Lucas 4.16-21

Prédica

20/10/1982

Culto de Abertura do 13o. Concílio Geral da IECLB

Hamburgo Velho/RS

 20/10/1982

É importante e significativo que este Concilio Geral sobre o tema Terra de Deus - Terra para todos, acontece no meio da Comunidade. Ainda mais expressiva é a feliz coincidência de que esta Comunidade de Hamburgo Velho, comemorando os 150 anos de sua existência, aviva também nossa memória histórica de Igreja. Neste Concílio Geral os delegados dos 32 Distritos Eclesiásticos devem avaliar, à luz do Evangelho de Jesus Cristo, a nossa presença, ação e caminhada de IECLB. Confiamos em que o Espírito Santo nos oriente nessa avaliação a fim de que melhor (em conjunto) descubramos o conteúdo e o lugar específicos de nossa missão no Brasil e na América Latina.

— Do conteúdo e do lugar de nossa missão nos fala o Evangelho em Lc 4.16-21,28-30: (leitura do texto).

Percebemos que o conteúdo do Evangelho é:

— Cristo traz vida: aos que não a têm e nem a merecem. Ele é a vida para todos que estão à margem da vida: pobres, cativos, cegos e oprimidos. Nisso fica claro que o conteúdo do Evangelho determina o lugar em que o mesmo deve ser articulado, vivenciado e concretizado. Conteúdo e lugar são inseparáveis! Todo o Evangelho, segundo Lucas, mostra o Cristo que primordialmente se interessa e preocupa com aquelas pessoas que, tanto na sociedade, cpmo na Igreja, são desprezadas, rechaçadas e desconsideradas.

Pergunto-me: — É este o Cristo que eu e nós confessamos como nosso Senhor? É este o Cristo que determina a nossa vivência, pregação e ação na família, comunidade, igreja e sociedade? Pensamos neste Cristo quando nos denominamos cristãos? É vital conscientizarmo-nos de que diante de nós está o Cristo que diz:

Eu sou o ungido, ou seja, enviado e investido por Deus para evangelizar os pobres: i. é: eu sou libertação, salvação para os pequenos, fracos e pobres; eu sou a boa notícia para os que se acostumaram com o lado negro da vida; eu sou a libertação para os presos e oprimidos; eu faço com que os cegos enxerguem.

Deu para perceber que Cristo é a vida para os que não a têm, não a conhecem e nem merecem? Dá para sentir a direção em que o Evangelho nos leva? Confesso que é duro e doloroso sermos desinstalados e postos a caminho da margem, da periferia da sociedade e comunidade.
Pois lá está o número crescente e alarmante de desempregados, desocupados. Os 25 milhões de crianças carentes abandonadas, as 12 milhões de crianças que passam fome e miséria (de 0 a 6 anos).

Lá vegetam os 60 milhões de subnutridos (por não terem o suficiente para uma alimentação básica e sadia). Lá estão os 40 milhões de migrantes dos últimos 10 anos. Lá estão os 96 milhões de pessoas que só podem repartir entre si 1/3 de toda riqueza nacional. Lá estão os idosos, que numa sociedade de produção e consumo, apenas representam carga e fardo. Lá estão os 10 milhões de bóias-frias, os sem-terra e os posseiros. Lá estão os restantes índios, sempre mais privados de seus costumes e de suas terras. Lá estão os pequenos agricultores, cuja sobrevivência está ameaçada por uma política agrária concentradora e exportadora. Lá estão as mães brasileiras, que, entre as mulheres do mundo, têm o maior teor de DDT no leite materno. Essas são algumas das vítimas de um processo louco, irresponsável e desumano do assim chamado progresso e desenvolvimento. Enfim, lá estão os pobres, cativos, cegos e oprimidos, dos quais fala o nosso texto. A IECLB ao se colocar sob o tema: Terra de Deus, Terra para todos, forçosamente é confrontada com esta realidade. Somos Igreja de Jesus Cristo no Brasil. E este Jesus Cristo, conforme nosso texto, nos obriga a pregar, anunciar e vivenciar o ano aceitável do Senhor.

Em Cristo, Deus concede perdão aos que não o merecem justifica os totalmente injustos, dá valor e sentido de vida aos que nada são e nada têm a oferecer. Concretamente isto nos leva a lutar por uma mudança de mentalidade, que se reflete numa nova escala de valores. Pois, diante de Deus, o homem vale pelo que ele é e não pelo que tem, produz e consome.

Isto também nos leva a empenharmo-nos para que seja realizada uma distribuição mais justa da terra e da renda para todos. Neste contexto, lembro um exemplo concreto: a Igreja está reivindi-cando a aplicação e realização do Estatuto da Terra, fixado em lei há 18 anos.

O ano aceitável do Senhor significa: Cristo é e traz vida abundante aos que não a têm e nada fizeram para merecê-la: a vida em que as necessidades básicas espirituais, emocionais, materiais e sociais são atendidas.

No entanto, todos que ansiosamente esperavam e esperam pela vida abundante e plena, a rejeitaram e continuam dando às costas a ela.

Quando Jesus afirmou: Hoje se cumpriu a Escritura que acabais de ouvir, todos na sinagoga (na Igreja) se encheram de ira. Conforme uma tradução mais correta do versículo 22, todos davam testemunho contra ele e estranhavam as palavras de graça.. . E conforme v. 29 Expulsaram-no da cidade e tentaram empurrá-lo morro abaixo.

O que incomoda a todos neste Jesus?

É incômodo para os poderosos e piedosos porque anula a sua segurança de vida. Ele que se diz ser o esperado Messias, coloca tudo de cabeça para baixo: toma partido em favor dos marginalizados, injusto e pecadores. Derruba os líderes religiosos e políticos, pois conforme a sua escala de valores, pobre é preguiçoso e não abençoado; preso é o malandro, o ladrão, o subversivo; cego é. o pecador castigado por Deus; oprimido o que não conseguiu subir na vida, o burro — que não serve para outra coisa do que ser mandado e usado. Todos esses valores, fundamentados pela religião, são desmascarados pelo esperado Senhor. Tal Messias os líderes não suportam. Rejeitam e crucificam.

Mas, por mais absurdo que pareça, os que mais esperavam pela vinda de nova vida, que o Messias traz, também se irritam, incomodam e escandalizam. Pois Ele não assume o papel de ídolo, herói, poderoso, mas se apresenta como humilde, fraco e impotente demais. Por causa disso também eles gritam: Crucifica-o!

Até os próprios discípulos o abandonam quando Ele é preso e morto. Não conseguem aceitar um Messias que nesta situação não reage com poder (Lc 24.21).

Não é assim que também nós cristãos experimentamos, sempre de novo, a tentação de querermos ser uma Igreja forte, poderosa, influente? Sentimos necessidade de sucesso, aplauso e glória! E nisso dificilmente conseguimos encaixar o fato de obreiros nossos serem presos por se terem colocado ao lado de posseiros sem nome!

Impressiona-nos muito mais ver 150 mil cristãos no Maracanã, homenageando ao Presidente com uma Bíblia!

No entanto, Cristo diz, para nós, como cristãos individualmente e como Igreja: Lc 9.23-24: Se alguém quer vir após mim a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; quem perder a vida por minha causa, esse a salvará. Será que assim fica suficientemente claro que para nós cristãos só existe um discipulado, um ser Igreja? A saber: O discipulado e o ser Igreja sob a cruz de Cristo! Aos olhos do mundo, a cruz sempre leva à morte, ao fracasso.

Porém, aos olhos de Deus, a cruz leva pela morte para a vida. Da morte nasce a nova vida. O grão de trigo precisa morrer na terra, para que nasça a planta de trigo. Na pessoa de Cristo, Deus atesta ao mundo, a vitória da vida sobre a morte. Sinais desta nova vida, Deus agora já nos possibilita. No entanto, a vitória definitiva da vida sobre a morte dar-se-á quando Deus construir novos céus e nova terra, nos quais habita justiça plena, sem morte. Esta esperança não nos acomoda e nem nos deixa conformados com a violação da vida. Pelo contrário, esta esperança é como um raio de sol que nos aquece, revigora e encoraja para lutarmos pela vida e justiça, contra morte e injustiça. Pensamos, por exemplo nos colonos de Itaipu que, movidos pelo Evangelho, se agruparam e reivindicaram os seus direitos de indenização mais justa. Ou numa comunidade que sai do centro e vai ao encontro de um bairro pobre. A partir do estudo do Evangelho os pobres percebem que têm direito à água, luz e condições de saúde.

Tal vivência evangélica é cruz para a comunidade, pois significa: anunciar o Evangelho de que Deus justifica os pecadores por graça e fé contra qualquer religião de merecimentos. Significa também denunciar todas as manifestações de morte e injustiça; significa sair da casa segura em direção aos pequenos, fracos e marginalizados e resistir com eles contra toda e qualquer estrutura que oprime e impede vida e terra para todos.

Santo Espírito, derruba e desinstala-nos através de teu Evangelho e põe-nos num caminho sob a cruz e faze surgir sinais concretos da vitória da vida.


Autor(a): Huberto Kirchheim
Âmbito: IECLB / Instância Nacional: Concílio
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 4 / Versículo Inicial: 16 / Versículo Final: 21
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1984 / Volume: 10
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 14658
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Assim, outros carregam o meu fardo, a força deles é a minha. A fé da minha Igreja socorre-me na perturbação. A oração alheia preocupa-se comigo.
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