente sem-vergonhas para usar o parreira] do proprietário, a fim de guindar-nos ao primeiro plano.

A usurpação se dá quando eu tomo o lugar do proprietário. Esta usurpação pode acontecer através de um exame de hebraico bem feito, de uma clausura bem escrita. A usurpação acontece quando mostramos, num seminário ou num exame, que afinal de contas o papai aqui não é qualquer um. A usurpação pode estar na clareza dos argumentos, na perspicácia dos pensamentos, na quantidade de conhecimentos, na condescendência com que ajudamos e conduzimos os menos privilegiados. Na minha piedade, leitura bíblica particular, oração no meu quartinho. A usurpação pode estar, no caso de nós, docentes, numa preleção de gabarito, bem aceita e frequentada; pode estar numa palestra aplaudida e comentada, num artigo de grande ressonância e, por que não di-z-1o, no cartaz junto aos estudantes e aos demais colegas. 

A usurpação pode valer-se de tudo, até de uma aula, de um estudo bíblico ou de uma prédica. A usurpação sempre está lá onde eu, arrendatário, coloco o proprietário de lado. 

Até aqui me referi à usurpação daqueles que fazem o parreiral render frutos para si, em vez de para o proprietário. Mas existe ainda outra forma de usurpação, que também deve ser mencionada. É a usurpação daqueles que não produzem fruto nenhum, que deixam o parreiral entregue ao inço, dos que fazem do seu semestre de estudos um semestre de férias, um semestre de esportes, um semestre de estudos televisionísticos. A usurpação sempre está lá onde o arrendatário coloca o proprietário de lado.

Nós todos somos arrendatários. 

E agora notem o detalhe da parábola: não há um arrendatário que presta! Isto é que é o terrível. Aqui não é possível apontar o dedo. Aqui só se pode olhar para dentro, bater no peito e baixar a cabeça. 

E mais outro detalhe: nós não temos álibi. Nós somos constantemente alertados. Pelos emissários do proprietário. Pelo encarregado que diz: Misericórdia quero, e no sacrifício! E pelo encarregado que diz: Tornai-vos praticantes da palavra e não somente ouvintes - e leitores e estudiosos e escritores e parladores. E pelo Filho que diz: Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que esta nos céus. 

Sim, senhores, nós somos alertados e nós sabemos. Nós mesmos respondemos: O proprietário vai matar sem piedade aqueles criminosos e arrendar o parreiral a outros, que lhe entreguem as frutas no seu devido tempo. Nós sabemos - e fazemos calar os encarregados e o Filho! Resultado: continuamos a trabalhar como doidos e nem percebemos que o parreira] do proprietário já foi arrendado a outros. 

Esta imagem de nós mesmos, que se reflete no espelho desta parábola, é negra e é terrível porque aniquila e rasga em pedaços tudo o que fazemos, porque põe em dúvida a nossa própria existência, de alto a baixo, sem dó nem piedade. 

IV

Mas seria errado se parássemos por aqui. Porque esta parábola diz mais sobre nós. Ela diz algo de essencial sobre aquilo que nós queremos ser. Nós não queremos ser arrendatários usurpadores. Nós queremos ser emissários do proprietário, enviados, servos, testemunhas. È para isso que estamos aqui, estudantes e docentes. É para isso que iniciamos mais um semestre nesta Faculdade. 

E esta parábola nos ajuda a enfocar direito a imagem do encarregado. Segundo esta imagem, o encarregado tem as seguintes características:

1º. - Sua tarefa é exigir os frutos que cabem ao proprietário. É ser sentinela. É dar obrado de alerta. É fazer valer o primeiro mandamento: Eu sou o Senhor teu Deus, não terás outros deuses diante de mim. Este é que está em primeiro plano, sempre, em qualquer hipótese. Por causa deste um, Abraão sai da sua terra; por causa deste um, Jeremias apanha; por causa deste um, Paulo sofre e um Estêvão é apedrejado; por causa deste um Jesus é crucificado. Esta é a tarefa do encarregado: fazer valer o primeiro mandamento. 

2º. - O encarregado está, de saída, condenado à falência. Nenhum daqueles emissários do proprietário teve êxito. Depara com portas trancadas e ouvidos fechados. Acompanhando esta falência na sua tarefa, vem também a frustração e o esmorecimento. Meus amigos, isto é um traço marcante na vida do encarregado que nós queremos ser. Sua existência é constante esperar contra a esperança, como diz Paulo, Par' elpída ep' elpídi (Rom 4.18). 

Esta fraqueza patente, corrosiva, aniquilante, já esta presente nos seus estudos. Vocês já a perceberam, em si ou em colegas. E a fraqueza vai continuar no seu ministério, até o dia em que vocês chegarem aos 40 ou 50, com úlceras no estômago ou algumas ameaças de enfarte, e, olhando para trás, só verem falência, insucesso. Este é um dos grandes enigmas da ação de Deus. Que ele age pela fraqueza, pela falência, pela frustração dos seus encarregados. 

3º. - E é nisto também que esta o consolo, o raio de sol capaz de abrir um claro dentro destas negras perspectivas. Todo momento de fraqueza, frustração, falência, que alguém padece como encarregado do proprietário, é participação no destino do Filho. (O Filho é o encarregado por excelência, o Filho é o único que nada usurpou.) O Filho é a pedra rejeitada que se tornou pedra angular, base, fundamento único para a eternidade.

Sofrer como encarregado é ser irmão do Filho, é ser parte do Filho, é ser filho com o Filho, é ter o proprietário por Pai. Meu caros estudantes e amigos, se há um consolo e uma promissão neste inicio de semestre, então é isto: poder participar , como encarregados do proprietário, no destino do Filho.
Lutemos contra o arrendatário usurpador em nas! Sejamos encarregados do proprietário! Amém. 

Oremos: Deus, nosso Pai, sem o teu auxilio seremos sempre usurpadores no teu parreiral. Perdoa-nos por isso. Faze de nós emissários fiéis, e dá que achemos força e consolo no destino do teu Filho, nossa única pedra angular. Amém.

Veja:
Nelson Kirst
Vai e fala! - Prédicas
Editora Sinodal
São Leopoldo - RS
 


Autor(a): Nelson Kirst
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 11º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Mateus / Capitulo: 21 / Versículo Inicial: 33 / Versículo Final: 46
Título da publicação: Vai e fala! - Prédicas / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1978
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 20318
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Portanto, a fé é assim: se não vier acompanhada de ações, é coisa morta.
Tiago 2.17
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