Leitura Bíblica Básica: Mateus 2.13-23
Outras Leituras:
Autor: P. Geraldo Graf
e-mail:
Origem: Comunidade Evangélica de Belo Horizonte
Cidade: Belo Horizonte - MG
Data da pregação: 26/12/2010
Data Litúrgica: 2º Dia de Natal
Prédica:
Querida Comunidade!
Abandonar o lugar onde nasceram já não é uma coisa nova ou estranha para as pessoas que vivem nestes tempos de pós-modernidade. Mudar de moradia e de localidade faz parte do clico de vida de muitas pessoas. Hoje é estranho e incomum alguém nascer e morrer no mesmo lugar sem nunca ter feito uma vez sequer suas malas para conhecer novos horizontes. Por isso, talvez não nos espantamos muito diante do fato de José e Maria terem que partir repentinamente com o menino Jesus para uma terra distante, num outro país.
O texto bíblico para este 2º Dia de Natal, Mateus 2.13-23, tampouco é algo inédito na tradição bíblica. Não é a primeira vez que personagens das histórias bíblicas precisam dizer adeus à sua terra natal e se colocar a caminho. O Antigo Testamento está repleto de relatos sobre situações de migração, exílio, deportação, fugas.
Porém, este texto bíblico nos revela primeiro uma incerteza, depois provoca algumas perguntas e culmina na contemplação e no louvor a Deus.
Comecemos pela incerteza. Somente o Evangelho de Mateus relata que o menino Jesus estava sendo procurado e ameaçado de morte pelo Rei Herodes. Herodes, o Grande, era famoso pelas suas intrigas e crimes para manter-se no poder. Tanto que José e Maria se viram na imperiosa necessidade de escutar a voz de Deus e fugir para o Egito a fim de preservar a vida do menino Jesus.
Esta situação de ter que tomar uma decisão precipitada, de, nessa situação extrema, ter que confiar na Palavra de Deus, quando se espera Dele proteção e amparo, nos faz lembrar de uma anedota:
Certa cidadezinha do interior começou, repentinamente, a ser inundada pelas águas de um rio por causa das fortes chuvas que caíam na região. Os bombeiros logo se movimentaram, pedindo que todos saíssem imediatamente de suas casas porque a cidade ficaria submersa em instantes.
Todo mundo saiu correndo. Menos um pregador, que repetia enfiado lá na sua igrejinha: Eu fico, tenho fé em Deus: ele nunca vai me abandonar! Quando as águas cobriram toda a pracinha, os bombeiros foram buscar o pregador de barco. Mas ele resistiu. A esta altura as águas já haviam invadido a igreja e o pregador estava empoleirado no altar.
Mais tarde, quase toda a igreja estava submersa, e o pregador apareceu lá no alto, segurando firme na torre. Os bombeiros apareceram então com um helicóptero e insistiram para que ele saísse de lá. E o pregador teimava em ficar, dizendo que tinha fé em Deus, e que ele o salvaria. Aí as águas cobriram toda a igreja.
Morto, encharcado, fulo da vida, o pregador apareceu no céu, querendo uma satisfação de Deus, dizendo: Por que o Senhor me abandonou? Eu dei a maior prova de fé que um homem possa ter em Deus. No entanto, o Senhor me deixou na mão, permitindo que as águas me levassem! Mas Deus lhe respondeu com todo o amor: Quem disse que lhe abandonei? Fiz tudo para lhe salvar, e você não quis. Mandei um caminhão, você rejeitou. Mandei um barco, você esnobou. Mandei um helicóptero lhe salvar, você também não quis. O que é que você queria que eu fizesse? Um milagre?.
O fato de o Novo Testamento deixar bem claro que, ao regressar do Egito, José e Maria se estabeleceram em Nazaré, não se deve tanto ao fato de eles terem suas raízes familiares na Galiléia, mas porque quem governava a Judéia era nada mais nada menos Arquelau, filho de Herodes. E nós sabemos: tal pai, tal filho!
Assim, somos remetidos a algumas perguntas: Pode uma situação político-social dominante marcar tanto assim o destino das pessoas? Podem os poderosos deixar tantas marcas na vida das pessoas?
Antes de respondermos, aproximemo-nos mais de Jesus e vejamos como uma pequena vida pode conter em si mesma uma alegria para seus pais e ao mesmo tempo um motivo de alarme para eles. E não é só isso. De maneira sintetizada, Mateus mostra que o futuro ministério público de Jesus flutuará entre sorrisos e lágrimas. A infância de Jesus é um resumo de toda a sua vida? Parece que sim.
Outra pergunta oportuna seria: Pode a providência divina escolher uma vida tão frágil diante dos poderosos do mundo para uma missão tão especial, que é salvar a humanidade? No caso de Jesus, parece que sim. Mateus deixa claro que Jesus tem Deus ao seu lado desde o princípio. Jesus é o eleito de Deus. Será sempre assim? Mateus já conhece toda a história, inclusive no que vai culminar. Em seu Evangelho, ele recorre constantemente às Escrituras para evidenciar o que não era visível num primeiro momento: A mão de Deus sustenta o menino Jesus, que irá salvar a humanidade.
Chegando a este ponto, podemos ter uma idéia fundamental de o porquê celebrar o Natal. Agora é hora de contemplação. O caminho percorrido pela família de José, Maria e Jesus é algo que nós conhecemos muito bem. É também o nosso caminho. Ao menos o será em algum momento da nossa vida. Trata-se de um caminho em que inexplicavelmente se misturam a fé do presente e a incerteza do futuro, o amor pelo conhecido com o temor do desconhecido e incerto. Assim é a nossa vida.
A família humana que faz a viagem ao Egito descreve quão arriscada e querida pade ser a nossa fé. Talvez a nossa fé tenha dificuldades com tão pequenos feitos e acontecimentos tão frágeis, e necessitemos de feitos tremendos e acontecimentos que nos arrepiem tal qual pele de galinha. Talvez busquemos mais provas. Porém, as provas nem sempre se apresentam na hora. Elas se evidenciam quando mais delas necessitamos.
A família humana que faz o caminho ao Egito e retorna depois, assim como nos é descrito por mateus, não é a mesma, não é a única, porém é portadora de riqueza e diversidade. As viagens nos engrandecem e nos transformam. Elas nos ensinam a sermos solidários e tolerantes. Nos tornam abertos ao diálogo e à partilha.
A família que regressa do exílio nos anuncia que as fronteiras da carne e do sangue podem ser ultrapassadas. Que se podem superar os limites das línguas e das raças. Que se pode ultrapassar a barreiras da política e das religiões. O amor de Deus é muito maior do que as barreiras e os limites impostos pela cobiça, ganância e violência humanas.
Quando contemplamos pinturas que retratam a fuga para o Egito, pensamos nas famílias que são migrantes e que são movidas pelas dificuldades, que são vítimas da incompreensão e da opressão. Ficamos admirados quando, contra tudo o que é previsível, conseguem manter-se unidas e coesas. Todas têm algo em comum: Propõem-se a buscar uma terra com “capim mais verde” e pedem a Deus que vá com elas.
Abandonar o lugar onde nascemos já não é mais uma coisa nova e estranha. A nossa existência neste mundo é uma constante migração. Que tenhamos a fé de Abraão que, “pela fé, ao ser chamado por Deus, obedeceu e saiu para uma terra que Deus lhe prometeu dar. Ele deixou o seu próprio país, sem saber para onde ia. Pela fé ele morou como estrangeiro na terra que Deus lhe tinha prometido. Viveu em barracas com Isaque e Jacó, que também receberam a mesma promessa de Deus. Porque Abraão esperava a cidade que Deus planejou e construiu, a cidade que tem alicerces que não podem ser destruídos” (Hebreus 11.8-10). Que a paz e a graça de Deus nos acompanhe!
Amém