Mais amor, por favor! | 1 João 3.16-24

4º Domingo da Páscoa

25/04/2021

 

Amados irmãos, amadas irmãs,


certa vez uma criança sofria de uma doença terrível e rara. Não haveria esperança de recuperação para ela a não ser que recebesse uma doação de sangue. Entretanto, seu sangue era “O negativo”, aquele que pode doar para todos os tipos sanguíneos, mas só é capaz de receber de outro igual. O único naquele momento que poderia realizar a doação era o irmão mais velho que tinha apenas cinco anos de idade. Mesmo não estando na idade mínima para realizar a doação, era a possibilidade mais próxima e urgente, pois procurar alguém para fazer a doação poderia demorar demais.


O médico explicou a situação aos pais e em seguida ao menino. O médico também perguntou se o menino aceitava doar o seu sangue à sua irmã. Primeiramente, o menino hesitou um pouco. Mas após uma profunda respiração, ele concordou. Se era para salvar a vida de sua irmã, ele iria fazer a doação.


O menino foi, então, deitado na cama ao lado da irmã. Primeiramente ele sorria por saber que estava ajudando a sua irmãzinha mais nova. Entretanto, conforme a transfusão continuava, o sorriso logo empalideceu. Tinha uma dúvida na cabeça e precisava perguntá-la ao médico. O menino disse: - Eu vou começar a morrer logo, logo? O menino não havia entendido direito o que era uma doação de sangue. Ele achou que teria que doar todo o seu sangue para salvar a sua irmãzinha. Logo, pensou que precisaria morrer para que ela continuasse vivendo. O médico então explicou para o menino que ele iria doar apenas um pouco do seu sangue e que não precisaria morrer. O sorriso logo voltou ao rosto do menino.


Não passou muito tempo e a sua irmã se recuperou. Eles cresceram e puderam brincar muito, sorrir muito, brigar muito, enfim, terem os momentos naturais da infância. Chegaram na adolescência, na idade adulta e na velhice.1


Esta é uma história simples. Não importa muito se ela é verdadeira ou não. Fato é que ela ilustra muito bem o texto previsto para a pregação de hoje. O menino achou que teria que morrer para salvar a irmã e mesmo assim se dispôs a doar o seu sangue para ela. O menino amava tanto a sua irmã que se dispôs a morrer para que ela continuasse vivendo. Ele queria tanto o bem da sua irmã que aceitou sofrer um mal. Graças a Deus, a história foi esclarecida e o menino continuou vivendo. Todavia, que grande lição esta história traz.


O apóstolo João está testemunhando disso. E João pode dar testemunho disso. Ele era filho de Zebedeu e Salomé e também irmão de Tiago. Primeiramente, era discípulo de João Batista, mas logo começou a seguir a Jesus de Nazaré. João fazia parte do círculo mais íntimo de Jesus, juntamente com Pedro e André. Eles acompanharam Jesus no monte da Transfiguração (Lucas 9.28), na casa de Jairo onde Jesus ressuscitou sua filha de 12 anos (Lucas 8.51), e também no Jardim do Getsêmani no momento de profunda agonia do mestre (Marcos 14.33). João é o único que encostou a cabeça no peito de Jesus e foi chamado de discípulo amado (João 19.26). Enquanto os outros discípulos fugiram, João acompanhou o julgamento e crucificação de Jesus (João 18-19). João foi também testemunha ocular da ressurreição ao ser um dos primeiros a ver o túmulo de Jesus vazio (João 20.1-8) e a testemunhar o Cristo ressurreto, primeiro na casa com as portas trancadas (João 20.19-28) e, depois, no mar da Galileia (João 21.1-24).2


Se há alguém com autoridade para testemunhar do amor de Jesus, este alguém é João. É para isso que ele escreveu as suas três cartas. Enquanto o Evangelho de João é escrito para os de fora, ou seja, para os incrédulos, suas cartas são escritas para os de dentro, ou seja, os crentes que esfriaram no amor. O seu Evangelho é escrito para que aqueles que nunca ouviram falar do amor de Jesus pudessem crer e confessá-lo como Senhor e Salvador. Já as suas três cartas são escritas para aqueles que já confessam Jesus como Senhor e Salvador, mas desaprenderam o amor!


Para João, a verdadeira fé se comprova da seguinte maneira: 1) A prova doutrinária: Quem nega que Jesus Cristo é Deus e que ele veio em carne, este não é de Deus (1 João 4.2-3). O primeiro passo é confirmar que a pessoa crê em Jesus como Verbo que se fez carne e habitou entre nós (João 1.14); 2) A prova social: quem não ama, não é nascido de Deus. Quem não ama não vive na luz de Deus. Não há como separar a relação com Deus da relação com os irmãos e irmãs. Aquele que ama a Deus que não vê e odeia ao seu próximo a quem vê é mentiroso e ele não está o amor de Deus (1 João 4.20); 3) A prova moral: quem ama verdadeiramente a Deus também procurará obedecer a sua Palavra. Na fé cristã, o ditado “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço” não funciona. A fé precisa ser condizente com a prática. Quem ama a Deus, amará, de fato, seus irmãos e procurará agir de maneira honesta e correta para com todas as pessoas.


O apóstolo João compreendeu tudo isso. Não adianta ter mil hinos decorados sobre o amor de Deus sem que esse amor se torne uma prática do nosso dia a dia. Pouco adianta compartilharmos centenas de frases sobre o amor nas redes sociais se não somos capazes de nos compadecermos de alguém que sofre, seja por fome, tristeza, preconceito, violência, etc. É inútil querer o amor e não o exercitar quando aparece a oportunidade. As pessoas estão sedentas por um amor verdadeiro. Entretanto, quando aparece a oportunidade de encontrá-lo realizando o bem ao outro, deixam de fazê-lo.


O amor testemunhado por João não é o amor egoísta e mesquinho que quer tudo para si, que se coloca sempre em primeiro lugar, que deseja possuir, que anseia dominar, que cobiça o que ainda não tem. O amor testemunhado por João também não é uma mera questão de gosto. Não é apenas gostar do próximo ou de Jesus. Não é simplesmente “ir com a cara” do próximo ou de Jesus. Não é simplesmente pensar: “até que ser cristão é um negócio legal”. Não! O amor de Jesus testemunhado por João é ação, é prática, é mandamento! Não é uma opção. Ou o cristão ama ou ele não é cristão! Ou o cristão faz o bem ou não é cristão! O amor é o que revela a quem servimos.


O problema é que o amor está desgastado. Há tantas músicas sobre o amor. Tanto sertanejo universitário, tanta “sofrência”, tanta traição. Com isso tudo, estamos desaprendendo a amar de fato e de verdade. O amor se transformou em um produto. Pior! Ele transforma pessoas em produtos que são consumidos e descartados em seguida. Transforma as pessoas em máquinas que são amadas enquanto produzem, mas odiadas quando perdem o vigor por causa da idade. Muitos são até aposentados por “invalidez”, ou seja, são pessoas que não valem mais nada, mas que apenas “estão dando prejuízo ao sistema”. O amor está desgastado. Mas ainda há pequenas sementes aqui e ali. Queira Deus que elas brotem e gerem muitas árvores com sombras protetoras, ninhos acolhedores e frutos que nos encham cada vez mais do próprio amor e menos amor-próprio egoísta, mesquinho e superficial.


Amados irmãos, amadas irmãs,


João escreveu estas palavras às igrejas da sua época. É uma carta circular que deveria passar e ser lida de comunidade e comunidade. Quem sabe, hoje chegou a nossa vez. Hoje podemos repensar a maneira como estamos lidando com o amor, principalmente o amor ensinado e praticado por Jesus.


Jesus não amou apenas de palavra, mas de fato e de verdade. O amor de Jesus é um amor prático! “que Cristo deu a sua vida por nós; portanto, também nós devemos dar a nossa vida pelos irmãos”. (1 João 3.16). O amor está na doação. Jesus se doou a nós para que nós também nos doássemos aos outros, para que tivéssemos uma vida onde o amor não é só uma “sofrência”, mas uma prática tão normal quanto comer ou beber água sem, no entanto, se desgastar.


Quero terminar citando o teólogo alemão Friedrich Nietzsche. Ele se refere a Jesus como o “Bom-mensageiro” e escreveu algumas palavras que resumem bem o que vimos até aqui. Nietzsche diz:


A prática foi o que ele deixou para a humanidade: sua atitude diante dos juízes, diante dos soldados, diante dos acusadores e de todo tipo de calúnia e escárnio – sua atitude na cruz. Ele não resiste, não defende seu direito, não dá um passo que afaste dele o extremo, mais ainda, ele o provoca... E ele pede, ele sofre, ele ama com aqueles, naqueles que lhe fazem mal...3

 

O que Nietzsche quer dizer com essas palavras? Jesus poderia ter se defendido. Poderia usar o seu poder para reivindicar a sua inocência. Poderia ter descido da cruz e acabado com tudo, mas não o fez. Por quê? Por amor! Por amor ele não resiste, não defende o seu direito. Por amor aos que lhe fazem mal. E o Nietzsche diz também: “Não se defender, não se encolerizar, não responsabilizar... Mas também não resistir ao malvado – amá-lo...”4. Este é o amor de Jesus.


O Senhor nos ajude a colocarmos isso tudo em prática. Assim como o menino da história, também nós estejamos tão cheios de amor ao ponto de nos entregarmos caso necessário. Menos ódio e polarização. Mais amor, por favor. Amém.

 

 


4º DOMINGO DA PÁSCOA | BRANCO OU DOURADO | CICLO DA PÁSCOA | ANO B

25 de Abril de 2021


P. William Felipe Zacarias


1 BARTH, Adabílio (Org.). Fontes de Inspiração. Erechim: Editores do Sul, 2008. p. 42.

 

2 Cf. LOPES, Hernandes Dias. 1, 2, e 3 João: como ter a garantia da salvação. São Paulo: Hagnos, 2010. p. 12-13.

 

3 NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. O Anticristo – 1895. In: NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Obras Escolhidas. Porto Alegre: L&PM, 2013. p. 401. Grifos do autor.

 

4 NIETZSCHE, 2013. p. 401. Grifos do autor.


Autor(a): P. William Felipe Zacarias
Âmbito: IECLB / Sinodo: Rio dos Sinos / Paróquia: Sapiranga - Ferrabraz
Área: Missão / Nível: Missão - Coronavírus
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Testamento: Novo / Livro: João I / Capitulo: 3 / Versículo Inicial: 16 / Versículo Final: 24
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 62186
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O verdadeiro cristão não vive na terra para si próprio, mas para o próximo e lhe serve.
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