Marcos 8.31-38

Auxílio Homilético

12/03/2006


Prédica: Marcos 8.31-38
Leituras: Gênesis 28.10-17 e Romanos 5.1-11
Autor: Guilherme Lieven
Data Litúrgica: 2º. Domingo da Quaresma
Data da Pregação: 12/03/2006
Proclamar Libertação - Volume: XXXI

1. Introdução

O texto previsto para pregação nesse domingo da Quaresma apresenta o primeiro anúncio do sofrimento, da morte e da ressurreição de Jesus e, após um difícil diálogo entre Pedro e Jesus, reúne quatro ditos sobre o seguimento ao Filho do Homem. O desentendimento entre Jesus e o discípulo (vv. 32b e 33) ancora o texto em dúvidas e necessidades reais da vida humana. Afinal, ninguém gosta de sofrer e nem vê no sofrimento algum sentido. Os ditos de Jesus questionam opções e valores, considerados vitais para proteger e salvar a vida.

Antes de aprofundarmos essas primeiras impressões sobre o texto, convido para acompanhar algumas considerações importantes sobre Mc 8.31-38.

2. Considerações sobre o texto

2.1 – A pregação de Jesus sobre o seu sofrimento, morte e ressurreição: vv. 31-32a

No v. 29 desse mesmo capítulo do evangelho de Marcos, Pedro afirma que Jesus é o Messias, o escolhido e ungido que veio trazer o reino de Deus ao mundo. A visão messiânica comum na época não incluía o sofrimento e a morte do Salvador. A maioria esperava um messias vencedor, cercado de guerreiros, capaz de derrotar os poderes e os príncipes injustos do mundo. Jesus surpreendeu ao pregar o sofrimento do Filho do Homem, sua rejeição por parte daqueles que exerciam o poder (anciãos, sacerdotes e escribas), sua morte e ressurreição. Jesus sabia que sua mensagem e ações entrariam em choque direto com a religião oficial, com a organização social e com os valores de sua época. Ele previa a sua morte de cruz.

Palavras de esperança fizeram parte desse trágico anúncio de Jesus: “... e que, depois de três dias, ressuscitasse”. Jesus contava com a sua ressurreição. Outras passagens dos evangelhos atestam isso, tais como Mc 9.9s, Mc 14.25,28. Lc 14.13s. e Mt 27.63. A ressurreição, por outro meio e cami- nho, apontava para uma vitória de Deus sobre os poderes do mundo e da morte. Jesus falava abertamente (“E isto ele expunha claramente”, v. 32) desse caminho salvífico. Ele preparava os seus seguidores para absorverem a nova proposta messiânica, o novo caminho, a verdade e a vida, que necessariamente passariam pela sua morte e ressurreição.

2.2 – O diálogo de Pedro com Jesus: vv. 32b e 33

Pedro, um ser humano comum de seu tempo, reprova o anúncio do sofrimento e morte de Jesus. Conforme a sabedoria de seu tempo, o messias e os propósitos de Deus não poderiam ser derrotados pelos poderes do mundo. Sofrimento e morte (ressurreição não conheciam) faziam parte do cotidiano do povo, desprovido de justiça e paz, excluído da vida digna. O messias estaria acima dessa realidade, isento dessa sina desastrosa. A visão messiânica da época projetava uma salvação espetacular, baseada em imagens e atos possíveis nos limites do mundo.

Jesus denuncia com palavras contundentes, em tom de acusação, que Pedro defende a proposta do mundo, a lógica da morte, que propõe a felicidade sem doação, sem perda dos benefícios próprios, sem sofrimento e ressurreição. Jesus surpreende seus seguidores ensinando uma vitória que inclui a perseguição, a morte e uma nova vida. Jesus prega uma salvação vitoriosa que passa pela realidade humana, injusta e destruidora, deixando nela as marcas do reino de Deus, do amor, da vida plena e eterna.

2.3 – Os ditos de Jesus, como salvar a vida: vv. 34-38

As afirmações de Jesus, após o diálogo com Pedro, ensinam que seus seguidores e suas seguidoras são inseridos em sua missão salvadora, que inclui o sofrimento, a morte e a ressurreição. “O servo não é maior do que o seu senhor...” (Jo 13.16), os servos andam pelo mesmo caminho do seu Senhor. “Se alguém quer me seguir, esqueça os seus próprios interesses, carregue a sua cruz e me acompanhe” (v. 34); a verdadeira salvação está enraizada na realidade a ser transformada. “...quem perder a sua vida por minha causa e por causa do Evangelho vai salvá-la” (v. 35); a fidelidade a esse caminho de salvação faz a diferença. “Que vantagem terá alguém se ganhar o mundo inteiro e perder a sua vida?” (v. 36); a vida transcende os limites e valores do mundo. “...quem tiver vergonha de mim, o Filho do Homem terá vergonha dele...” (v. 38); quem nega essa proposta salvífica em seu cotidiano afasta-se da dimensão eterna de vida.

Jesus convida os seus discípulos e a multidão (v. 34) a fazerem uma nova opção de vida, baseando-se nos valores do evangelho e na sua missão
redentora; aquela missão que inclui o amor, a doação, a partilha, a justiça, a paz e, por isso, a perseguição e a cruz.

No tempo de Jesus, o sofrimento e a morte faziam parte do dia-a-dia do povo. Os caminhos possíveis para salvar a própria vida passavam, via de regra, pelos cuidados com os próprios interesses. Esse era o exemplo dos que se beneficiavam e conviviam com os poderes constituídos. O sofrimento e a morte configuravam a maior derrota. Os poucos e fracos movimentos de resistência, que reivindicavam justiça e direitos, envergonhavam a multidão. Todos tinham motivos suficientes para não se apoiar nesses projetos de libertação. E a experiência religiosa ensinava que o melhor era aguardar um salvador apocalíptico, que sozinho libertaria o mundo.

Os ditos de Jesus, reunidos em Marcos, pressupõem um outro projeto salvífico. Apresentam uma outra opção: caminhar para a vida, assumindo a realidade de cruz e de morte. O prêmio para essa opção é a inclusão no processo de salvação e a vitória sobre a morte, a ressurreição. Apesar do sofrimento, das ameaças e da cruz, todos os que optam por esse caminho participam da transformação do mundo, da vitória sobre a morte e dos sinais do reino de Deus. A proposta de Jesus é nova. Agora os beneficiários da salvação não são meros espectadores da obra salvífica de Deus; eles já a experimentam no processo de transformação do mundo. Por isso mesmo, o projeto de Jesus reclama uma nova opção pela vida, compatível com os valo- res do evangelho do amor sem fim.

3. Motivações para a elaboração da mensagem

Em nossos dias, a pluralidade e a fragmentação das relações humanas, dos interesses e dos poderes constituídos endossam inúmeros projetos de salvação para a vida pessoal; também para a economia, para as sociedades ricas e pobres, para o mundo. No centro e à margem desse movimento humano, a pluralidade religiosa instala-se, nem sempre a serviço da vida. A mensagem evangélica de Jesus, por exemplo, é usada para legitimar diferentes e contrastantes projetos de salvação. Ao apresentarmos a comunidade de Marcos 8.31-38, teremos esse contexto como pano de fundo.

A cruz, a ressurreição e os ditos de Jesus fomentarão várias perguntas e dúvidas. Os ouvintes indagarão sobre o que é salvação, se viver em paz e com Deus inclui o sofrimento e a derrota, se esse é o melhor futuro, se a sua esperança está realmente fundamentada no evangelho, se os seus valores de vida e a sua opção espiritual são compatíveis com o anúncio e com o convite de Jesus. A atualização do texto confrontar-se-á com a necessidade de indicar respostas para essas e outras perguntas, acompanhadas pelo convite de Jesus, que exige opção e posicionamento.

Proponho apresentar à comunidade que se reúne aos domingos no culto a mensagem do texto de forma propositiva, apontando para a experiência diaconal e evangélica que cria caminhos de transformação da morte em vida, a partir da realidade, sem fugir dela. Essa é a mensagem de Jesus, a mensagem da cruz: não é possível vencer e superar o sofrimento sem assumi-lo. Assim como essa mensagem assustou o discípulo Pedro, assusta todos os que hoje apostam em saídas libertadoras individualistas, que instrumentalizam valores e poderes humanos e religiosos hierarquizantes e escravizadores.

Simultaneamente, não esquecer de anunciar a esperança, que se avoluma pela fé na ressurreição e que rompe com os muros dos limites da vida neste mundo. A mesma mensagem fortalece a participação de todos nas atividades comunitárias, diaconais e sociais, de grupos e lideranças que constroem sinais concretos de solidariedade, doação e partilha, a partir da realidade de sofrimento e cruz de todos os envolvidos. A comunidade, reunida para o culto, ficará alegre ao ouvir novamente que o amor e a ação salvífica de Jesus a incluem como agente vivo de transformação em sua realidade. Essa mensagem ajuda a comunidade a interpretar e a associar com a sua vida vários conceitos bíblicos, tais como corpo de cristo, sacrifício vivo (Roma- nos), pedras vivas, sacerdócio de todos (1 Pedro).

Creio que este texto é mensagem de amor, de vocação e de esperança também em outros contextos. Por exemplo, para os adolescentes e jovens da Casa Mateus em Mauá (SP), integrados aos programas de arte, dança, cultura, informática e primeiro emprego. A proposta de Jesus, a princípio, não convence. Suspeitariam dessa proposta de salvação que os inclui, pois conhecem seus limites e fraquezas; não acreditam mais em grandes transformações da sua realidade. Nessa situação, o ensino e os ditos de Jesus são evangelho. Chamam os adolescentes e jovens para não fugirem de sua triste realidade e para buscarem nela caminhos de transformação, negando os valores da morte, aprendendo os segredos da vida, que é de Deus e eterna.

O texto convida a anunciar a nova proposta salvadora de Jesus de forma propositiva e corajosa, uma proposta que nos inclui, que parte de nossa realidade e que transcende os limites dessa história e mundo.

4. Auxílios litúrgicos

Saudação e acolhida: Sugiro saudar a comunidade com um dos ditos de Jesus, por exemplo: “Que vantagem terá alguém se ganhar o mundo inteiro e perder a sua vida? (v. 36).

Confissão de pecados: Incluir na oração as tentações relacionadas às nossas tentativas de salvar a própria vida e de negar ou fugir da nossa realidade de sofrimento e cruz.

Kyrie: Motivar a comunidade a rogar pelas pessoas, comunidades e povos escravizados e anulados por propostas e visões libertadoras baseadas nos valores e riquezas deste mundo.

Anúncio da graça: “O ladrão só vem para roubar, matar e destruir; mas eu vim para que tenham vida e vida completa. Eu sou o bom pastor; o bom pastor dá a vida pelas ovelhas” (Jo 10.10-11).

Oração do dia: Clamar ao Espírito Santo para que crie, entre os presentes, paciência e confiança na proposta salvífica revelada por Jesus, que as inclui como pessoas vivas e atuantes na transformação de vidas e realidades mortas do mundo.

Leituras bíblicas: Apresentar o texto de Gn 28.10-17 como palavra de Deus, que revelou, para os antepassados, um Deus presente no mundo e na história. Apresentar o texto de Rm 5.1-11 como anúncio de salvação e da aceitação de Deus, que pode ser experimentada pela fé e seguimento a Jesus Cristo.


Bibliografia

JEREMIAS, J. Teologia do Novo Testamento: 1ª parte: A pregação de Jesus. São Paulo: Paulinas, 1977.
STEGEMANN, Ekkehard W. e STEGEMANN, Wolfgang. História Social do Protocristianismo. São Leopoldo, RS: Sinodal; São Paulo, SP: Paulus, 2004.


Autor(a): Guilherme Lieven
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Quaresma
Perfil do Domingo: 2º Domingo na Quaresma
Testamento: Novo / Livro: Marcos / Capitulo: 8 / Versículo Inicial: 31 / Versículo Final: 38
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2005 / Volume: 31
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 23627
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