Manifesto pela morte do jornalista Tim Lopes
A morte do jornalista Tim Lopes causa um indisfarçável impacto na vida da sociedade brasileira. Além de lamentar a violência sem limites das grandes metrópoles brasileiras, provocada pelo poder armado do tráfico de drogas, essa mesma sociedade deve se impor a necessidade de refletir sobre si mesma, reavaliar os valores que erige como norma de convivência e distinguir a maneira de tratar seus heróis daquela com que lida com seus vilões.
Repórteres investigativos cumprem tarefa fundamental em sociedades marcadas pela confusão de papéis em conseqüência das relações de poder, acentuadas pela falta de horizonte imposta a vastos segmentos da população. Estão expostos à fúria de poderosos que têm os interesses contrariados, políticos e empresários corruptos e traficantes, que criam leis baseadas em terror e medo.
O que torna esse fato uma tragédia humana são as condições de morte com humilhação, impostas a um fiel interlocutor dos dramas de uma gente que não tem mais como e nem a quem clamar, cansada de promessas e descumprimentos, pessoas que simulam uma débil existência nas regiões insalubres que lhes restaram
para sobreviver, que balançam entre a sanha de criminosos e a ausência de governos que lhes dêem a atenção mínima, os cuidados básicos e a cidadania elementar.
Apesar da maioria absoluta de cidadãos que moram nas favelas ser composta de trabalhadores comuns que enfrentam todo tipo de dificuldades para viver, trabalhar, morar no seu próprio pedaço de chão e educar os filhos, com parâmetros mínimos de dignidade, as instituições que trabalham na construção da cidadania têm instrumentos ainda fracos para contribuir no empoderamento desses setores da população.
Urge rediscutir as relações de poder, dos objetivos a que serve e dos métodos de que se vale. Mesmo as igrejas não estão imunes a esses riscos e, por isso, não querem furtar-se à reflexão necessária e dispõem-se aos desafios de rediscutir suas estruturas de poder, tornar suas instituições cada vez mais transparentes e dispor-se permanentemente ao questionamento de sua autoridade como serviço à cidadania por ser construída. Além disso, torna-se fundamental a promoção de uma espiritualidade que incorpora com firmeza e coragem a busca da justiça como caminho para a paz.
O assassinato de um profissional da informação expõe o tamanho da ferida em nosso corpo social, dimensiona a proporção do estrago causado pelo nosso modelo de desenvolvimento e ajuda a ter uma visão real da tragédia cotidiana. Por isso, como Igreja de tradição protestante, recusamo-nos ao simples lamento, à linguagem polida que mais esconde que revela, ao medo de ferir suscetibilidades alhures. O débito de nossa sociedade para com os pequenos filhos do Pai é tão brutal, que nos resta perguntar se é essa a sociedade que queremos, se temos coragem de nos defrontar com nosso futuro e assumir a tarefa de mudá-lo com transformações estruturais profundas, e se cremos que nosso Deus está conosco nesta empreitada.
Sínodo Sudeste - Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil