Maria Madalena, apóstola da ressurreição

Meditação

24/03/2010

Ainda era escuro na vida de quem teve que se sujeitar aos acontecimentos trágicos no Morro das Caveiras na Sexta-feira da Paixão. No meio da penumbra fria da madrugada do domingo seguinte, surge não apenas um vulto anônimo, mas uma mulher – é Maria Madalena. Dizem que tem esse nome porque é originária de Mágdala, cidade situada a nordeste do lago da Galileia. O passado de Maria Madalena era uma história de sofrimento: sete demônios a haviam possuído. Sofrimento completo. No encontro com Jesus de Nazaré, a cura integral havia acontecido. Iniciava, assim, uma nova história em sua vida. Na hora da crucificação, lá estava ela, Maria Madalena, junto à cruz, na companhia da mãe de Jesus e da irmã dessa, da mulher de Cléopas e do discípulo amado.

Na madrugada do primeiro dia da semana, depois de tudo ter acontecido, Maria de Mágdala mais uma vez não se aquietou – assim como não se aquietou desde que foi libertada dos sete demônios e, junto com Joana, Suzana e muitas outras, prestava assistência a Jesus de Nazaré (Lucas 8.2). Saiu sozinha na madrugada escura rumo ao sepulcro e viu o que outros ainda não tinham visto: a pedra estava revolvida. Eis o que põe Maria Madalena a caminho do apostolado da ressurreição. E ela corre de volta aos que ainda não tinham olhos de ressurreição.

Começa então uma história de falas e de atitudes desconcertantes de Maria, que resultam em uma ainda ansiosa, mas já bonita movimentação. Primeiro, a pior das suspeitas na cabeça de Maria: violaram o sepulcro, roubaram o cadáver! Entram em cena Pedro e o discípulo amado. Saem juntos, mas João corre depressa e chega primeiro. Vê os lençóis, mas não entra. Pedro também chega e entra na gruta mortuária. Igualmente vê os lençóis e o sudário. João acaba entrando também. Vê e crê. Creu, mas ainda não compreendeu (João 20.9). E assim voltaram vazios para casa o Pedro e o João. Ficaram calados a respeito do que viram porque ainda não tinham olhos de ressurreição.

Começa então um novo momento no relato joanino da ressurreição (João 20.1-18). Maria Madalena chora. Os olhos que antes apenas tinham visto agora estão cheios de lágrimas. E ela se abaixa e olha mais uma vez para dentro da sepultura. Sim, os olhos que choram parecem que enxergam mais! Enxergam não apenas vultos, mas anjos devidamente trajados de branco. A vestimenta branca identifica-os como mensageiros de Deus. Esses anjos sentam. Um está à cabeceira, e outro aos pés de um espaço agora vazio. “Mulher, por que choras?”, perguntam eles. E Maria Madalena já vai proclamando como Kyrios (título costumeiramente reservado ao Cristo ressurreto) alguém que – segundo seus pensamentos confusos – ainda estava morto e tinha sido levado por ladrões de cadáveres.

Onde está a coerência entre as tuas palavras e a tua atitude, Maria Madalena? Já proclamas como Senhor alguém que, de acordo com os teus desajeitados pensamentos, não passa de um corpo morto que está nas mãos de malfeitores. Maria Madalena ainda se encontra numa fase de elaboração, muito confusa. Não existe nada de lógico em seus pensamentos e em suas atitudes. Mas existem olhos cheios de lágrimas e de fé, que passam a enxergar mais e mais. “Mulher, por que choras e a quem procuras?”. De novo, Maria Madalena entra em contradição: proclama como Kyrios um suposto jardineiro de cemitério. E dispõe-se ao impossível: carregar sozinha um cadáver e levá-lo. Levá-lo para onde, Madalena?

Uma palavrinha só, saída da boca do suposto jardineiro, coloca os pensamentos e atitudes de Maria Madalena em ordem: “Maria!”. Ser chamada pelo nome colocou ordem no caos. Cumpriu-se o que Jesus de Nazaré já dissera tempos antes: “Conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem a mim. Elas ouvem a minha voz” (João 10.14,27). As dúvidas desvaneceram-se. “Rabôni”, “Meu mestre”, disse ela. E assim Maria Madalena estava pronta para ser comissionada a testemunhar a ressurreição para o grupo dos apóstolos, tornando-se, assim, a apóstola da ressurreição.

A mensagem pascal tem seus caminhos para chegar a nós e nos transformar. No meio do nosso falar e do nosso agir desconcertantes com respeito à ressurreição, o Cristo vivo vai tomando parte da nossa história. Caminhar, de mansinho, na penumbra das madrugadas escuras da nossa vida; ter olhos para enxergar, quando ainda faz escuro, a pedra removida; olhar para dentro, voltar correndo, expressar e compartilhar nossas inseguranças; construir e elaborar mesmo a partir de dúvidas e de nossos jeitos desajeitados; abrir os nossos ouvidos para a voz o bom Pastor que nos chama pelo nome e a quem passamos a chamar de “meu mestre”.

P. Valdemar Gaede (Fonte: Revista NOVOLHAR nº 32. São Leopoldo: Editora Sinodal, 2010. p. 40-41)

 

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