Mateus 14.13-21

Auxílio Homilético

02/08/2020

 

Prédica: Mateus 14.13-21
Leituras: Isaías 55.1-5 e Romanos 9.1-5
Autoria: Sandra Helena Fanzlau
Data Litúrgica: 9° Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 02/08/2020
Proclamar Libertação - Volume: XLIV

A matemática da vida

1. Introdução

O texto da multiplicação dos pães e peixes (Mt 14.13-21), previsto para o 9º Domingo após Pentecostes, é muito conhecido do Novo Testamento. Ele está presente nos quatro evangelhos. No Evangelho de Mateus temos dois relatos sobre esse tema, o texto em estudo e um relato semelhante no capítulo seguinte.

A importância do pão nos tempos bíblicos é indicada em repetidas referências a ele nas Escrituras. A referência constante da partilha do pão mostra a importância dessa temática na vida das comunidades primitivas. Nos evangelhos, além dos relatos da multiplicação, Jesus ensinou a orar pelo pão de cada dia, e ele próprio se denomina o pão da vida (Jo 6.35).

O centro da nossa perícope é a partilha do pão e dos peixes. No entanto, importa não perder aspectos que fazem uma espécie de moldura para o texto em
estudo: a tristeza e a tentativa de ficar sozinho de Jesus após receber a notícia da execução de João Batista, a compaixão de Jesus pelo povo e a presença das mulheres e das crianças na comunhão da partilha.

Das leituras propostas, o texto de Isaías 55.1-5 pode ser relacionado diretamente ao texto da pregação, pois a promessa profética de fartura de alimento, sem gasto, se concretiza no ministério de Jesus, no momento que mais de cinco mil pessoas são alimentadas. O texto de Romanos 9.1-5 pode ser abordado de forma paralela, considerando que Paulo se compadece do seu povo, assim como Jesus se compadeceu de um povo sofrido e sem rumo.

2. Aspectos exegéticos

V. 13a – Jesus ouvindo isto, retirou-se. A frase remete à execução de João Batista, a pedido de Herodes, tetrarca da Galileia. Os títulos dados pelos editores das Bíblias acabam, por vezes, influenciando a interpretação dos textos. No caso dessa perícope, o aspecto da notícia da morte de João Batista acaba ficando “esquecido”. Mas esse detalhe não pode ser esquecido, pois é justamente esse fato de dor que leva Jesus para o deserto. Além do sofrimento pela morte, Jesus sabe que ainda não é hora de enfrentar o poder opressor constituído.

V. 13b – Sabendo-o, as multidões vieram das cidades, seguindo-o por terra. Quem é esse povo? O que busca? A multidão, que o segue pelas estradas “empoeiradas”, revela a messianidade de Jesus. Quanto tempo esse povo caminhou para encontrar Jesus? Talvez um dia inteiro! O v. 15 aponta para o fim da tarde. Quanto tempo esse povo levaria para voltar para suas casas?

V. 14b – Compadeceu-se dela (da multidão) e curou os seus enfermos. Jesus sofre com a morte de João Batista, mas não se mantém indiferente à dor do povo. O olhar compassivo cura e restabelece a dignidade da vida. A compaixão, o olhar, a cura e o alimento revelam a dimensão integral da ação do Messias.

V. 15 – Ao cair da tarde, vieram os discípulos a Jesus e lhe disseram: o lugar é deserto e vai adiantada a hora; despede, pois, as multidões, para que, indo pelas aldeias, comprem para si o que comer. Despedir a multidão era a solução mais fácil, para que cada um compre para si o que comer. Na opinião dos
discípulos, cada pessoa deve dar conta da sua própria subsistência, de sua própria fome, de sua própria vida.

V. 16 – Jesus, porém, lhes disse: Dai-lhes vós mesmos de comer. Jesus não aceita essa solução simplista e individualista, pois o que não promove vida abundante não faz parte do plano do reino de Deus. Percebe-se aqui, como em outros momentos da caminhada de Jesus, que até as pessoas que estavam perto de Jesus, que acompanhavam sua missão, têm dificuldade de entender a construção de um reino que não reproduz a realidade. Jesus chama para a responsabilidade e a misericórdia. A fome é responsabilidade de todas as pessoas que o seguem. Por isso: dai-lhes vós mesmos de comer. Jesus reparte a responsabilidade da partilha, do alimentar a multidão com seus seguidores.

V. 17 – Não temos aqui senão cinco pães e dois peixes, reagem os discípulos. Diferentemente do Evangelho de João, onde um menino oferece os pães e os peixes, aqui não sabemos de onde esses surgem.

V. 19 – O ato de solicitar que a multidão se assente, para que possa comer junto, cria um espaço de construção de novas relações humanas e com Deus. Rosane Pletsch escreve: “O momento ali vivido em torno do pão, as pessoas sentadas à relva, céu aberto, cansadas e doentes, era um espaço e tempo litúrgicos. Isso mostra que, na perspectiva cristã, o cotidiano é espiritual. Nesse sentido, o pão para cristãos/ãs é um pão sagrado, pois é por Deus abençoado. E são mãos abençoadas as que o partem e dividem. Pão abençoado e abençoados/as as pessoas que o distribuem. O pão que sacia a fome é o mesmo que alimenta a alma; é alimento material e espiritual” (PLETSCH, 2002, p. 199-200).

V. 20 – Um alimento simples, do cotidiano, pão e peixe, torna-se refeição completa: todos comeram e se fartaram. E há para mais pessoas, pois as sobras não são apenas migalhas, mas doze cestos. O ato de recolher as sobras indica que o pão é importante e não pode ser desperdiçado.

V. 21 – Muita gente participou do ato. E toda essa gente foi incluída na comunhão, mesmo as pessoas que numericamente não tinham valor. Mulheres e crianças também foram alimentadas e fartas pela comunhão e partilha.

3. Meditação

A comensalidade é aspecto marcante no ministério de Jesus. O tema da alimentação é relevante no cristianismo primitivo. Sentar-se à mesa com  alguém era sinal de pertença, acolhimento e partilha. Atos 2.46-47 mostra que a comensalidade da comunidade cristã promove profundas mudanças na ordem social e nas relações humanas.

Hoje, muitas vezes, se faz até piada sobre o assunto, insinuando que é mais fácil juntar pessoas na igreja quando há algo para comer. Esquece-se de que onde o pão é partilhado, a vida é compartilhada. Acaba-se fazendo como os discípulos queriam: comprem para si o que comer.

Lembro uma situação vivida aqui na paróquia. Uma vez por mês, nas quartas à tarde, realiza-se o culto dos idosos. Durante alguns meses percebi que uma mãe muito jovem vinha com seus filhos. Fiquei intrigada, pois também a via com as crianças nos cultos noturnos. Qual era o real motivo? O lanche, servido após o culto dos idosos! E essa por vezes era a única refeição do dia para aquela mãe e suas crianças.

Na atual realidade, a ideia de que o problema da outra pessoa não é meu, se difunde também dentro das nossas comunidades. A dinâmica de que cada pessoa é responsável pelo seu próprio sustento é cada vez mais forte. Ler o texto da multiplicação dos pães e dos peixes para dentro dessa realidade é trazer os sinais do reino de Deus para muito perto de nós.

Jesus, ao convidar o povo para se assentar e provocar a partilhar, não apenas queria saciar a fome, mas estava transmitindo que no reino de Deus haverá fartura, haverá sobras para distribuir.

A multiplicação e partilha de pão é exemplo de economia solidária, e as primeiras comunidades reproduzem essa prática solidária em seu agir diário (At 2.44; 4.32-33). E onde acontece uma economia solidária, não há desperdício. No reino de Deus não há famintos. A necessidade da partilha, do repartir se alicerça na tradição bíblica (Is 58.7) e é uma implicação da justiça e do amor. A economia de Jesus tem como centro o coletivo, a partilha ao invés do individual e do acúmulo. Reino de Deus significa abundância de comida, de saúde, de curas, como também aparece em nossa perícope.

A multiplicação dos pães e peixes não cai do céu, como o maná, mas brota do chão, brota das mãos dispostas para a partilha, ou, como diz uma canção: “pois, as mãos mais pobres, é que mais se abrem para tudo dar”. Quando o povo de Deus consegue sentar, render graças, reconhecer a presença e o sustento que vem de Deus, a multiplicação acontece. Acontece a multiplicação do alimento, dos dons, da vida, das curas, dos olhares e dos saberes. E nessa multiplicação há espaço, há lugar para todas as pessoas, sem distinção de idade, gênero ou raça.

4. Imagens para a prédica

O texto é rico em imagens que podem ser usadas na pregação. Mas é importante eleger uma.

a) No culto anterior, solicitar que cada pessoa traga um alimento para partilhar. Preparar uma mesa onde os alimentos possam ser colocados. Iniciar o culto com a saudação e a invocação. Em seguida, convidar a comunidade para um momento de confraternização. Após esse momento, recolher “as sobras” e colocá--las sobre o altar. Refletir sobre o que fazemos com as sobras. O que é sobra para algumas pessoas é refeição completa para outras.

b) Distribuir pequenos pães ou pedaços de pães para uma parte da comunidade.

No momento da pregação, provocar a reflexão: o que faço com o pão que está em minhas mãos?

c) A ênfase está na partilha, na abundância alcançada quando muitas mãos se dispõem a colaborar.

5. Subsídios litúrgicos

Confissão de pecados

Articular a confissão de pecados em torno do individualismo e na não disposição para a partilha e comunhão.

Kyrie

Com as “sobras” sobre o altar, lembrar que uma parte da população sobrevive das sobras, daquilo que outras pessoas descartam.

Bênção da partilha

Deus, ao partirmos o pão, mais uma vez antes de nos separarmos, olhamos
para ti e confessamos nossos desejos.
Acompanha-nos em nossas atividades, protege-nos em nossas dificuldades.
Acolhe-nos em nossas necessidades, porém, mais do que isso:
Ensina-nos a partilhar nossos bens, nossos dons;
ensina-nos relativizar as leis e as tradições que oprimem;
dá-nos coragem para romper com tudo o que nos separa de ti.
Teu é o Reino,
teu é o verdadeiro poder e
tua é a glória para sempre. Amém.
(Inês de França Bento)

Há um documentário, já antigo, mas muito atual, que poderá ser usado para estudos em grupos que se ocupam com a mesma temática durante a semana. Não é adequado para o momento do culto por ser extenso. Trata-se de Ilha das Flores, um curta-metragem brasileiro, do gênero documentário, dirigido por Jorge Furtado e produzido pela Casa de Cinema de Porto Alegre, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=bVjhNaX57iA>.

Bibliografia

BENTO, Inês de França. Tempo Comum. In: ALVES, Rubens. Culto e Arte. Petrópolis: Vozes, 2000.
PLETSCH, Rosane. 11º Domingo após Pentecostes: Mateus 14.13-21. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal; IEPG, 2002. v. 27, p. 198-201.


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Autor(a): Sandra Helena Fanzlau
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo do Tempo Comum
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 9º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Mateus / Capitulo: 14 / Versículo Inicial: 13 / Versículo Final: 21
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2019 / Volume: 44
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 54671
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