O SEGREDO DA ESPERANÇA
Lucas 2.25-38 (Leitura: Salmo 90)
«A velhice é um naufrágio.» Quem o disse, foi um célebre político de nosso tempo que, já perto dos oitenta anos, se retirou amargurado da vida pública para esperar a morte, na solidão de sua aldeia natal. Muitas pessoas de idade concordam com o velho político: Uma pessoa idosa é mesmo que nem um navio que vai afundando! Lentamente a água vai entrando nos porões, as luzes se vão apagando, as máquinas param, e será somente uma questão de tempo que o barco irá para o fundo mesmo. É a única coisa certa que se poderá dizer sobre a vida humana ...
Passei, há algum tempo, por três velhinhos que estavam sentados no banco de uma praça. Ao passar, ouvi um deles dizer: «Tudo que é velharia devia-se matar! Gente velha não presta mais para nada!» — Confesso que fiquei assustado com aquelas palavras. Não por também já ter passado do verão da vida, mas por ter sentido o desespero e a amargura que falavam do coração daquele homem idoso. Será mesmo que há muita gente que pensa assim? Será realmente verdade que o último trecho da caminhada de nós todos deverá ser tão penoso, tão cheio de desânimo? Será mesmo que a velhice deverá ser um tempo sem esperança e sem alegria?
Não. Não precisará ser. Deus deu a cada idade a sua graça e a sua felicidade específicas. Não queremos negar que a velhice seja um tempo difícil, sujeito a doenças, à solidão, ao lento apagar das forças físicas e mentais. Mas poderá ser também um tempo de paz — um tempo de colher, de colher aquilo que a pessoa semeou na vida, ou, antes, daquilo que Deus semeou na vida dela. A velhice traz à tona o que estava bem no fundo de nossa alma. Vinho velho, ou se torna mais suave, ou vira vinagre mesmo. E para o homem não virar vinagre, para não ter uma velhice mareada pela amargura e pelo desgosto, ele precisa encontrar a Deus. Precisa ter Deus no passado, no presente e no futuro. Citamos três versículos do Antigo Testamento para ilustrar (Eclesiastes 12,1-3) :«Lembra-te do teu Criador nos dias de tua mocidade, antes que venham os maus dias, e cheguem os anos, dos quais dirás: Não tenho neles prazer; antes que se escureçam o sol, a lua e as estrelas do esplendor de tua vida e tornem a vir as nuvens depois do aguaceiro, no dia em que tremerem os guardas da casa (os teus braços), e se curvarem os homens outrora fortes (as tuas pernas), e cessarem os teus moedores da boca, por já serem poucos, e se escurecerem os teus olhos.»
«Lembra-te do teu Criador no tempo de tua mocidade.» Mas não será crueldade, dizer uma coisa destas a uma pessoa velha? A uma pessoa que não se lembrou de Deus na mocidade? Seria crueldade, se precisássemos dizer ao homem idoso: Agora é tarde. Deus não quer mais você. Mas, graças a Deus, não precisamos dizer isto. Mesmo que um Nicodemos duvide de que possa haver um novo começo para um homem velho, dizendo a Jesus: «Como pode um homem nascer de novo, sendo velho?» - fica de pé a resposta que Jesus lhe deu, na qual todo o evangelho se resume; «Tanto amou Deus ao mundo que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.» — «... todo aquele .. .» Essas palavras não nos permitem excluir nenhuma pessoa da salvação. «Todo aquele» é também aquele velhinho desesperado, sentado no banco da praça, o qual disse que «toda velharia se deveria matar». Sim, se chegar a crer, Porque é pela fé que renasce o homem. Eu hoje me arrependo muito por não ter parado naquele momento, junto ao banco da praça, e de ter dito àquele homem idoso, com toda a clareza, que também para ele havia um novo começo e uma nova esperança. Estou firmemente resolvido a não mais deixar passar uma oportunidade assim, mesmo tratando-se de pessoas desconhecidas, como foi no caso dos três velhinhos. Deus me perdoe a falta de coragem e de amor naquela hora!
Temos ouvido em nossa passagem bíblica de duas pessoas idosas que viviam em Jerusalém, no tempo do nascimento de Jesus. Estamos lembrados dos seus nomes: Simeão e Ana. Eram duas pessoas que tinham tido Deus no passado e que o tinham no presente e no futuro. Simeão, um homem justo e piedoso, que tinha recebido a promessa de Deus que não morreria antes de ter visto o Salvador; e Ana, uma viúva, que passava seus dias no templo, em jejuns e orações. Ana era profetisa, e sua atitude junto ao menino Jesus prova que também ela tinha recebido uma revelação de Deus a respeito de Jesus, porque de outra forma não o teria reconhecido. Duas pessoas, portanto, que guardavam um segredo. Duas pessoas, que esperavam por um evento, por um acontecimento importante em sua vida.
Veja, leitor ou ouvinte amigo — jovem ou idoso, homem ou mulher: Duas pessoas de idade, que deverão ter passado os mesmos sofrimentos e as mesmas contrariedades que todos os velhos precisam passar! Ana, por exemplo, tinha sido viúva a maior parte de sua vida. E ser viúva, já naquele tempo, era coisa dura. Tanto na vida de Simeão como na vida de Ana havia motivo suficiente para ficarem amargos, azedos, enfezados. Ambos não tinham mais muito tempo a viver, e este próprio fato teria sido suficiente para os deixar abatidos e tristes. E, no entanto, Simeão «esperava pela consolação de Israel». Ana adorava, dia e noite, no templo. Os dois nem pareciam pensar na morte! Ao menos, tal pensamento não lhes ocupava o tempo, o raciocínio, os sentimentos. Os dois dão a impressão de duas pessoas despreocupadas — por que não dizer: felizes! Qual será a razão desta despreocupada felicidade? Por que nem em Simeão, nem em Ana encontramos nenhum indício daquele negro desespero do homem que achava que toda velharia se deveria matar?
Note bem, caro leitor, caro ouvinte: Desespero é o mesmo que «falta de esperança». É desesperança, por assim dizer. Onde há esperança, não há desespero e onde há desespero, não há esperança. E o segredo destas duas pessoas idosas era este; Elas tinham esperança. Não uma esperançazinha mixuruca — a de talvez viverem mais um ou dois anos, de talvez receberem mais um pouquinho de consideração na comunidade e na sociedade. A esperança de Simeão e de Ana era uma «senhora» esperança: Era a esperança pelo Cristo de Deus. Era a esperança pelo Salvador, o Salvador de Israel e o Salvador do mundo, E nossa passagem bíblica nos diz que sua esperança se cumpriu. Eles viram Jesus — Simeão o tomou até nos braços. Jesus significa: Deus ajuda. Deus salva. Jesus era o «Deus ajuda», era a ajuda de Deus em pessoa. Para Simeão e Ana, o futuro se tinha tornado presente. Que admira que tivessem ficado alegres?
Os pastores e os padres, que lidam muito com pessoas idosas, sabem que muitas vezes uma pessoa doente, quando o médico «só lhe dá mais alguns meses de vida», fica totalmente abatida, apática, desesperada. É como se não houvesse mais nada que pudesse acontecer na vida dela. A única coisa que poderá ainda acontecer, será a morte. E a morte, para ela, é o fim. É como um buraco escuro, no qual se enterra tudo que deu valor à vida, toda sua alegria, toda sua felicidade. Frente à morte, a gente vai notando com clareza — que vida miserável é a vida do descrente. Que vidinha mixuruca mesmo — vidinha que vai minguando dia a dia — até que o lampião se apaga de vez. Depois - acabou-se. Mas terá sido vida, aquela? «Comamos e bebamos, por que amanhã morreremos» — Isso será viver — ou será fazer de conta que se vive?
Não. A vida sem esperança não é a vida verdadeira. E o Deus de misericórdia não abandonou os homens, entregues a uma tal existência triste, sem luz, sem sinais de sua presença. Ele fez nascer a esperança para todos os homens — em seu Filho unigênito Jesus Cristo. Uma pessoa que acha Jesus, achou a esperança. E a esperança, uma vez encontrada, cria raízes. Ela ocupa o lugar que Deus lhe destinou no coração do homem. Ela fica resistente, ela toma conta. Expulsa o desespero. Torna o coração alegre e animado, sim, ela faz transbordar o coração, faz a pessoa louvar a Deus, como fez Simeão. Faz até uma mulher velha, como Ana, dar graças a Deus, em público, e anunciar aos mais jovens que eles é que têm esperança, que o Cristo é nascido para todo.
, Simeão e Ana só podiam ver e tomar nos seus braços o menino Jesus, só podiam louvar a Deus pela dádiva de uma criança, cuja obra salvadora ainda não tinha sido realizada. Ambos viram a luz, mas era ainda uma luz futura. Nesta visão, viram a cruz redentora («uma espada transpassará tua alma», diz Simeão a Maria), mas não foram capazes ainda de refugiar-se para o lugar da expiação, a cruz de Cristo, porque ele ainda não tinha dito o seu «está consumado». Ainda não tinha vencido a morte, ressuscitando em glória. Mesmo assim, a visão da esperança faz Simeão exclamar, louvando a Deus: «Agora, Senhor, despedes em paz o teu servo, segundo a tua palavra, porque meus olhos viram a tua salvação.» Simeão viu o evangelho a iluminar Israel e os povos do mundo todo, viu Jesus revelar os segredos de Deus e os segredos do coração humano. Simeão viu para bem longe. Viu além de nosso tempo. Deus lhe abrira os olhos. E a mesma visão da esperança fez a profetiza Ana falar do menino a todos que esperavam a redenção da Cidade de Deus.
Nós, sejamos jovens ou velhos, temos razão ainda maior para louvarmos a Deus e para proclamarmos os grandes feitos de nosso Senhor. Simeão e Ana podiam ver o menino Jesus -- é verdade; podiam até tomá-lo nos braços. Mas nós temos um direito muito maior: podemos refugiar-nos com todas as nossas preocupações nos braços do Salvador, do Filho de Deus Todo Poderoso, de cujas mãos nada nos poderá arrancar, nenhum desespero, nenhuma amargura -- nem mesmo a solidão da velhice ou a proximidade da morte. Médico que nos desengane? Como? Desenganar um discípulo redimido por Cristo? Ele se acha entregue, abrigado nos braços de seu Salvador! Por que você, caro leitor ou ouvinte, não faz isso mesmo, com decisão e alegria? Seguro pela mão de Cristo, você poderá seguir caminho, sem temor. Também o último trecho da caminhada. Terá Deus no passado, no presente, no futuro, O fim não será nenhum naufrágio. Será um hino de louvor e de adoração.
Oremos: Salvador amado, de coração te agradecemos por nos teres dado uma esperança que vai além de nossa morte, que vai além do horizonte deste mundo. Tu és o nosso evangelho — tu és a nossa esperança. Nada nos poderá separar de ti, nem mesmo o nosso coração, que tantas vezes complica as coisas, que tantas vezes é pequeno e mesquinho demais para que nele caiba a esperança de teu reino. Dá-nos, Senhor, que possamos louvar-te sempre: Agora, na hora de nossa morte e em teu Reino eterno. Amém.
Veja:
Lindolfo Weingärtner
Lançarei as redes - Sermonário para o lar cristão
Editora Sinodal
São Leopoldo - RS