Lucas 10.25-37 - O amor indivisível

Prédica

12/02/1979

O AMOR É INDIVISÍVEL
Lucas 10.25-37 (Leitura: Salmo 124) 

Uma grande pergunta — e uma grande resposta, ambas provenientes da boca de um intérprete da lei, de um estudioso da Bíblia. A pergunta: «Mestre, que farei para herdar a vida eterna?» — E a resposta, composta de duas frases do Antigo Testamento, aqui juntada por um bom teólogo: «Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento ~- e amarás o teu próximo como a ti mesmo.» -- Jesus, ao que parece, não acha nada errado na pergunta, e concorda com a resposta. O homem que o procurou para discutir com ele sobre a Bíblia, é um bom intérprete da Escritura, um doutor da lei, que conhece a Bíblia de fundo. Não sabe apenas onde se acham escritas estas ou aquelas frases. Sabe distinguir também entre as coisas primeiras e as segundas. Sabe apontar o centro da Bíblia: Amar a Deus de todo o coração! Todo israelita piedoso rezava esta passagem do Deuteronômio, cada dia de sua vida. E este teólogo de mão cheia, sabe acrescentar àquele versículo muito conhecido, um outro, que se acha em Levítico, e que manda amar o próximo como a si mesmo. Vejam — que boa teologia: Amar a Deus, mas não esquecer-se do homem. O homem, criado à imagem de Deus. Não só olhar para cima, mas também para os lados. Este teólogo, este estudioso da Bíblia, parece realmente entender Jesus. É isto o que Jesus Cristo quer. O mestre nada tem de acrescentar à interpretação do doutor. Ele diz apenas: «Faze isto, e terás a vida.» 

«Faze isto.» Agora começa o problema do bom teólogo. Ele sabe teologia. Ele conhece a Bíblia. Mas neste ponto ele sente um impulso irresistível de desconversar. «Faze isto,» Pare, Jesus! Isso aí é outra coisa! Ser um estudioso da Bíblia é uma coisa, fazer, é outra! Por que complicar as coisas logo com a prática? Ele, o doutor da lei, é um homem de leituras tranquilas, de estudos profundos. Terá cabimento que Jesus simplesmente o mande embora, mandando-o fazer o que a Bíblia diz? As coisas, antes, não precisam de maior esclarecimento? Não será necessário discutir e analisar o problema em maior profundidade? — E assim ele volta a perguntar, para justificar-se a si mesmo (talvez para dizer indiretamente a Jesus: Olhe, Jesus, não seja ingênuo: A coisa não é tão fácil assim!), ele pergunta: «Quem é o meu próximo?» 

Aí Jesus poderia ter mandado aquele teólogo embora. Poderia ter-lhe dito outra palavra da Bíblia. Mas Jesus não terminou a conversa assim. Este homem tinha chegado a ele com uma pergunta muito séria, tinha dado a resposta certa, e Jesus vê que só lhe falta urna coisa — que venha a praticar sua teologia certa, que faça o que sabe, que seus conhecimentos bíblicos venham engrenar com sua vida. E assim lhe apresenta uma história onde esta engrenagem realmente acontece. Uma história que deve ter sido um espinho na carne daquele teólogo, assim como é um espinho em nossa própria carne, sejamos teólogos ou sejamos leigos. 

A história é simples. Um homem desce por uma serra perigosa; segue uma estrada de má fama; ele é assaltado por bandidos. Estes o deixam em estado miserável, ferido, deitado, meio morto, à beira do caminho. Há pouco movimento naquela estrada das montanhas. Mas chegam a passar três pessoas. O primeiro, um sacerdote. Um teólogo, portanto — e mais que um teólogo: um pregador. Um homem que lida com o altar de Deus. Um ministro que vive no santuário e que ensina o povo o caminho de Deus. E este sacerdote vê o homem ferido — e neste momento é que deveria engatar alguma coisa nele. Sua teologia deveria engatar com a vida. Mas não engata. O motor de sua teologia continua funcionando — mas funcionando em ponto morto. O sacerdote vê o homem ferido e segue adiante. Passa de largo. Saber e fazer, ensinar e praticar — são duas coisas distintas. — O mesmo se dá com outro homem que passa um levita. Ele também é uma pessoa que vive no templo, uma pessoa que sabe a lei de Deus. E ele também passa de largo, sem ligar o homem ferido, E por fim aparece um samaritano, um homem da Samaria. Os judeus desprezavam os samaritanos, porque em sua opinião a etologia deles era muito fraca. E eles nem vinham adorar a Deus em Jerusalém, onde era o lugar certo para adorar. Este samaritano vê o homem ferido, vê-o com os olhos, e vê-o com o coração. Ele se compadece dele. Não consegue arrancar-se do lugar, mesmo que tenha medo dos bandidos, Chega-se ao homem ferido, lava as feridas dele com vinho, aplica azeite como curativo (veja: ele levava vinho e azeite na bagagem!), depois o coloca sobre seu animal e leva-o até um hotelzinho de beira de estrada, onde o deixa aos cuidados do hoteleiro. E ainda paga as despesas, prometendo acertar as contas com o dono do hotel na viagem de volta. 

E depois de ter contado esta história, Jesus faz uma pergunta ao doutor da lei que este não tinha esperado. Ele tinha perguntado: Quem é meu próximo? E Jesus pergunta: Quem destes três homens foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos salteadores? — O intérprete da lei mais uma vez responde corretamente: Foi o que usou de misericórdia para com ele! — E novamente Jesus lhe diz: Vai fazer, vai praticar. Saber, tu sabes: «Vai e procede tu de igual modo.» 

Quem é meu próximo? Jesus diz: De quem você é próximo? Quer dizer, o próximo — isto não é alguém que vive mais ou menos perto de nós. Para ser próximo de alguém, é preciso acontecer alguma coisa. Não é só passar perto dele. Não é só ver a situação dele. É compadecer-se dele. É ter pena dele. E é mais do que ter pena: 'É padecer com ele, sofrer com ele. Arriscar-se por ele. Expor-se a perigos. Os salteadores e os ladrões estão sempre «próximos» também, quando um samaritano se compadece e se aproxima e põe a mão numa pessoa para lhe cuidar as feridas. Quem não quiser correr este risco, não poderá ser o próximo de ninguém. A vida do discípulo de Cristo acontece numa região onde há muito salteador, salteador que ataca, que fere, que explora e que abandona. Há muito lobo, disfarçado em ovelha. Esta região é nosso mundo um mundo cheio de crueldade e de injustiça. Neste mundo nunca faltou e nunca faltará oportunidade de encontrar um próximo. A questão é que nós achamos mais cômodo, dizer: «Cada um por si e Deus por todos.» Deus por todos, sim, graças a Deus! Ele não exclui ninguém de seu amor. Deus, em Jesus, veio a ser o próximo do mais miserável dos homens. Mas cada um por si não! Esta não é a teologia de Jesus. Esta é a teologia do diabo. Ele quer que o homem tenha só um único interesse: a sua própria pessoa. Deus? Pois que ele fale de Deus! Falar de Deus é muito fácil. Mas o demônio sabe que ninguém pode realmente amar a Deus, a quem não vê, se não amar a seu irmão a quem vê. E por isso, em sua teologia realmente diabólica, ele vai dizendo e repetindo: Passe de largo, passe de largo! Não ligue o problema deste homem. Não se meta na vida deste homem. Cuide de você mesmo. Cuide de sua própria paz interna. Leia a Bíblia, se quiser. Mas nada de aplicar seus ensinamentos no seu dia-a-dia. . . 

Se neste ponto algum leitor ou algum ouvinte deixar de ler adiante, ou se deixar de ouvir o que foi lido se ele se levantar e for visitar um vizinho doente, ou uma pessoa perturbada por problemas angustiantes, repito: Se neste momento alguém se levantar, por se ter compadecido em seu coração de uma pessoa sofredora, ele terá entendido corretamente a mensagem de Jesus. E quem o fizer depois desta meditação, também. Mas quem não o fizer, quem souber de um infeliz, e passar de largo, ao vê-lo em sua miséria, este não entendeu. Porque aqui, entender é fazer, é obedecer. «Vai e faze tu o mesmo.» O mesmo: Isto é ver, compadecer-se, envolver-se na vida da pessoa, expor-se a riscos, gastar tempo e dinheiro com ele, gastar fantasia, gastar coração. Este é o segredo de alguém se tornar próximo de um outro. A também o segredo da fé em Deus. Por que uma coisa sem a outra não dá certo.

Veja o que Jesus fez. Ele, o Filho Unigênito do Pai. Ele não se tornou nosso o próximo? E como ele o fez? Esperando até que nós viéssemos a ele? Não. Ele veio a nós. Compadeceu-se de nós. Não viveu para si mesmo. Viveu para dar sua vida não só no momento em que morreu na cruz. Escolheu homens fracos, como Pedro, Mateus, Paulo, tornando-se o próximo deles. Seu amor a Deus o fazia ir à procura de criaturas humanas, nas quais a imagem de Deus ia sendo destruída pelo grande salteador: pecadores, adúlteros, doentes, possessos. Gente nas últimas. O que Jesus fez com as pessoas desencaminhadas, falidas e fracassadas, isto é o centro do evangelho. Se não quisermos viver naquele centro, não estaremos lá onde Jesus está. 

Ser discípulo de Jesus é, antes de tudo, seguir o Mestre. viver o amor, é treinar a obediência. É ser pescador de homens, em um sentido bem definido: Estar à procura de um próximo que precise dele — levar consigo o vinho e o azeite de que o ferido vai precisar. Esta é a profissão do cristão. Grandes teólogos, sem dúvida, nos fazem falta. Demos graças a Deus por homens da categoria teológica do apóstolo Paulo, de Santo Agostinho, de Lutero. Mas o que faz maior falta ainda, é que o grande ou o pequeno teólogo, ou o discípulo mais simples, se compadeçam e sejam o próximo de uma pessoa definida que Deus vai apontando a eles na beira de seu caminho. 

«Eu quero ter um milhão de amigos!. . » Nós, de certo, conhecemos aquela canção muito popular de Roberto Carlos. Um milhão de amigos . . . um milhão de próximos.. Não! Deus não pede tanto a nós. É um só. Um de cada vez. Penso até que em uma situação definida, o cristão só pode ser o próximo de uma pessoa mesmo. Pois precisa de tempo para ele, precisa ouvir o que ele diz, precisa responder, precisa participar da vida dele, precisa deixá-lo participar da própria vida. Na Bíblia, a palavra «próximo» só aparece no singular. O bom é que o próximo não fica no singular. Ele acha comunhão! 

Depois de termos sido o próximo de alguém, não o vamos amarrar a nós. O samaritano encaminhou seu próximo a uma hospedaria. Deixou-o num ambiente são, no qual tinha condições de recuperar-se, tinha condições de voltar a viver por inteiro, já que estava meio morto. Não se desligou dele. Mas não o amarrou a si. O que vale é que esteve presente no momento exato e no lugar exato onde o infeliz tinha precisado dele. Esteve presente com o coração, com as mãos, com a bolsa. — Você acha que tais oportunidades são raras? Não são. São coisa do dia-a-dia de todos nós. Jesus diz: Vai e faze tu o mesmo! 

Oremos: Senhor e Salvador. Nós ouvimos a mensagem e entendemos o que ela nos quer dizer. Confessamos-te que também nós temos passado de largo muitas vezes, quando deveríamos ter parado para sermos o próximo de uma pessoa. Tu nos envias para nosso dia-a-dia, mandando-nos fazer o que o samaritano fez. Senhor, tu vieste ser o nosso próximo, e assim nos tornas capazes de sermos os próximos de outras. Queremos seguir contigo, Senhor. Ajuda-nos a sermos fiéis no caminho da obediência. Amém.

Veja:

 Lindolfo Weingärtner

Lançarei as redes - Sermonário para o lar cristão

 Editora Sinodal

 São Leopoldo - RS

 


Autor(a): Lindolfo Weingärtner
Âmbito: IECLB
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 10 / Versículo Inicial: 25 / Versículo Final: 37
Título da publicação: Lançarei as redes - Sermonário para o lar cristão / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1979
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 19707
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Deve-se orar de forma breve, mas seguidamente e com convicção.
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