LUTERO E O ESPÍRITO DE REFORMA
Estamos agora já no inverno. Um período cujo clima faz naturalmente que nos voltemos para os nossos interiores, desde a casa a nós mesmos, ao contrário do exuberante e expansivo verão. Época, segundo penso, muito própria para a reflexão, para a percepção sutil das coisas que ordinariamente passam despercebidas, mas que são essenciais.
Penso que é apropriado para uma reflexão quanto ao sentido de uma palavra que nos é muito especial. Reforma.
Já disse Martin Luther (perdoem-me os que preferem a designação aportuguesada do reformador, mas prefiro o original) que devemos ser Igreja sempre em Reforma (Ecclesia semper reformanda est). Então, temos o Espírito da Reforma:- algo que impulsionou inicialmente mudanças na Cristandade e que – como funda provocação - sempre deve impulsionar a reflexão sobre a experiência, para não acomodação.
Estamos falando, até aqui, de reforma de um ponto de vista institucional, que está longe – segundo penso - de ser o todo preconizado por Luther. Aparentemente, pode-se pensar que estou sendo um tanto pretensioso quanto ao que ia na mente e no coração dele. Na defesa da minha ideia, diria, então, que a forte ênfase do nosso querido reformador na educação, que permitisse que fôssemos “totalmente livres e totalmente servos”, livres da opressão das instituições humanas e servos na consciência das responsabilidades com o próximo em Deus, é forte indício desse sentido mais amplo de reforma.
Penso que devemos cultivar esse “espírito de reforma” nas nossas vidas. Espírito que nos impele a sempre procurar olhar as coisas sob um outro ponto de vista, que nos impele a verificar se não somos nós mesmos também causa de opressão nas nossas relações familiares, de trabalho, sociais e, por fim, mas não menos importante, na nossa relação com nós mesmos na nossa intimidade.
Essa visão se comunica com as de outras experiências do Sagrado, a exemplo da Impermanência no Budismo, da Jihad no Islã ou, ainda, da Mutação no Taoísmo.
Voltando-me para a comunidade da qual faço parte, sinto-me muito feliz porque nela vejo pluralidade e respeito na diversidade. Sinto uma comunidade que procura sempre ter um novo olhar ou um olhar diferente para o que vai acontecendo dentro e fora. E, nesse sentido, vejo e sinto que ela procura não se acomodar nos velhos hábitos, mas reformar-se constantemente para propiciar liberdade consciente e, também, servir a sociedade que integra no Amor de Deus, em Cristo Jesus.
Isso tudo me desafia a também me permitir experienciar esse espírito nesta minha peregrinação. Se pudermos, toda humanidade, potencializá-lo, então certamente este mundo será mais inclusivo, mais amoroso e mais solidário. Diferenças não serão muralhas impeditivas de inte(g)ração profunda, mas algo a despertar o interesse e a vontade de conhecer.
Ele foi escrito pelo Ricardo M. Tariki, advogado, assessor jurídico da secretaria de saúde de São Bernardo do Campo, membro do presbitério e da comissão jurídica-doutrinária do Sínodo Sudeste.