Prédica: Lucas 10.38-42
Leituras: Gêndsis 18.1-10a e Colossenses 1.15-28
Autoria: Marcia Blasi e Ketlin Lais Schuchardt
Data Litúrgica: 9º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 17/07/2016
Proclamar Libertação - Volume: XL
1. Introdução
Os três textos indicados convidam-nos a refletir sobre a importância de receber a palavra de Jesus e confiar em suas promessas, sem deixar que as preocupações, as agitações, o medo e a insegurança nos afastem da companhia de Jesus.
O texto previsto para a pregação no 9° Domingo após Pentecostes relata a visita de Jesus à casa de Marta e Maria. Por meio de Marta conhecemos o amor que serve e por meio de Maria a importância de ouvir a palavra de Jesus para aprender e poder servir com amor. Mesmo com os rígidos costumes da cultura da época em relação às mulheres, Jesus, ao hospedar-se na casa de Marta e Maria, manifesta o afeto e a confiança que tem pelas duas irmãs e desafia as regras culturais. Cristo diz que não veio para ser servido, mas para servir. Hospedar e cuidar das pessoas são atitudes boas e necessárias; acolher a palavra também é.
A teologia feminista cita Lucas 10.38-42 como um dos textos que fundamentam biblicamente a tese do “discipulado de iguais”, enfatizando a importância e participação de mulheres no ministério de Jesus. Enquanto Marta se ocupa das “tarefas caseiras”, tipicamente entendidas como femininas na sociedade patriarcal, Maria tem a coragem de assumir a “atitude de um discípulo”: sentada aos pés de Jesus, aprendendo e sendo empoderada com conhecimento.
2. Exegese
O texto indicado para a pregação é narrado somente no Evangelho de Lucas. Esse texto localiza-se entre a parábola do bom samaritano, que enfatiza o tema do amor às pessoas necessitadas, e os ensinamentos de Jesus sobre como se deve orar. O texto, entre outras coisas, fala da visita que Jesus faz a Marta e Maria em uma de suas viagens.
V. 38 – Jesus e seus discípulos estavam a caminho de Jerusalém. Ao chegar a um povoado, provavelmente Betânia, a pouco mais de 3 km de Jerusalém (Jo 11.18), Marta recebe Jesus em sua casa. Tudo indica que Marta era a irmã mais velha, dona de casa e responsável pela família.
V. 39 – A sua irmã, Maria, simplesmente assentou-se aos pés de Jesus como qualquer discípulo costumava sentar-se aos pés de seu mestre. Os rabis não aceitavam que mulheres se sentassem a seus pés como discípulas (Lc 8.1-3). Com esse gesto Maria assume a atitude de uma discípula para ouvir os ensinamentos do Senhor, que não a repreende.
V. 40 – Marta estava preocupada com o muito servir – diakonia. Ela estava atarefada com muito servir, provavelmente cansada de fazer tudo sozinha. Ela censura sua irmã e apela a Jesus que ordene para que Maria a ajude. Marta estava ocupada, o que em grego significa “distraída”.
V. 41-42 – A resposta de Jesus tem um ar de repreensão, mas não exclui a amizade e ternura que sente. “Jesus tinha muito amor por Marta” (Jo 11.5). Marta queixa-se com espontaneidade, e Jesus responde com carinho: “Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada com muitas coisas” (Lc 10.41). Para o estilo de vida que Jesus adota para si e seus discípulos e discípulas, “pouco é necessário”. Jesus não condena o servir (diakonia) de Marta; sua atitude e preocupação também são de grande importância. No entanto, fica claro que Jesus está preocupado com a agitação de Marta.
3. Meditação
Marta e Maria, amigas e seguidoras de Cristo em uma época em que as mulheres, principalmente as das classes pobres, viviam totalmente submissas, não tinham nenhuma participação ativa na vida da sociedade e nem nas decisões familiares ou políticas. Jesus questiona e quebra a tradição e fá-las suas discípulas.
Marta é apresentada a nós como uma mulher trabalhadora, prática e cheia de vitalidade, uma anfitriã preocupada em receber bem o hóspede. Assim sendo, não mediu esforços para receber com hospitalidade e alegria um hóspede tão ilustre como Jesus. Assim como nós nos preocupamos com as coisas práticas e em servir bem quando recebemos uma visita querida, Marta também quis receber bem aquele amigo, talvez com uma boa refeição.
Com toda a preocupação em servir bem a Jesus e talvez outras pessoas, Marta fica muito agitada e atrapalhada. Seu serviço (diakonia) é importante e vital na comunidade. O que teria levado Marta a tal atitude de constrangimento?
Talvez Marta estivesse cansada de assumir todas as responsabilidades do serviço sozinha, como muitas mulheres ainda hoje precisam fazer, enquanto outras pessoas sentam e conversam. Talvez Marta gritava por ajuda e também queria poder “optar” pela melhor parte sem sentir-se culpada por isso? Não poderiam todas as pessoas da casa, inclusive Jesus, ter se ocupado com as tarefas enquanto ouviam seus ensinamentos?
Maria também faz, age. Mesmo em um contexto que, em sua maioria, impede as mulheres de ser discípulas, Maria ousa inclusive agir contra a lei. Provavelmente ela não era a única. Com sua atitude Maria mostra ter consciência de que Jesus é o Mestre e que ela não quer perder nenhuma oportunidade de aprender com ele. Ela se coloca aos pés do Mestre para ouvir com atenção e esquece a responsabilidade de auxiliar nos afazeres, os quais preocupavam Marta.
Jesus Cristo assume uma amizade com Marta e Maria e decide hospedar-se na casa delas, o que para a época já era bem preocupante. Jesus desafia o pensamento patriarcal e assume uma mulher como discípula, permitindo que ela sente a seus pés enquanto ele a ensina. Quando Marta reclama sua atenção, Jesus responde de forma carinhosa: Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada com muitas coisas. Uma só coisa é necessária; Maria optou pela coisa certa, e esta não lhe será tirada (Lc 10.41-42).
As palavras de Jesus para Marta também nos convidam a refletir sobre nossas escolhas e nossas prioridades. Vivemos em um tempo de muita agitação. Precisamos fazer muito, fazer tudo, ser pessoas conectadas nas redes sociais o tempo todo e não “perder” tempo com conversas. A agitação e a agenda lotada são sinais de competência em nosso contexto. Ao contrário, descanso, conversas, estudo, momentos de reflexão e estudo da palavra são considerados perda de tempo. Vivemos em um mundo onde a justificação por graça está cada vez mais distante do dia a dia. Para o mundo, somos pessoas justificadas pelo quanto fazemos e pelo que temos.
Quando assumimos as responsabilidades em conjunto, homens e mulheres, em todos os âmbitos de nossa vida, libertamos muitas “Martas” dentro de nós, as “Martas” que nos chamam para o ativismo, para a correria e a agitação, para o sentimento de incompetência. Servir é muito importante, mas é preciso mais. É preciso parar. Ao não cair na armadilha da resposta fácil, desejada por Marta, Jesus também fala a nós.
No mundo patriarcal em que vivemos, exige-se que mulheres andem sempre agitadas com muitas tarefas, com várias jornadas de trabalho, cuidado com crianças, pessoas idosas e doentes, impedindo que muitas vezes possam escolher o estudo e o aprender. De modo semelhante, é exigido dos homens efi ciência no trabalho, competitividade e o aprender constante. A palavra de Jesus desafia a transformar a realidade, a trabalhar em conjunto no servir e a ter tempo e condições justas para “escolher a melhor parte”.
4. Imagens para a prédica
Inicie descrevendo o que acontece quando recebemos uma visita surpresa: abrir a porta, limpar o sofá para a visita sentar, colocar o cachorro para fora, preparar um café, ver se tem algo para fazer almoço (cada contexto trará subsídios para começar a história). Relacione essa experiência com a de Marta e Maria. Não havia celular nem facebook, a visita simplesmente chegava. E então era preciso agilidade para fazer tudo.
Além disso, sugiro enfocar a palavra diaconia. Marta provavelmente estava preocupada com as visitas que tinha prometido fazer, com a pessoa batendo à sua porta pedindo um pedaço de pão, com a refeição que gostaria de preparar para Jesus. Com tantas tarefas estava atrapalhada. Descreva como tudo isso é importante.
Conte também a atitude de Maria, sua sede de aprender, de ouvir as palavras do Mestre. No contexto onde elas viviam, isso não era desejado nem apoiado, e em muitas ocasiões até proibido. Saliente que para muitas mulheres essa não é uma escolha. Muitas mulheres assumem sozinhas a tarefa de cuidar, lavar, limpar, cozinhar e não tem tempo nem condições de escolher o estudo.
O texto apresenta uma tensão que não precisa ser resolvida. Não é necessário escolher lados e muito menos condenar Marta e salvar Maria. Não creio que o texto queira isso. Aproveite para enfatizar que na companhia de Jesus somos pessoas livres para aprender, reivindicar, trabalhar em conjunto. Incentive as pessoas a procurar o ensino que liberta e encoraja-as a ser Martas-Marias no seu dia a dia.
5. Subsídios litúrgicos
Hino
Diaconia, de Erli Mansk e Rodolfo Gaede Neto.
Oração
Deus de ternura e misericórdia, agradecemos-te por permitires e compreenderes que por vezes somos como Marta, que se preocupa e serve incondicionalmente com seu trabalho e dedicação, outras vezes somos como Maria, com disposição para colocar-se a teus pés e ouvir. Permita que ouçamos o que tu tens a nos ensinar e capacita-nos para servir e ouvir as pessoas ao nosso redor, fazendo todas as coisas sempre com amor e em comunhão. Por Jesus Cristo, teu Filho amado. Amém.
Bênção
Que a estrada se erga ao encontro do seu caminho.
Que o vento esteja sempre às suas costas.
Que o sol brilhe quente sobre a sua face.
Que a chuva caia suave sobre seus campos.
E até que nos encontremos de novo,
Que Deus o guarde na palma da sua mão.
(Bênção irlandesa)
Bibliografia
CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo. São Paulo, SP: Milenium, 1982. 6 v.
FIORENZA, Elizabeth Schüssler Fiorenza. Discipleship of Equals: A Critical Feminist Ekklesia-logy of Liberation. New York: Crossroad, 1994.
OLIVEIRA, Jorge Batista Dietrich de. Lucas 10.38-42. In: Proclamar Libertação XXXIV. São Leopoldo: Sinodal, 2009. p. 264-269.