Marcos 10.45 + Mateus 9.35 - Solidariedade fraternal

Prédica

05/11/1967

SOLIDARIEDADE FRATERNAL
Marcos 10.45 + Mateus 9.35 

Ao inaugurarmos hoje este Centro Social de vossa comunidade, poderia surgir a pergunta, por qual razão a Igreja ou uma comunidade se dedica ao trabalho social. Não existe a Igreja para pregar o evangelho? Não teria ela todo o motivo de concentrar todos os seus esforços nesta uma tarefa que lhe foi confiada pelo Senhor mesmo: Ide e pregai o evangelho (Mc 16.15) ? Por que ainda um Centro Social? Sem dúvida alguma, a tarefa confiada à Igreja é esta de pregar o evangelho. É através da pregação do evangelho que Jesus Cristo mesmo continua w agir no mundo. Ele fala a nós, Ele nos chama pelo evangelho. Mas, onde por através da palavra humana da pregação for ouvida a sua própria voz, não pode faltar a resposta. E a resposta é a fé em Jesus Cristo que com gratidão confessa: Ele é meu Senhor que me remiu a mim, homem perdido e condenado, resgatou e salvou-me de todos os pecados, do poder da morte e do diabo, para que eu lhe pertença e sirva a Ele no seu reino1. A comunidade, portanto, é a congregação daqueles que ouvem o evangelho e respondem com a sua fé confessando Jesus Cristo como Senhor ao qual pertencem e ao qual querem servir. 

Jesus Cristo, porém, declara que não veio para ser servido, e sim, para servir e dar a sua vida em resgate por muitos. Aos muitos, aos outros, Ele dirige o olhar daqueles que lhe querem servir. Como Ele veio para procurar e salvar o que estava perdido, e para isto percorreu todas_ as cidades e povoados, assim Ele quer que nós, a sua comunidade, tenhamos olhos e corações abertos para os sofrimentos e as necessidades dos outros; quer que cada uma de nós se torne o próximo para aquele que de um próximo necessitar. Vai e-faze tu o mesmo (Lc 10.37) — essa palavra final da história do bom samaritano vale para cada um de nós. O trabalho social da Igreja só pode ser este serviço de uma comunidade que, tendo ouvido o chamado a obedecer, a servir ao Senhor, servindo aos outros.

Todo o serviço social está relacionado ao homem, ao homem no seu convívio com os outros. A Igreja não pode deixar de interessar-se por ele, mas é chamada a assumir a sua responsabilidade pelo homem, pelo homem em todas as relações de sua existência humana, por ser Igreja daquele que por amor se tornou homem. Deus se tornou homem, esse é o fato central do evangelho, e a ele a igreja deve responder e corresponder em toda a sua atuação. A Igreja, e isso quer dizer : - nós, devemos deixar transparecer pela nossa atuação a verdade do evangelho que Deus de tal maneira amou o mundo que deu o seu Filho Unigênito (João 3.16) , e Ele, Jesus Cristo, nos diz que veio para servir e dar a sua vida por muitos (Mt 20.28) , e com isso nos revela : Assim é Deus: amor que não veio para julgar e condenar, mas para procurar e salvar o que estava perdido; amor que não esperou até que os homens se tornassem dignos dele, mas que em sua condescendência veio a nós para buscar-nos em meio de nossa existência humana, conferindo com isso a maior dignidade à pessoa humana. E aqui no nosso mundo, Jesus percorria as cidades e povoados, ensinando e pregando o evangelho do reino e curando toda a espécie de enfermidades e ajudando em todas as necessidades - assim é Deus. E a História da Igreja por através de 20 séculos até os nossos dias é também um testemunho de que Jesus Cristo jamais deixou este mundo entregue a si mesmo. Todo o pregar e ensinar da Igreja, todo o ajudar e servir em seu nome, tem sentido e razão de ser somente na certeza de que Cristo também hoje continua a percorrer as cidades e povoados para ensinar e pregar, para curar e ajudar. A todos que lhe querem servir, Ele também hoje diz: Segui-me, e isso quer dizer: Segui-me neste caminho de ajudar e de dar testemunho ao mundo do amor de Deus. Por isso não está entregue à livre vontade da Igreja, ou melhor, -à nossa vontade, se queremos ou não queremos sentir-nos responsáveis pelos outros. A comunidade de Jesus Cristo não pode contentar-se com a sua própria existência, deixando o mundo com todos os seus problemas entregue a si mesmo. Cristo nos enviou para este mundo com uma tarefa a cumprir, e com isso nos faz responsáveis pelo mundo, responsáveis para que por meio de nosso testemunho o mundo venha saber que é o mundo de Deus, por Ele mantido, e apesar de tudo, por Ele amado.

Será, pois, este vosso Centro Social, como um sinal erguido, um testemunho da realidade de Cristo entre nós, um instrumento, por através do qual Ele mesmo quer atuar também no mundo hoje, para mostrar-lhe o amor de Deus. Tudo, porém, o que a comunidade aqui fizer, no desempenho de sua responsabilidade pelo homem, todo os seu serviço social, só será legítimo, e não intromissão em terreno alheio, se for a resposta daqueles que ouviram e aceitaram para si o evangelho do amor de Deus em Jesus Cristo; resposta, por meio da qual em atos concretos e visíveis dão testemunho ao mundo do que em Cristo nos foi confiado. 

Nunca podemos ter Cristo somente para nós mesmos. Se assim o quiséssemos, já o teríamos perdido. Só podemos tê-lo reconhecendo-o como o Cristo também para o outro, para todos, pois Deus quer que todos os homens sejam salvos. E por isso o outro nunca nos pode ser apenas um objeto de nossa caridade, ao qual por piedade damos um pouco do muito que nos -foi confiado. O outro só nos pode ser o homem amado por Deus, o homem em resgate do qual Cristo deu a sua vida. 

Cristo solidarizou-se conosco, inteiramente, tomando sobre si as nossas enfermidades, levando consigo para a cruz os nossos pecados. E é Ele quem nos mostra o outro para que nele vejamos o nosso irmão. É-Cristo quem nos espera por detrás do semblante do irmão, e isso quer dizer em primeiro lugar: do irmão que sofre, que é oprimido, que necessita de alguém que lhe seja irmão, do qual Cristo disse : O que fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim é que o fizestes. (Mt 25.40) De tanta importância é para Cristo o outro, o homem necessitado, que Cristo se identifica com ele : O que a ele fizestes, a mim é que o fizestes. E com essa palavra nos diz o que lhe é importante e essencial: que haja misericórdia e solidariedade fraternal entre nós ; que desapareça de nosso meio e em nossa atitude toda a espécie de egoísmo ; que vejamos no outro, seja ele quem for, o semblante de Cristo, com o seu olhar sobre nós, esperando pela nossa resposta ao seu amor. 

Contudo, sabemos que com nossa força e ação humanas não podemos transformar o mundo, não podemos vencer todo o sofrimento, toda a injustiça e todos os poderes do mal. E no entanto, somos chamados a agir e a lutar, não para vencer o mal, mas na certeza e em testemunho de que já foi conquistada a vitória sobre todos os poderes do mal. De Deus é a vitória, e Ele não deixou o mundo que é seu, não deixou os homens entregues a si mesmos. O seu amor em Jesus Cristo é realidade neste mundo, e Jesus Cristo disse: Eis que eu faço novas todas as cousas (Ap 21.5), e nós somos chamados a ser suas testemunhas.

Certamente a Igreja não tem uma solução pronta para os múltiplos problemas sociais. Mas ela tem o grande mandamento: Amarás ao Senhor teu Deus, e amarás ao teu próximo como a ti mesmo. (Mc 12.30 s.) E este mandamento nos autoriza e nos ordena a erguermos sinais em meio deste nosso mundo, da presença de Deus, de seu reino, de seu amor — confiando onde com nossas forças deparamos com barreiras intransponíveis que Cristo as há de vencer, porque ele cumprirá a sua palavra: Eis que eu faço novas todas as cousas. 

Que este Centro Social que hoje inaugurais seja sempre um sinal dessa nova realidade, um testemunho da misericórdia de Deus.

Nota
1 Martim Lutero, Catecismo Menor, explicação do 2º. artigo do Credo Apostólico.

Pastor Ernesto Schlieper

5 de Novembro de 1967 (24º. Domingo após Trindade), Inauguração do Centro Social da Comunidade Evangélica de Lajeado 

Veja:

Testemunho Evangélico na América Latina

Editora Sinodal

São Leopoldo - RS
 


Autor(a): Ernesto Theophilo Schlieper
Âmbito: IECLB
Título da publicação: Testemunho Evangélico na América Latina / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1974
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 19731
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