Desculpem-me as Marias queridas, conhecidas ou desconhecidas, deste ou de outros tempos, presentes ou ausentes, próximas e ou distantes...
Mas por que Maria Bim - Bom? Para que você tivesse ânimo para ler já que o nome Maria é um nome muito admirado. Se eu usasse um nome estranho, talvez como Xenofonte, você não se sentiria motivado para continuar a leitura. E eu queria que você lesse. E por que Bim-Bom, pois o fato me fez lembrar o cachorrinho de nome Bim-Bom, aliás o primeiro que aprendi a conhecer. Faz muito tempo. Era um cachorro pequenininho, de cores branco e baio amarelado. Era muito dedicado e eu gostava dele. Puxava-o com uma cordinha amarrada pelo pescoço. Sim, e daí?
Estive parado no principal cruzamento das avenidas no centro de minha cidade justamente na hora de muito movimento. Eu estava aguardando a passagem enquanto vinham carretas enormes trazendo milho do centro oeste, outras levando ração para as granjas, baús soçobrando com o peso dos ovos com destino as grandes capitais, bi-trens estalando com o peso dos cereais que vinham de longe e agora com destino à balança central, caçambas enormes carregadas com o “cheiroso”, sem cobertura, perfumando as lojas, padarias e perfumarias por onde passavam, entre eles, como recheio, as chiques e modernas pick-ups com para-brisas pretas.
E nós aguardando uma brecha para poder atravessar - sim, nós porque já não estava mais sozinho. Muita gente já havia se aglomerado aguardando nervosamente diante de tanta movimentação do progresso da cidade. Parecia um desfile do poder econômico. Foi quando vi uma Maria, uma senhora baixinha, aparentava ter seus 18 anos, mas certamente tinha seus 25, uma senhora respeitosamente vestida e apressada, correndo por uma brechinha entre os gigantes para alcançar o outro lado, trazendo bem seguro na mão direita firme na gola seu Bim-Bom. Assim como eu carregava o meu cachorrinho lá naqueles distantes tempos.
Mas este Bim-Bom moderno desta respeitosa senhora, não era nenhum cachorrinho, mas sim um bonito garotinho aparentando seus 7, talvez 8 aninhos, bem vestido, bem gordinho, quase do tamanho da própria mãe. Mas por que a mãe o teve tão firme em sua mão? Porque naquele momento os olhinhos do menininho querido estavam programados eletronicamente e modernamente para apenas ver os aplicativos no seu “smartphone”.
Tudo indica que o coitadinho já não dormia mais. Pensava e sonhava, dormindo ou de olhos abertos, no seu celular, que a mãe protelava comprar, pois precisava espremer suas economias do dia a dia. Mas Bim-Bom não estava nem aí e não havia o que o fazia desistir do seu desejo. Ameaçava não estudar. Relaxava nos seus deveres e vinha com aquelas ameaças de chantagem universal: “Por que eu não posso ter? Todos os meus coleguinhas têm? Olha, meu priminho Nestor, menor do que eu, já tem! Todo mundo tem, a senhora não vê, mãe?”
A jovem mãe, adepta do modernismo como não poderia deixar de ser, já esvaziada de todos os seus argumentos, leva no intervalo de seu trabalho, na hora de seu almoço, o seu bichinho de estimação junto à loja chique dos telefones lá na movimentada avenida. Tinha que ser na loja já escolhida pelo Bim-Bom. Tinha que ser o telefone da cor e recursos que ele desejava. A bem da verdade já estava tudo determinado. Apenas o homem fazer a nota e a mãe negociar sofridamente as parcelas de pagamento. Bim-Bom dispensou a caixinha e o embrulho do presente e logo começou a manipulá-lo. Deixou a mãe tranquilamente escolher a forma de pagamento e o homem fazer a nota. Ficou tranquilo no meio do corredor da loja olhando para a telinha mágica do aparelhinho dos seus sonhos. Nem quis saber do pagamento, onde a mãe foi para pagar, nem pensou em acompanhá-la na longa fila do caixa. Nem era mais aquele menino resmungão, emburrado, mexeriqueiro. Estava ali “comportadinho”, entretido com o seu grande pequeno presente.
E foi ali que a mãe o encontrou, depois de longos minutos de espera na fila do caixa para a conferência de documentos e listagem de crédito na praça. Agora com pressa, para alcançar em tempo seu lugar de trabalho, falou pro filhinho: “Vamos!”, ajeitando seus documentos na bolsa, foi andando até na calçada, olhou para trás e Bim-Bom estava como enraizado no mesmo lugar. Não escutava mais a voz materna. Não precisava mais das palavras da mãe. Ela voltou e para deixar seu filhinho vivo em casa, pegou-o na gola da blusinha, melhor, no cangote mesmo, e o foi apertando contra seu peito com um sofrido e moderno carinho, conduzindo-o pela calçada, atravessando assim aquela avenida, pois sozinho perigava virar um mingau colorido sob as pesadas rodas das carretas.
Que tempos lindos, mas muito perigosos!