Lucas 18.1-8

Orar significa também lutar

15/10/2016

Lucas 18.1-8

Querida Comunidade!

Jesus nos conta uma parábola, para nos esclarecer sobre como funciona o Estado e sobre a necessidade de lutar teimosamente pelo direito e pela justiça. Especialmente nós, cristãos de confissão luterana podemos aprender dessa parábola que orar está sempre ligado a lutar. Se essa parábola não tivesse sido escrita, há dois mil anos atrás, eu diria que foi escrita para nós. Na parábola aparecem dois protagonistas: um juiz e uma viúva. Vamos olhar mais de perto o que se desenrola entre eles.

O juiz não liga pra nada, não acredita em Deus e nem se importa com as pessoas. A parábola o descreve como alguém centrado em si mesmo. Podemos imaginar que ele tem poder, ganha um bom salário, tem estabilidade e não pode ser demitido, ninguém pode com ele, não deve respostas a ninguém pelo que faz ou deixa de fazer. A parábola não diz qual é a causa que a viúva lhe traz. Mas, sabe-se que, no tempo de Jesus, juízes individuais julgavam causas econômicas. Portanto, é muito provável que está em jogo o seu direito à herança, a uma hipoteca ou a receber algum dinheiro ainda devido ao seu falecido marido.

A viúva é pobre, não tem nem pra viver nem pra morrer, está na rua da amargura. No tempo de Jesus, as viúvas não tinham nada em seu nome, não tinham amparo previdenciário (pensão do INSS) nem qualquer espécie de assistência social. No AT e no NT elas são mencionadas geralmente junto com os órfãos e os estrangeiros como exemplos das pessoas mais vulneráveis e necessitadas de direitos da sociedade antiga. Os profetas chegam a fazer da sua vulnerabilidade um indicador, para se medir, se um reinado era justo ou não. Se a gente quer saber quem seria a viúva hoje em dia, é só olhar para os setores mais vulneráveis e empobrecidos da nossa sociedade.

O juiz não dá atenção à viúva, fica protelando a sua causa. Pra que se incomodar com gente que não tem onde cair morto? O adversário da viúva pode ser alguém de posses, influente...Indispor-se com essa gente desgasta e estressa. Na sua posição a vida tem que ser boa, tranquila. Nela não cabe uma viúva que vem fazer barraco todo o dia, onde ele atende.

A viúva teima, insiste, sua única arma é a perseverança. Afinal, ela não tem alternativa. Ficar em casa, esperando quieta e ordeira pela justiça, não enche barriga. O tempo corre e nada acontece. Ela sabe que sua única chance é lutar, não tem vergonha de ir atrás do seu direito. Não lhe resta outra coisa do que ficar enchendo a paciência do juiz. Dá para imaginar que essa cena foi se repetindo por semanas, meses, quem sabe, anos! A demora já é uma injustiça! Na prática é uma condenação silenciosa das partes mais fracas num processo!

Até que um belo dia, o juiz fica pensando lá com os seus botões: “Pelo jeito, essa viúva não vai parar de me azucrinar a vida. Acho que eu vou atender o seu caso, pra me livrar dela. Essa mulher vai dando nos nervos da gente!”.

Jesus interrompe a cena para chamar a atenção dos seus discípulos e fazer uma comparação entre o juiz e Deus: Se um tal juiz, sem coração, sem escrúpulos, que nada lhe importa, acaba cedendo à teimosia de uma viúva, quanto mais o Deus justo pacientemente ouve os seus escolhidos que a ele clamam sem parar e cujas necessidades lhe cortam o coração! A parábola contrasta o juiz iníquo com o Deus justo que não tardará em atender os seus escolhidos. Contrasta a justiça humana - como muitas pessoas empobrecidas a experimentam - com a amorosa justiça de Deus.

O evangelista Lucas conta essa parábola para a sua comunidade com o objetivo de incentivá-los a serem persistentes na oração, lutarem por seus direitos e não perderem a confiança. A viúva não fica só fechada em casa, rezando pra Deus resolver sua questão. Isso ela certamente também faz, mas não deixa de trazer sua causa ao juiz, vai à luta! Quando a gente deseja algo ardentemente, quando a gente tem certeza de que a causa da gente é legítima, então a gente vai atrás, investe tempo, não mede esforços, energias para conseguir alcançar. Com isso, a gente aprende algo sobre a oração e a perseverança. Orar e lutar estão sempre ligados. Quando a causa é vital, a gente não desiste nunca! E pode-se ter a confiança de que Deus está ouvindo, e mesmo que tarde, ele atende.

Daria para concluir a mensagem da parábola mais ou menos assim: Deus não vai falhar! Mas, como está a fé de vocês, a sua motivação para lutar por direitos?

Certamente ninguém de nós espera ter que apelar algum dia para algum advogado ou juiz, pois o que se observa hoje é muito parecido com o que a parábola conta.

Na quinta-feira passada (13 de outubro) os jornais mineiros publicaram uma reportagem dizendo que aqui em Minas Gerais um processo relacionado à Lei Maria da Penha prescreve (perde a validade) a cada hora. Desde 2011 até julho desse ano 51.020 casos não foram julgados. A alegação é que a Policia Civil não tem estrutura e nem pessoal suficiente para fazer as investigações.

Os deputados federais nessa semana aprovaram a PEC 241, que congela novos investimentos em saúde, educação e empréstimos sociais durante 20 anos. A ideia que está por trás é que a saúde pública, a educação pública e o desenvolvimento social estão bem, que não precisam de novos investimentos. Será que é assim mesmo? Os hospitais públicos (como a Santa Casa por exemplo) estão funcionando bem? Os professores estaduais e municipais estão satisfeitos com os seus salários, de forma que somente é necessário corrigir o que a inflação vai corroendo?

É verdade que o Estado gasta demais. Que o Estado precisa gastar menos. É verdade que mudanças são necessárias. Que a crise precisa ser superada. Disso não há dúvida. Mas por que não cortar os altos salários dos juízes, dos políticos, dos governantes? Por que não cortar os altos juros que se paga aos banqueiros? Ou dos juízes e desembargadores – e alguns ganham mais de 70 mil reais por mês, o que faz que o nosso sistema judiciário ser o mais caro do planeta - algo totalmente inconcebível ao nosso padrão de vida pão com laranja, como diria o escritor Graciliano Ramos.

Por que cortar justamente na parte social que atinge os mais pobres?

Essa parábola nos ensina que ter fé empurra a gente para lutar por direitos, nossos e dos outros, orando e confiando em Deus que atenderá a causa dos seus escolhidos. Em alemão tem um dito que diz: Viele kleine Leute, an vielen kleinen Orten, die viele kleine Schritte tun, können das Gesicht der Erde verwandeln - Muitas pessoas pequenas em muitos lugares pequenos estão dando passos pequenos e estão transformando a cara do mundo!

Obrigado, Senhor Jesus, por nos ensinar hoje que orar também significa lutar. Assim seja.

Que a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus nosso Pai e a comunhão do Espírito Santo. Estejam entre nós. Amém.

(com o apoio de Pastor em. Hans Alfred Trein)
 


Autor(a): Hans Alfred Trein e Nilton Giese
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste / Paróquia: Belo Horizonte (MG)
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 18 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 8
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 39896
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