Prezada Comunidade,
Prezados/as conciliares,
Irmãos e irmãs em Cristo!
Quero iniciar agradecendo! Agradecer a Deus por este momento, e a todos vocês irmãos e irmãs de caminhada, pela confiança em mim depositada para a condução pastoral da vida eclesiástica na IECLB nos próximos quatro anos.
O texto que escolhi para este momento é muito especial para mim, trata-se de Lucas 24.13-35. Por quê? Porque é a palavra através da qual Deus mais tem falado ao meu coração e marcado o meu ministério. Este texto tem sido fonte inesgotável de impulsos, de estímulo, de reconstrução da esperança, de reafirmação da vocação e da convicção da missão que Deus confiou para a IECLB.
Gosto demais da ideia do estar a caminho. Este concílio aqui em Foz do Iguaçu foi realizado num hotel e, se alguém pensou que, por estarmos num hotel, não iríamos ter que caminhar, se enganou. Caminhamos muitos pelos corredores que nos levaram para a plenária, salas das câmaras e celebrações. Foram momentos de caminhar junto, conversar, descontrair.
A nova proposta de estrutura aprovada em 1997 tem no seu pano de fundo esta ideia: Igreja que caminha junto – ou – juntos no caminho. Já em Atos dos Apóstolos 9.2 os primeiros cristãos/ãs são chamados de os “do Caminho”!
Quando cheguei à Secretaria Geral, em 2003, encaminhamos uma pesquisa para a OASE, parceiras fundamentais de caminhada, com a pergunta, à luz de Lucas 24: o que vocês estão conversando pelo caminho? O que preocupa? Onde bate o coração?!!? O objetivo era simples: saber o que se passa na vida deste bem maior da igreja que são os seus membros e comunidades!
Vieram muitas respostas. Tinha a ver com injustiça, violência, drogas, consumismo, desemprego, problemas financeiros, saúde, futuro dos filhos, diálogo, família. Também com a Igreja, a preocupação com a participação dos filhos na igreja, os grupos, a participação dos membros, os desentendimentos. Da mesma forma as questões em torno da fé: vida, morte, desesperança.
Entendemos que a intensidade do clamor das senhoras da OASE por orientação revelava uma compreensão de mundo, de igreja, de responsabilidade evangélica que não podia ser desperdiçada. Evidenciava uma consciência critica em relação ao contexto histórico, aos limites que essa realidade impõe à vida enquanto cidadãs cristãs e ao compromisso no sentido da transformação dessa realidade. Com sua compreensão de mundo e sua consciência, as mulheres estavam dirigindo seu clamor à IECLB. O que revela que confiam na sua Igreja.
Constatamos, igualmente, que as preocupações das senhoras da OASE não são exclusivas da IECLB. Elas perpassam a sociedade. Percebemos que uma possível síntese de nossa pesquisa, está nas palavras do sociólogo Zygmund Baumann, em sua obra Tempos Líquidos:
“o medo é reconhecidamente o mais sinistro dos demônios que se aninham nas sociedades abertas de nossa época. Contudo, é a insegurança do presente e a incerteza do futuro que produzem e alimentam o medo mais apavorante e menos tolerável. Essa insegurança e essa incerteza, por sua vez, nascem de um sentimento de impotência”.
É por este caminhar como filhos e filhas de Deus, sintonizado com o que se conversa pelo caminho, que bate meu coração e é nesta perspectiva que quero compartilhar com vocês o texto de Lucas 24. Quero fazê-lo à luz do momento que vivemos como Igreja, tendo a frente uma nova gestão, à luz dos desafios que este mundo nos coloca, à luz da presença amorosa, cuidadora, longânime paciente, encorajadora, de Jesus Cristo, nosso Senhor!
13 Naquele mesmo dia, dois deles estavam de caminho para uma aldeia chamada Emaús, distante de Jerusalém sessenta estádios. 14 E iam conversando a respeito de todas as coisas sucedidas.15 Aconteceu que, enquanto conversavam e discutiam, o próprio Jesus se aproximou e ia com eles.16 Os seus olhos, porém, estavam como que impedidos de o reconhecer.
Os discípulos caminham e conversam a respeito do que haviam experimentado de forma dramática na cidade de Jerusalém. Novo é que nesta caminhada alguém passa a acompanhá-los. Alguém se aproxima! Este aproximar-se é fundamental, trata-se de um jeito especial de Deus, uma opção que também tem consequências para a missão que Deus confiou para a IECLB. Aproximar-se é abrir caminhos! É ser solidário na dor, no sofrimento, na luta. No caso dos nossos dois discípulos, eles não reconhecem a Jesus, seus olhos estavam como que impedidos. A experiência da morte, a crise que se instalou, bloqueou o horizonte e, agora, só restava voltar. Pior, o medo, a fragilidade, a desesperança se fortalecem na medida em que dispersam o povo de Deus!
17 Então, lhes perguntou Jesus: Que é isso que vos preocupa e de que ides tratando à medida que caminhais? E eles pararam entristecidos. 18 Um, porém, chamado Cleopas, respondeu, dizendo: És o único, porventura, que, tendo estado em Jerusalém, ignoras as ocorrências destes últimos dias?19 Ele lhes perguntou: Quais? E explicaram
A pergunta de Jesus é instigante! Do que vocês estão falando?! O que será que preocupa nossos irmãos e irmãs que vivem nas mais de 1800 comunidades da IECLB? O que será que preocupa nossos irmãos e irmãos lá em Icuí, Paróquia Belém do Pará? Acerca do que será que eles conversam? Permitam-se compartilhar uma destas conversas registrada numa mensagem da colega Pa. Cibele Kuss, no mês de setembro. Ela escreveu o seguinte:
Tivemos um fim-de-semana muito intenso, de reflexão e amizade em nosso retiro do presbitério, em Mosqueiro. Meu coração retornou abastecido daqueles momentos.
Domingo à noite, quase entrando na madrugada de segunda-feira, recebi um telefonema de Nilson, nosso caseiro no Icuí, informando que havia ocorrido um homicídio em nosso espaço e que o corpo estava [na maloca] no lugar onde realizamos o encontro com as crianças. (...)
A jovem assassinada se chamava Paula, de 18 anos. Ela inclusive participou dos dois últimos encontros que realizamos na Ocupação, com as crianças.
O corpo de Paula foi levado ao IML em torno das 2h da manha. Hoje bem cedo, Beate e eu fomos para nossa comunidade e lá encontramos um clima de medo, silêncio e tristeza. Sabemos na ponta da língua de todas as mazelas que provocam a violência e morte violenta de tantos e tantas jovens. Esta menina chamada Paula não estudava nem trabalhava e há poucas semanas havia conhecido sua mãe. (...)
Foi um momento de tristeza para toda a comunidade. Eu e Beate conversamos muito sobre o presente e o futuro. E claro, sobre nossos últimos 10 anos de trabalho no Icuí. Tanta violência! (...) O medo é real. A violência é uma ameaça.
É por estes caminhos do medo e da violência que Jesus acompanha os dois discípulos e estabelece uma bonita conversa, dá início a um diálogo. Jesus pergunta aos dois discípulos acerca do que está acontecendo! Convida à interação! Precisa insistir para que o diálogo aconteça = quais?! Demonstra sensibilidade. Tem tempo! O questionamento faz parar a caminhada! Isto é fundamental! Os discípulos falam das suas emoções, seus sentimentos, suas frustrações! Jesus vai fundo!
“O que podemos fazer?”
Esta foi a pergunta da pastora Cibeli, que trabalha na comunidade em Icuí, diante da tristeza e do medo que se abateu sobre todos e todas. Qual é a sua resposta que brota da fé, do compromisso assumido com Jesus Cristo?
Levar esperança, continuar nosso trabalho!
Esta foi a resposta! Mas não só!
Dar um abraço e dizer às pessoas que elas podem contar conosco. No caminho, encontramos a D. Lurdes, com seu rosto cansado e lágrimas nos olhos pelo filho Raimundo (...), hoje já com 19 anos, preso (...).
Ela precisava de uma informação, de ânimo. A gente sempre pode ajudar um pouco e conseguimos dar um encaminhamento bom ao caso do Raimundo. E tudo fruto de um encontro!
25 Então, lhes disse Jesus: Ó néscios e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram! 26 Porventura, não convinha que o Cristo padecesse e entrasse na sua glória? 27 E, começando por Moisés, discorrendo por todos os Profetas, expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras.28 Quando se aproximavam da aldeia para onde iam, fez ele menção de passar adiante. 29 Mas eles o constrangeram, dizendo: Fica conosco, porque é tarde, e o dia já declina. E entrou para ficar com eles.
O medo é real. A violência é uma ameaça. Mas Deus nos dá coragem e um coração cheio de esperança para partilhar vida e luta com quem vive todos os dias no Icuí, para quem é invisível para as políticas públicas. Oremos e lutemos pelas tantas Paulas que não estão na escola, nem no trabalho. Oremos pelas meninas que não tem ninguém que olhe por elas.
Jesus ameaça seguir o seu caminho. Mas os discípulos o constrangem a ficar. Este é o perigo do medo, ele dispersa, isola. O pedido de ficar demonstra o carinho e a confiança que Jesus conquistou junto aos dois! Aponta para uma nova relação, outra dimensão fundamental que caracteriza a vida da Igreja: a hospitalidade!
30 E aconteceu que, quando estavam à mesa, tomando ele o pão, abençoou-o e, tendo-o partido, lhes deu; 31 então, se lhes abriram os olhos, e o reconheceram;
A partilha do pão é o auge da presença do Ressurreto entre os discípulos. A partir deste gesto, Jesus é reconhecido. A palavra de Deus revela que há um processo que leva ao abrir os olhos, a perceber a presença real de Jesus Cristo em nossa caminhada: diálogo acerca do que está acontecendo na vida, o estudo da bíblia que faz arder o coração, e o momento da partilha do pão.
mas ele desapareceu da presença deles. 32 E disseram um ao outro: Porventura, não nos ardia o coração, quando ele, pelo caminho, nos falava, quando nos expunha as Escrituras? 33 E, na mesma hora, levantando-se, voltaram para Jerusalém, onde acharam reunidos os onze e outros com eles, 34 os quais diziam: O Senhor ressuscitou e já apareceu a Simão! 35 Então, os dois contaram o que lhes acontecera no caminho e como fora por eles reconhecido no partir do pão.
A pastora Cibele, em sua mensagem faz uma afirmação que me tocou profundamente quanto ao papel da Igreja lá no Icuí:
Sempre digo e repito que nosso maior patrimônio é nossa capacidade de criar e sustentar relações de solidariedade, amizade e trabalho. É no encontro que vamos fortalecendo nosso trabalho. É no luto que nos levantamos para continuar a lutar.
O texto de Lc 24 aponta para este patrimônio fundamental que Deus nos confiou: a dimensão evangelizadora, diaconal, litúrgica, educacional, comunicativa e de comunhão profunda. Vejo neste texto também a dimensão da sustentabilidade, que tem como pressuposto a partilha, o fortalecimento do corpo todo. E estas dimensões, tão essenciais para a vida de fé, são fruto de uma postura e atitude pessoal pautada em valores éticos que fazem a diferença e que marcam profundamente a vida da Igreja, daqueles que nela celebram.
Nosso Deus, o Deus vivo que vence a morte, não permite dispersar. Os dois discípulos fazem o caminho da volta. Retornam para Jerusalém, para a comunhão de irmãos e irmãs que testemunham a força da vida, da ressurreição.
Também nós vamos voltar. Com este culto, encerramos este XXVII Concílio da Igreja aqui em Foz do Iguaçu. Aqui chegamos, refletimos, conversamos, ouvimos a palavra de Deus, tomamos decisões, oramos, celebramos a partilha do pão na ceia.
Nós vamos voltar. Contudo, voltar, não para dispersar, mas nos reencontrarmos com nossos irmãos e irmãs de caminhada.
Voltar, não para entrar novamente na rotina, mas construir novas relações – com a criação de Deus, entre nós ministros e ministras, entre lideranças, entre todos nós membros da IECLB.
Voltar, para fazer arder o coração.
Voltar, para exercitar a hospitalidade e a comunhão.
Voltar, para vencer o medo juntos e juntas.
Voltar para construir esperança juntos e juntas.
Voltar para cuidar bem do bem desta Igreja que Deus nos confiou, e anunciar e viver o evangelho na perspectiva do Reino de Deus e seus valores.
Que a nossa volta aconteça na certeza de que não estamos acompanhados por um desconhecido, mas deste Deus amoroso que nos chama pelo nome, que em Jesus Cristo nos revelou a sua face amorosa e cuidadora.
Voltar para sermos agentes da Paz na criação de Deus!
“E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará o vosso coração e a vossa mente em Cristo Jesus” (Filipenses 4.6-7).
Amém!