Lutero e a Música

01/07/2006

A paz de Deus esteja com cada uma e cada um de vocês!

Oremos:
Deus amado, chega até nós e orienta nossas mentes e corpos para junto de ti. Amém.

Inicialmente eu quero agradecer à Comunidade Evangélica de São Leopoldo pela possibilidade de estarmos aqui hoje, em nome do Conselho Nacional de Música da IECLB para o lançamento do livro “Lutero e a Música”.

Esta é a primeira publicação do Conselho de Música que não se destina à prática musical, e sim, à reflexão sobre ela.

Quando conversamos sobre o lançamento deste livro nós chegamos ao consenso de que o local adequado para isso seria em um momento de culto e em uma comunidade. Isso porque o público alvo por assim dizer, são justamente os membros da igreja, da comunidade. É claro que também se faz uma contribuição para o mundo acadêmico, interessando assim a comunidade teológica, mas, com uma linguagem leve, porém profunda, esta obra consegue levantar assuntos que vão inclusive muito além da música. A partir da música na igreja se pode tocar em muitos assuntos relevantes para toda a vida de fé e para toda a igreja.

Por que o Conselho de Música está tão focado nos membros da igreja? Porque o trabalho com música em nossa igreja está totalmente nas mãos dos membros. O ministério da música, que é como na teologia se fala do serviço que se presta através da música na igreja. O ministério da música é um ministério dos membros.

Os membros de uma determinada comunidade é que são os proponentes e os responsáveis pela música em seu meio. Diferentemente de outros serviços que as comunidades mantêm.

Infelizmente muitas vezes os membros das comunidades são chamados de leigos, mas se levarmos esse conceito a sério, veremos que há uma notável diferença entre ser membro e ser leigo...

O lema bíblico que a IECLB escolheu para este ano foi extraído da primeira epístola de Pedro, capítulo 04, versículo 10: Servi uns aos outros, cada qual conforme o dom que recebeu.

A primeira vez que encarei este versículo como um lema para todo um ano na igreja, já me veio à cabeça a música. Isso porque é muito comum se afirmar que música é para quem tem o dom...

Este dom que se recebe é dado por Deus. Então, conforme o presente que Deus nos dá, devemos servir uns aos outros, nos doar uns aos outros.

Servir é uma conseqüência espontânea do ato de crer! Servir com os presentes que Deus nos dá. Não parece muito fácil? O próprio Deus nos dá o que quer que demos adiante.

É como “se se” ganhasse um presente e este lhe fosse solicitado, pedido. Sua condição permanece a mesma depois de ter dado o presente adiante, da que você estava antes de recebê-lo... E, como você simplesmente o recebeu e passou adiante, não há porque você cobrar por ele.

Isso não significa que: Se música é um dom, dom é um presente, presente não se cobra, como cobrar pela música? Mas e música é só uma questão de dom? Até que ponto?

Existem pessoas que são musicalmente melhores umas do que as outras, discordar disso é não prestar atenção o suficiente no que se está ouvindo. Umas pessoas receberam mais dom do que as outras? O dom está na música ou na pessoa?

Negar as diferenças das potencialidades musicais entre as pessoas é se negar a defrontar-se com algo do qual geralmente todos fugimos, como foge o demônio na presença de Cristo. Eu estou falando da fuga da desafinação.
E ela se apresenta de muitas formas, não só na música, não só no ouvido.
A desafinação permeia a existência tanto quanto a afinação. Ela está presente em tudo o que o ser humano tenta realizar. Por isso, o mundo desafina. E cada vez parece estar mais desafinado.

As situações de conflito em todas as escalas, começando em casa, passando pela escola, pela comunidade, pelo trabalho, agravadas ainda mais quando se trata de conflitos sociais, estourando na guerra, seja ela civil ou de ocupação estrangeira, como é no Iraque, na Palestina, no Haiti, no Timor Leste, no Afeganistão e em tantos outros locais, são desafinações no mundo.

A corrupção que se alastra entre a maioria dos parlamentares deste País é uma desafinação ética. Ao absolver réus confessos a culpa confessada deveria recair sobre aqueles que os absolveram. Tal cumplicidade é um crime contra a sociedade e um deboche da democracia.

E, eclesiásticamente falando, a ausência de uma política musical, que supra as necessidades mínimas de organização deste ministério, é uma desafinação dentro das igrejas.

Essas igrejas oraram juntas quando da IX Assembléia do CMI: Deus, em tua graça, transforma o mundo. Em nosso contexto, podemos afirmar: Deus, em tua graça, transforma as desafinações humanas. Afina esse mundo!

Como se poderia afinar o mundo?

O ponto de partida Pedro nos lega: Sirvam!

A partir do serviço (que é o que significa ministério), se deixa de lado a fixação que nos é doutrinada diariamente, fixação por nós mesmos! Numa postura de serviço, o foco se desloca do meu para o teu ser. Com isso os ouvidos podem se abrir aos sons que nos circundam. Isso cura qualquer desafinação. Conseguir ouvir o que se passa fora de mim. O que está soando ao meu redor. Se combinar o som que sai de mim, com o som que está fora, então entrei em harmonia com meu meio, e posso gozar do prazer da afinação.

Claro que se eu ficar sempre produzindo som sozinho, nunca vou experimentar a desafinação, mas também nunca saberei afinar. Para a afinação o outro é importante. Ela só é possível a partir da relação eu e o outro.

A relação do que crê com aquele em quem crê é a mesma coisa. Ela tem momentos de desafinação quando nós saímos do tom. Deus não desafina. É isso que o livro que está sendo lançado com este culto chama de paradigma fundamental da concepção de música de Lutero:

A música como criação e dádiva de Deus.

Lutero parece se irritar com quem discordasse dessa posição:

“Alguém que reflete a respeito da música e, no entanto, não considera como maravilhosa criação de Deus só pode ser um estúpido e não merece ser chamado de ser humano; a essa pessoa não deveria ser permitido ouvir nada além do zurro dos asnos e do grunhido dos porcos. “ pág.42.

Lutero experimentou a libertadora afinação do Evangelho. Onde o Evangelho promove a afinação uma nova realidade é criada. É possível então o deleite, ouvir algo que seja agradável, ou no mínimo interessante. Algo que provoque no interior de quem ouve novamente a vontade de viver, gosto de viver, e tanto gosto de viver que o próprio corpo se torna insuficiente para conter tamanha vibração.

Esta afinação é de presente! Um presente que revela a nós mesmos a nossa pequinês ao nos defrontar com algo tão perfeito. Música é totalmente música ao incitar à perfeição. Esta busca pela perfeição faz parte do dia a dia de qualquer músico coerente. É ela que também avisa que o aprendizado musical simplesmente não tem fim. E mais, que em caso de desleixo ou abandono, a regressão é inevitável.

Esta é a hora do dom! No persistir, no buscar apaixonado, na convicção que sem ela, sem a música, eu me torno menos. Por esse dom não há como cobrar!

Mas há como reconhecer.

Esta virtude que a música talha no ser humano, a disciplina na busca pelo melhor, serve a toda a Igreja, a cada um e cada uma dos seus membros, que são motivados a também buscar alcançar a sua afinação mais próxima daquela da qual originamos.

Que se consiga reconhecer e valorizar os dons uns dos outros, e que valorizemos para sermos valorizados.

Certamente eu gostaria de honrar a música com todo o meu coração como a esplêndida dádiva de Deus, o que ela é de fato, e recomendá-la a todos.

Martim Lutero, p. 42


Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Música
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 21296
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A palavra 'orai' nada mais significa do que 'pedi, clamai, buscai, batei, fazei barulho!' É preciso que assim façamos a cada momento, sem cessar.
Martim Lutero
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