QUEREMOS VIVER!
Lucas 17.11-19
Com grande prazer atendi ao convite de vosso pastor para pregar hoje a essa comunidade de Taquara. Sinto-me ligado a vós, por ter sido, por longos anos, essa a comunidade de meu pai,1 e terra de minha infância. Não é a mesma igreja, nem o mesmo púlpito daquela época, mas é o mesmo evangelho que hoje vos quero anunciar.
Ouvimos o texto de hoje. Ele nos fala de dez homens que eram leprosos, e isto significava naquela época: estavam excluídos da vida. Viviam ainda, mas isolados dos outros, privados de tudo que podia dar valor à vida. E, no entanto, também eles não conheciam desejo mais forte, mais ardente do que é o desejo de todos os que vivem: viver! Queremos viver: Não é este o desejo natural de todos, a ânsia que está por detrás de toda a atividade e luta dos homens?
Queremos viver: por isso se lançam e entregam a tudo que lhes parece prometer a vida. Procuram agarrar e segurá-la. Mas sempre vem a desilusão: não era a vida, era apenas uma sombra que os iludira, e fica o desejo, continua a sede: queremos viver!
Nesta situação estes homens um dia encontram a Jesus. De longe somente podem vê-lo. Pois viviam na zona interditada; não lhes era permitido aproximar-se por mais de oitenta metros dos outros. Certamente sabiam alguma coisa a respeito de Jesus, provavelmente tinham ouvido que Ele já a muitos outros tinha ajudado. Este homem, de poderes excepcionais — quem sabe, ele poderia dar-nos o que procuramos? E agora, avisados que Jesus passaria por ali, esperam para não perderem esta grande, única oportunidade.
Estes homens não se entregam a ilusão alguma quanto à sua própria situação. Sabem que estão doentes, que estão numa situação perdida, e não procuram escondê-lo. Muitos se encontram em situação semelhante — mas não querem vê-lo. Procuram esquecimento. Para não se lembrarem de sua miséria, entregam-se febrilmente a qualquer atividade, ou entregam-se a um mundo de imaginação: tudo para não verem a realidade, a sua vida tão pobre e vazia. Mas, tudo isso não pode ajudar. O primeiro passo é sempre reconhecer a própria situação e não amar as ilusões. Estes homens sabiam: nós não nos podemos ajudar a nós mesmos. Mas agora, Jesus se aproxima. E nele se concentra toda a sua esperança, todo o seu desejo de viver. Por isso, no momento decisivo, de longe, levantam a sua voz e gritam: Jesus, Mestre, compadece-te de nós! Não pedem somente, mas clamam, gritam, porque sabem: tudo depende de que Ele nos ouça. E neste grito está contida toda a sua existência, com toda a sua aflição e toda a sua esperança: Se tu não nos ajudares, ninguém nos ajudará!
E o grito destes homens é como um espelho que reflete fielmente a nossa existência humana. Quando o homem chega a reconhecer a sua situação neste mundo, quando se vê excluído da roda dos felizes, dos que têm sucesso, mas também dos que ainda encontram esquecimento em qualquer narcótico, pode suceder que ele procure auxílio onde antes não pensava encontrá-lo; que ele espere, para que passe perto dele aquele que pode ajudar. Este grito de desespero e de esperança se tem multiplicado vezes sem contar. E Jesus ouve o grito, e vê os dez. Não faz nenhum exame, não pergunta pelo passado. Pois é Jesus, quem disse: Vinde a mim todos que andais aflitos e sobrecarregados! (Mt 11.28) Agora vieram a Ele.
E Jesus ajuda. Mas não como esperavam. Não imediatamente, com um milagre à vista de todos, mas assim que por enquanto nada podem ver de auxílio. Dá-lhes a ordem: Ide e mostrai-vos ao sacerdote! Os sacerdotes naquela época exerciam também as funções duma autoridade sanitária, eles que forneciam o atestado de saúde. Os dez nada podem constatar de que se tenha mudado a sua situação; estão doentes como antes, continua a mesma aflição. Que sentido pode ter apresentarem-se assim à inspeção de saúde? Não parece uma ordem absurda? Que pode levar estes homens a fazer o que Jesus lhes disse? O mesmo que impeliu a Pedro naquela manhã quando cansado voltara de uma noite inteira de trabalho em vão, a tomar os remos e a fazer-se novamente para o alto mar: Pela tua palavra, Senhor, o farei! (Lc 5.5) E assim o fizeram estes dez.
Eles só têm a palavra de Jesus, e nela confiam. Fizeram o que lhes disse, e aconteceu que, indo eles, ficaram curados.
Donde lhes veio o auxilio? Quem lhes tinha ajudado? Jesus? Mas, já estavam longe dele. No caminho, como de si mesmos, ficaram bons. Hoje em dia diriam: Tivemos sorte! Quantas vezes tem sucedido isto, talvez também conosco: que todas as portas estavam fechadas, não víamos mais saída, e então, de repente, sem o esperarmos, abre-se um caminho. E a nossa reação: Mais uma vez tive sorte! Mais uma vez consegui! E não nos veio a ideia que pelo que nos sucedeu estávamos sendo procurados, estávamos sendo convidados e chamados para reconhecermos donde em verdade nos vem o nosso auxílio.
Só um dos dez, vendo que fora curado, voltou dando glória a Deus em alta voz, e prostrou-se com o rosto em terra aos pés de Jesus, agradecendo-lhe. Os outros desapareceram. Eles querem viver — abriu-se a porta, quantas coisas os esperam, o quanto eles têm que recuperar, depois de tantos anos perdidos. Esquecida está toda a miséria, esquecido aquele grito. Feliz quem pode esquecer. Como haveriam de ser felizes os homens de nossa época, mestres do esquecimento.
Se a nossa história fosse apenas um conto de fada, poderia ter esta continuação: Mas, na próxima manhã, ao despertarem os nove ingratos, com espanto verificaram que tinha voltado a lepra. Reconheceram então a sua falta, e se apressaram a procurar Aquele que tão milagrosamente os ajudara, para confessar a sua falta. Mas, jamais o encontraram. E assim continuaram leprosos, até o fim de sua vida.
Mas, o evangelho não é um conto, e sim, realidade. E a continuação é outra: Todos os dez foram curados, todos eles receberam auxílio e foram devolvidos à vida.
Mas, somente àquele um que voltara para dar toda a honra a Deus, somente a ele Jesus disse: Levanta-te, a tua fé te ajudou! Mas como? Não fora ajudado a todos? Não receberam auxílio todos igualmente?
Não, não igualmente. Só aquele um recebeu verdadeiro auxílio. Porque só ele, pelo que lhe sucedeu, deixou-se conduzir a Deus. Fez a volta decisiva de sua vida, a volta para Deus, cujo auxílio tinha encontrado em Jesus. Futuramente não precisa ansiosamente procurar a vida. A sua vida recebeu agora para sempre profundo sentido, verdadeiro valor. E quando vier novamente a aflição — e ela virá com toda a certeza —, ele se saberá mantido em tudo, e em qualquer situação jamais se sentirá abandonado, excluído, mas dirá: Ainda que eu ande pelo vale sombrio, não temo mal algum, porque tu estás comigo, a tua vara e o teu cajado me consolam. (Sl 23.4)
Os outros, porém, os nove, recuperaram a saúde, e tudo o que queriam, era viver. Entregam-se apressadamente ao que consideram a vida. Mas, também para eles virá nova aflição. E se desta vez a sorte os abandonar? Se então reconhecerem: O que se nos apresentava como a vida, foi uma ilusão; queríamos segurá-la com ambas as mãos; era tão bela; mas não pudemos segurá-la; de repente se desfez? Queremos viver — mas onde encontrar a vida que é mais do que uma ilusão? A vida que é realidade?
Esta vida podes encontrar, se escolheres também tu este caminho do qual é dito: Ele voltou e louvou a Deus em alta voz, prostrou-se diante de Jesus e agradeceu-lhe.
Porque escolhendo este caminho, estará escrito também sobre a tua vida: Levanta-te, a tua fé te ajudou.
Nota
1 Ernst Schlieper, 1864 — 1919; pastor em Dois Irmãos de 1892 a 1900 e em Taquara de 1900 a 1919.
Pastor Ernesto Schliper
23 de Setembro de 1962 (149 Domingo após Trindade), Taquara
Veja:
Testemunho Evangélico na América Latina
Editora Sinodal
São Leopoldo - RS