EVANGELHO É FERMENTO
Mateus 13.33 (Leitura: Salmo 113)
Esta parábola de Jesus me traz à lembrança como minha mãe costumava fazer aquelas grandes fornadas de pão — uns doze pães de cada vez — que em três ou quatro dias seriam consumidos por outras tantas bocas famintas. Numa imensa gamela ela misturava a farinha de milho com cará, batatas ou inhame rapados, botava água e sal e, enquanto amassava a mistura — coisa essencial mesmo — juntava o fermento, tendo o cuidado de o «esconder» bem na massa, isto é, de o distribuir por igual naquela quantidade enorme de farinha e de outros ingredientes.
O fermento, naquele tempo, não era comprado em supermercados. A gente simplesmente usava um pouco de massa fermentada, sobra da massa anterior. Lembro-me que certa vez a mãe esqueceu-se de pôr aquele fermento, aquele resto de massa levedada, na costumeira mistura. E aconteceu que quase estragou a fornada. Porque o pão simplesmente não crescia. Não passava de uma massa morta, por assim dizer — e, em verdade, o fermento se compõe de pequenos organismos vivos que se multiplicam com grande velocidade. Quando a mãe deu pela coisa, já era quase tarde. Mas o fermento, afinal, conseguiu produzir o efeito de sempre. Fez a massa crescer, e o pão saiu do forno, fofo e gostoso. Era realmente impressionante o que uma colherada de fermento era capaz de fazer.
Em nossa parábola, Jesus compara o Reino de Deus com tal fermento. Não com fermento bem guardado na gaveta do armário. Compara-o com fermento «que uma mulher tomou e escondeu em três medidas de farinha, até ficar tudo levedado (isto é, fermentado)». Você entende: Isso faz diferença. Porque o fermento guardado na gaveta, ou o fermento que não sai da prateleira do supermercado, poderá ter todas as qualidades de que precisa para fazer crescer a massa do pão. Mas que adianta isso, se não vai sendo misturado à massa, se não vai sendo «escondido em três medidas de farinha»? Fermento não misturado à massa é que nem capital morto. É que nem dinheiro escondido em uma caixa bem secreta, em tempo de inflação. Fermento não usado se estraga. Ele começa a cheirar mal. Ele perde a força de fermentar, de fazer crescer a massa do pão. A finalidade única do fermento é ser misturado à farinha, para que a farinha, por sua vez, se transforme em fermento.
É bem como nas outras parábolas de Jesus: O Reino de Deus é como um grão de mostarda que um homem plantou? É igual a um tesouro que um homem achou. É igual a uma pérola que um homem achou e comprou. É igual à semente que um agricultor semeou. Estamos notando que o Reino de Deus não é nenhuma coisa parada, que não é nenhum tesouro para ser mostrado em museu, nenhum monumento erigido em praça pública para ser admirado. «O Reino de Deus é semelhante ao fermento que uma mulher tomou e escondeu em três medidas de farinha até ficar tudo levedado.» Aqui não nos vai sendo apresentada uma verdade religiosa qualquer de como «Deus é poderoso» ou «O Reino dos céus é eterno», Aqui Jesus anuncia que o Reino de Deus é um poder vivo e atuante que, agora e aqui mesmo, está sendo misturado à massa — e que esta massa sem levedo, sem sabor, esta massa insípida está sendo transformada em sua própria natureza que está sendo transformada em algo vivo, que por sua vez é capaz de passar a vida adiante: farinha com água transformada pelo fermento em massa de pão, em massa fermentada, capaz de ser fermento em outra massa!
Em nossa breve parábola, Jesus revela um segredo do Reino de Deus. O Reino de Deus não vai sendo imposto às pessoas de fora, como uma lei ou uma ordem política é imposta a uma população. O Reino de Deus também não é o produto de uma simples doutrina que a gente aprende e passa adiante. O Reino de Deus é um poder transformador, sim, um poder criador. O que seriam «três medidas de farinha» sem fermento, mesmo que amassadas com todo o capricho, com todos os outros ingredientes presentes com água e sal, na justa proporção? Seriam uma papa, uma cola pegajosa, que dariam um pão intragável. O fermento é que faz a diferença! O fermento é a vida, é a transformação, é o milagre. O fermento é o evangelho: Deus aceita o homem culpado e falido, por graça. Deus o ama e lhe dá nova esperança e nova vida. O fermento não é só aquilo que Cristo ensinou: É sua morte na cruz, é sua ressurreição, é a comunhão de vida entre o Senhor vivo e os que nele crêem. Este fermento vai sendo difundido e espalhado, não só pela doutrina, mas pelo «contato», isto é, pela convivência, pela própria vida. Se a palavra não nos lembrasse doença, diríamos que o evangelho verdadeiro é contagioso. Ele realmente contagia o seu ambiente, assim como o faz o fermento; Escondido na massa. Escondido, e muitas vezes ignorado e desprezado na massa dos descrentes o evangelho mexe com o próprio «Eu» das pessoas, transforma, toma conta.
A mulher, na parábola, «escondeu o fermento em três medidas de farinha». Uma medida tinha uns doze quilos. Trinta e seis quilos de farinha, portanto! É muita massa, muito mais do que uma simples fornada de pão requer. E o fermento: Em comparação com a quantidade de farinha, ele como que desaparece. Para alguém que só pensa em pesar e em medir as coisas, é uma quantidade desprezível. E, por cima, Jesus ainda diz que a mulher escondeu o fermento na farinha!
Veja! O evangelho de Jesus, em comparação com as filosofias e com os poderes políticos existentes nos tempos apostólicos era algo bem miúdo. Algo desprezível aos olhos do mundo. Você já notou o desprezo que emana das palavras que Pilatos mandou colocar ao cabeçalho da cruz de Jesus: «Jesus Nazareno, rei dos judeus»? Este Reino de Deus — Pilatos o tinha reduzido a um homem morto, desprezado e ludibriado pelos poderosos do mundo. E Jesus, durante todo o tempo em que ia pregando e agindo, nada fez para se engrandecer, para concorrer com os reinos poderosos desta terra. Ele ia de casa em casa, de aldeia em aldeia e — escondeu o evangelho na massa, isto é, misturou-o, pela pregação, pela convivência, sem alarde, sem publicidade, sem ,nenhuma aparência impressionante. Escondeu o seu poder de tal forma que consentiu com sua própria morte na cruz — aos olhos do mundo, o fracasso, o fim absoluto. E o grupinho apavorado de discípulos: Leiamos nos evangelhos, como eles se dispersaram. Um negou a Jesus, outro o traiu, outro não quis acreditar em sua ressurreição; todos fugiram na hora do extremo perigo. Fugiram e se esconderam na massa — na massa anônima, na massa sem fermento. Sim, foram se esconder na massa. Ou será que foi Deus, quem os escondeu? Será que o poder do evangelho, o poder do Reino, nem era deles, mas de Deus? Será que a morte e a ressurreição de Jesus, será que a perseguição e a dispersão dos discípulos não era aquele ato bendito de Deus — de misturar o fermento à farinha? Será que o próprio Pilatos e mesmo o traidor Judas — não tiveram que servir aos propósitos de Deus, sem que o soubessem e quisessem?
Naquele dia em que Jesus enviou seus discípulos ao mundo, aquela missão lhes deve ter parecido uma coisa inconcebível: «Ide a todo o mundo e fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo!» Que era este grupinho de pescadores, de gentinha pequena e inculta, em comparação com a imensidade do mundo, em comparação com o poder das grandes religiões da época, em comparação com o reino dos césares de Roma, com as riquezas do mundo?
«Fermento que uma mulher tomou e escondeu em três medidas de farinha.» Muita farinha mesmo. E pouco fermento. Mas o fermento teve vida. E por isso nada houve que lhe pudesse anular a força e a ação. É por isso que o fermento chegou a você e a mim – através dos séculos, passando de terra a terra, de língua a língua, de geração a geração.
E o fermento conservou seu poder. Verdade! É um poder secreto, que não aparece, que não faz barulho. É um poder que Cristo escondeu. Mas é um poder que está ai, agindo, transformando, criando nova vida. O evangelho ainda hoje está transformando pessoas – transformando massas insípidas em comunidades. Criando comunhão onde antes tinha existido indiferença e desunião.
E as grandes massas não-cristãs de nossa terra? Os milhões de chineses, indianos e africanos os milhões de brasileiros, nas favelas e nos arranha-céus que nunca foram atingidos pelo evangelho? O nosso coração estremece! A massa é tanta, e o fermento é tão pouco! E tanto fermento há que se acha bem guardado em sua tigela etiquetada, enfeitada, mas sem ter efeito: capital morto, por não ter sido misturado à massa!
O nosso coração estremece. E não é para menos. Os discípulos certamente também ficaram admirados por Jesus ter dito que a mulher escondeu o fermento em três medidas de farinha,. Uma quantidade imensa! Mas o segredo do evangelho não reside em sua quantidade. Não é questão de números impressionantes e de maiorias. Que as igrejas, também a nossa, nunca o esqueçam: O segredo do evangelho é que o povo de Cristo tem vida. Porque o próprio Cristo é a vida, e o seu povo vive em comunhão de vida com ele. É isso que importa para você e para mim, para nossa igreja, para nossa cidade, nosso país, para o mundo. O que importa é que permitamos que Deus nos «misture à massa» e que, em contato com o mundo onde ele é mundo, realmente, pelo contato, pelo testemunho, deixemos o evangelho agir, deixemo-lo desenvolver seu poder.
Oremos: Pai Celeste, perdoa-nos por nos termos impressionado demais com a massa dos descrentes. Perdoa-nos por não termos acreditado no poder de teu evangelho. Renova den-tro de nós o fermento da fé. Reaviva a nossa esperança, reacende em nossos corações o fervor por teu Reino. Faze-nos distinguir claramente entre a fé e a descrença. Ajuda-nos para não sermos covardes em nosso convívio com os descrentes. Dá-nos fé no poder de tua graça. Dá-nos o dom de podermos confessar a nossa fé com naturalidade e com alegria. Amém.
Veja:
Lindolfo Weingärtner
Lançarei as redes - Sermonário para o lar cristão
Editora Sinodal
São Leopoldo - RS