Mateus 2.13-18

Auxílio homilético

25/12/1980

Prédica: Mateus 2.13-18
Autor: Carlos A. Dreher
Data Litúrgica: domingo após Natal
Data da Pregação:
Proclamar Libertação - Volume: V
Tema: Natal

I - O texto

Numa primeira leitura de texto, duas coisas me despertam a atenção: a semelhança com a narrativa de nascimento de Moisés (cf. Ex 1 e 2) e as citações veterotestamentárias nos w. 15 e 18.

Quanto à primeira, descubro que Mateus realmente parece ter se utilizado de uma lenda sobre Moisés como modelo para sua narrativa (Grundmann, p. 82; Peisker, p. 59). Essa lenda, encontrada em sua forma helenística nos escritos de Josefo, desenrola-se da seguinte maneira: Faraó ouve de astrólogos que um futuro libertador do povo de Israel nasceu. Assustado ele ordena a matança de todas as crianças israelitas do sexo masculino. Mas Deus anuncia, através de um sonho, o perigo iminente ao pai da criança e, assim, ela se salva.

Além da existência desta lenda, há, no mínimo, ainda dois indícios de que Mateus realmente quer relacionar Jesus a Moisés. Uma vez temos a menção do Egito, como o local de onde o meu Filho é chamado, e outra vez o fato de Mt 2.20 empregar praticamente as mesmas palavras que Ex 4.19, para anunciar a morte do perseguidor. Isso sem contar a matança dos inocentes e a salvação da criança, que são narradas tanto no texto de Mateus, quanto no de Êxodo.

Se isso é correto, teríamos, então, no cap. 2 do Evangelho de Mateus uma lenda. Nela são utilizados personagens históricos: Jesus, Maria, José, Herodes. Os fatos narrados, entretanto, não correspondem aos acontecimentos reais. Não podemos, por exemplo, comprovar historicamente a matança dos inocentes, apesar de sabermos da crueldade de Herodes, que foi até capaz de assassinar seus filhos mais velhos. Assim, temos aí uma lenda cuja intenção é apresentar Jesus como um segundo Moisés, um segundo - e definitivo - libertador do povo de Deus.

Observando as citações veterotestamentárias, noto inicialmente que nenhuma delas é realmente uma profecia que deva ser cumprida, como pretende o evangelista. Ambas se referem a algo já acontecido. Façamos uma análise de cada uma delas:

a) V. 15b: Do Egito chamei o meu Filho. - Com a morte de Herodes, a família pode retornar de seu refúgio. Mateus vê nisso o cumprimento de Os 11.1. Nessa passagem, entretanto, lemos: Quando Israel era menino, eu o amei; e do Egito chamei o meu Filho. É claramente perceptível que Oséias se refere ao povo de Israel, o que se deduz dos versículos seguintes. No início da história de Israel, Deus chamou o seu povo do Egito, por ocasião do Êxodo.

Por que, então, essa citação? Tudo indica que a intenção de Mateus, descrita acima, também se repete neste caso. Pois, vejamos: a situação, na qual Israel é chamado do Egito, é a do Êxodo. Moisés é destacado como líder para conduzir o povo da escravidão para a liberdade. Para Mateus, Jesus é o novo Moisés. Com a sua vinda do Egito - não a fuga, como querem todos os tradutores, até mesmoA Bíblia na Linguagem de Hoje- Jesus assume o papel de Moisés. Com Jesus está para processar-se o verdadeiro Êxodo, em direção ao Reino. Jesus assume a tarefa, para a qual Israel havia sido designado. A tarefa de levar a salvação ao mundo. Jesus é o que Israel deveria ter sido. Cullmann (apud Grundmann, p. 84; cf. Peisker, p. 58) fala de uma redução progressiva: o caminho de Deus parte da criação para a humanidade, da humanidade para o povo de Israel, do povo de Israel para o resto, do resto para uma pessoa só, que é Jesus. Em Os 11.1 Israel é meu filho, em Mt 2.15 Jesus assumiu esse título. E, a partir desse Jesus, o caminho de Deus se dirige outra vez, através de Israel, para toda a humanidade e para toda a criação.

b) V. 18: Ouviu-se um clamor em Rama, pranto e grande lamento , era Raquel chorando por seus filhos e inconsolável porque não mais existem. - Quando os magos não retornam a Jerusalém, conforme haviam combinado, Herodes sente-se enganado. Afinal, eles lhe haviam prometido dizer onde encontrar o menino (cf. o contexto de nossa perícope). E, para garantir a destruição do suposto rival, ele ordena a matança de todos os meninos de Belém e de seus arredores, que tenham menos de dois anos de idade. Sem que seja dito expressamente que a matança é procedida, Mateus afirma que então se cumpriu o que Jeremias havia dito. Já dissemos acima que não se pode comprovar este fato historicamente, apesar de se saber da crueldade de Herodes. Interessante é notar que, com relação à citação do v. 15b, aqui se exclui o termo Senhor. Ainda há pouco (v. 15) se dizia: para que se cumprisse o que fora dito pelo Senhor, por intermédio do profeta. Agora é só o profeta quem fala. Se antes a palavra de Deus devia ser cumprida para salvar o menino, agora trata-se apenas da palavra de um profeta. Deus não deseja a matança. Unicamente a mão do homem é responsável por ela.

A palavra do profeta é citada a partir de Jr 31.15. Ali Raquel se encontra em Rama, e chora ao ver os seus filhos, isto é os habitantes de Jerusalém, serem levados para o exílio na Babilônia. Os exilados são tidos como mortos por ela. - Mais uma vez é difícil falar-se no texto de Mateus de um cumprimento da profecia. A palavra de Jeremias refere-se claramente ao passado. Existe, porém, um pormenor: em Jr 31,15 Raquel é mencionada figurativamente. A esposa favorita de Jacó já não vive por ocasião da deportação, é evidente. Mas dentro da figura que Jeremias se propõe, Raquel, a mãe tribal (Stammutter), lamenta a sorte dos filhos de seus filhos. É como dizer: Raquel choraria ao ver a desgraça de seus filhos, se estivesse aqui. Neste caso, Mateus teria associado a figura: Raquel choraria ao ver a matança dos inocentes, se vivesse nessa época. A figura de Raquel torna-se representativa para a dor de todas as mães em Israel e, por extensão, de todas as mães do mundo.

O objetivo da citação, e assim também dos w. 16-18, torna-se claro: as forças do mundo procuram tirar a vida do libertador, já desde o início. A paixão começa com a encarnação. (Peisker, p. 58) A perseguição acontece quando o menino Jesus já está em segurança. Crianças inocentes morrem, não para salvá-lo, como se poderia imaginar, mas porque as forças opressoras não querem admitir o processo de libertação.

Com esses dados podemos concluir a seguinte mensagem centra!. Como um novo Moisés, Jesus assume a tarefa de libertação prevista por Deus. Mas, desde o início, ele está exposto ao sofrimento, porque os poderes do mundo não querem admitir nem permitir a realização de seu objetivo. A paixão tem já na encarnação o seu início. E desta paixão participam as crianças de Belém e a comunidade de Jesus.

II – Meditação

A pregação sobre Mt 2.13-18 está prevista para o domingo após o Natal. Na minha situação, trata-se de uma época mais ou menos morta. Os cultos de Natal superlotaram as igrejas. Antes deles ouve cultos de Advento. E é comum as comunidades tirarem umas férias depois que todo esse movimento festivo passou. 1980 ainda complica mais as coisas, pois, entre Natal e esta pregação, há um intervalo de apenas dois dias. O mesmo acontece em relação ao fim de ano. Acredito até que, por isso, poucos serão os lugares, onde será previsto um culto para essa ocasião. Talvez apenas em centros maiores, onde o culto dominical acontece regularmente. Em outros lugares certamente irá acontecer que o culto será realizado numa comunidade de interior, que não pode ser visitada por ocasião do Natal. E lá, por certo, os ouvintes ainda estarão esperando por uma mensagem natalina.

É pena que seja assim. Por isso, penso que não deveríamos deixar que Mt 2.13-18 passasse desapercebido por nós e nossas comunidades. Talvez ainda encontremos um momento para pregar sobre a passagem, depois que todas essas festas de fim de ano tiverem passado.

Mt 2.13-18 desdobra a mensagem de Natal, permitindo que se veja mais claramente o seu significado. No Natal anunciamos o nascimento do Salvador. Mas isso aconteceu em meio a um clima de alegria, de festas e de presentes, de um Natal tão comercializado, que realmente se torna difícil evitar que o enorme Papai Noel encubra totalmente o pequenino Jesus da manjedoura. Mas agora essa euforia natalina passou. E, com base neste texto, temos a possibilidade de falar com mais calma e mais clareza sobre a tarefa do Salvador anunciado.

O texto fala de libertação. E é claro que não se trata aqui de nenhum tipo de libertaçãozinha individual, como muitas vezes a comunidade prefere entender. Sou livre para fazer o que quero. Estamos num país livre. Eu me libertei do cigarro. - Trata-se, isso sim, de uma libertação coletiva, uma libertação em termos de povo, como a acontecida no Êxodo.

Parece que é nisso que reside a principal intenção de Mateus, nesta passagem. Ao comparar Jesus a Moisés, ao fazê-lo vir do Egito - deve-se ressaltar mais uma vez que o importante é que ele vem do Egito, e não que ele foge para lá - o evangelista deixa claro o tipo de libertação a que se refere. No Êxodo encontramos um povo escravo, oprimido, que é libertado. O povo passa da escravidão para a liberdade, do Egito à Terra Prometida. Agora, com a vinda de Jesus, inicia-se a caminhada do povo de Deus rumo ao Reino. E também aqui a libertação é coletiva. É o povo que deve ser libertado. E a libertação será, como no Êxodo, uma saída de toda e qualquer situação de opressão e de escravidão. E aí não dá mais para se pensar em liberdade individual. Enquanto o outro sofre a meu lado, eu ainda não posso falar em liberdade. A caminhada precisa ser conjunta.

Mas, todo e qualquer processo de libertação encontra a sua repressão. No Egito foi Faraó, em nosso texto é Herodes, hoje em dia são tantos outros, os que querem impedir a caminhada. O Salvador Jesus Cristo já é vítima da repressão desde o início de sua vida. Herodes não quer correr o risco, e por isso não tem escrúpulos em mandar executar todas as crianças de Belém e seus arredores. Governos repressivos não têm escrúpulos em trucidar inocentes para alcançar seus objetivos. Este é o risco da caminhada em direção à liberdade. Assim como as crianças inocentes morrem, assim também a comunidade de Jesus ainda hoje está exposta ao sofrimento por causa de seu Mestre. Quando cristãos levam a sério o chamado de Jesus, segue-me!, as forças repressivas deste mundo não hesitam em fazer novas vítimas. Por isso, entender o Natal como a vinda do libertador, e dispor-se a caminhar com ele em direção à liberdade, tem o seu risco. Pois aí o Natal não é mais apenas a festa de família, dos presentes, da beleza romântica. Aí o Natal se transforma realmente numa festa popular. Uma festa do povo oprimido, sofrido, semi-escravo, injustiçado e abandonado à sua própria sorte. Um grito de alegria dos fracos e pequenos, pois a libertação teve seu início.

E mesmo que a repressão se manifeste logo de saída, mesmo que a comunidade dos que seguem o Mestre tenha de sofrer, como sofrem os inocentes de Belém, a alegria é garantida. Deus garante o processo de libertação, ao preservar o libertador. Mesmo que inocentes morram, mesmo que a repressão aconteça, mesmo que ela se intensifique, o libertador está preservado, e com ele o objetivo de Deus: conduzir o seu povo ao Reino.

Com Jesus Cristo tem início a caminhada definitiva rumo à libertação de todo o povo. As dificuldades não deixam de existir, pois os poderes do mundo não querem admitir que esse objetivo se concretize. Mas Deus garante o êxito da caminhada, pois aquele que liberta é preservado. Ele vive, e nós viveremos com ele.

III - Sugestão para uma prédica

Será bom e útil traçar a comparação entre Jesus e Moisés, intencionada por Mateus. Um pouco da narrativa de Ex 1 e 2 - talvez isso possa até ser uma sugestão para o texto de leitura - fará bem para que a comunidade entenda a semelhança entre o primeiro e o segundo Moisés. A partir daí a lembrança da saída do Egito mostrará a intenção de Deus de dar liberdade completa a seu povo. Com Jesus tem início o novo Êxodo, um novo e definitivo processo de libertação dirigido a todas as pessoas. Nós, como comunidade, fizemos parte do povo de Deus que caminha em direção ao Reino. Mas a caminhada precisa ser conjunta. É necessário que todos sejam libertados e acompanhem essa caminhada com Jesus.

A caminhada não é fácil. Sempre existem forças e poderes humanos que querem impedi-la, mesmo que a força. O segue-me! de Jesus, entretanto, nos exorta a acompanhá-lo em seu sofrimento. Os exemplos de repressão ficam por conta de cada pregador. Não me vejo em condições de sugerir algo, estando a um ano e meio da época da pregação. Até lá muita coisa pode mudar - tomara!. Mas os exemplos estarão aí à mão.

Apesar da repressão, no entanto, Deus garante que a caminhada será coroada de êxito. Os oprimidos alcançarão a terra prometida, o Reino de Deus, o reino da liberdade. A certeza disso o nosso texto dá: os poderes do mundo não conseguem destruir o libertador, e isso garante que a caminhada continue.

Dentro dessas linhas, sugiro o seguinte esboço de prédica:

1) Moisés e Jesus - O primeiro e o segundo Êxodo.
2) As dificuldades da caminhada - A repressão à vontade divina de libertação.
3) A garantia do êxito - Deus garante a vida do libertador, e, com isso, o sucesso da caminhada.

IV – Bibliografia

- GRUNDMANN, W. Das Evangelium nach Matthaeus. In: Theologischer Handkommentar zum Neuen Testament. Vol. 1. 4? ed.. Berlin, 1972.
- PEISKER, C. H. Meditação sobre Mateus 2.13-18. In: Goettinger Predigtmeditationen. Ano 29. Caderno 1. Göttingen, 1974.

Proclamar Libertação 5
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia


Autor(a): Carlos A. Dreher
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Natal
Perfil do Domingo: Dia de Natal
Testamento: Novo / Livro: Mateus / Capitulo: 2 / Versículo Inicial: 13 / Versículo Final: 18
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1980 / Volume: 5
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 7006
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